MORALIZAÇÃO DA PALAVRA...

Já não vale a pena falar das dificuldades que o país atravessa, porque disso estamos todos fartos, já conhecemos os cenários, até já sabemos de memória as palavras demonstrativas da crise que, artificialmente ou não, vai desaparecer em 2008 para transmitir a ideia de que em 2009 valeu a pena o sacrifício. Em 2010, se estivermos vivos, estaremos novamente mergulhados nesta mesma crise que hoje nos afoga...É assim que, há séculos, vivemos, entre crises e revoluções, e assim vamos continuar... parece ser mais forte do que nós!

A justificação para esta crise que vivemos legitimou um conjunto de medidas que já quase ninguém quer questionar. Todavia não hesito em perguntar se todos os cortes são legítimos e se a população os deseja, do mesmo modo, em todos os sectores do Estado. Parece-me que não!

É conhecida a propensão do Estado para o gasto excessivo e para o desperdício, e quanto mais consegue amealhar, sem grande esforço, mais gasta. Porém é desonesto afirmar que todos os funcionários e que todos os sectores do Estado são despesistas e pecam pela falta de produtividade e eficiência.

Com a devida vénia para os que produzem com eficiência e a baixo custo, ditam as crónicas que, por esse país fora, multiplicam-se os organismos, institutos e instituições que, para além de sabermos que sabem gastar, poucos de nós sabem o que lá se produz. Muito poucos sabem para que serve a sua existência, para além de assegurar uns quantos postos, bem remunerados, para uns tantos rigorosamente seleccionados. Nestes casos, faz verdadeiramente sentido o seu encerramento. Conforme o Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, dentro de pouco tempo vão começar a fechar as portas!

Não sabemos se as palavras do referido Ministro, no programa «Prós e Contras», são para ser levadas a sério. Por enquanto, são de manter algumas reservas, na medida em que quase um ano depois de este governo ter tomado posse, ainda nenhum foi encerrado.
Já ouvimos promessas do encerramento de tribunais, ouvimos promessas de encerramento de esquadras e postos de polícia, hospitais e até maternidades. Até à presente data, só ouvimos falar do encerramento de instituições que são próximas da população e que prestam um puro serviço de atendimento público de que ninguém parece estar disposto a abdicar.

Presidentes de Câmara há que vieram a terreiro garantir que não aceitam o encerramento do tribunal local, ou da esquadra da polícia. Populares há que vieram a terreiro protestar contra o encerramento do centro de saúde, ou da maternidade. Os serviços prestados podem ser de fraca qualidade, mas, se vão desaparecer, o cenário só pode piorar.

Decididamente parece que não são aqueles os estabelecimentos que as populações querem ver encerrados a menos que lhes consigam garantir que os encerramentos referidos se vão traduzir numa melhoria significativa da qualidade do serviço prestado! O pior é que já ninguém acredita em «milagres» e muito menos em «cheques sem cobertura»!

Se relativamente aos hospitais, centros de saúde, maternidades, esquadras de polícia e tribunais temos ouvido algumas ideias e alguns critérios para encerramento, quanto à extinção dos institutos e de cargos excessivamente remunerados não conhecemos nem uma palavra, nem uma proposta! Mais uma vez, trata-se de dois critérios diferenciados sendo por estas e por outras que já ninguém quer acreditar em nada do que ouve...

Embora todos os serviços e organismos referidos contribuam para a despesa do Estado, tem-se denotado uma dualidade comportamental por parte do Governo da República. Os organismos que servem directamente a população e que fazem parte da lista de encerramento parecem não perturbar grandemente a classe política a julgar pela facilidade com que têm sido anunciados os encerramentos, enquanto sobre os tais organismos e institutos tudo se mantém no «segredo dos deuses»!

As contradições a que temos vindo a assistir, a facilidade com que se promete e se nega remetem-nos para a necessidade de moralização, sobretudo de uma moralização da palavra. É preciso voltar a dar valor à palavra. É preciso que a palavra comprometa a honra de quem a dá. Se necessário for, criminalize-se a falta de palavra. Quem não cumpre a palavra que livremente profere, tem de ser punido!

Se não temos a certeza de conseguir cumprir uma ou outra promessa, para que serve prometer? É necessário criar-se uma nova ética política, para se lutar contra esta ideia dos políticos serem todos uns mentirosos e uns corruptos, a qual se está a cristalizar. Qualquer dia, quando ouvirmos alguém dizer que o político «A» ou «B» é sério e honrado, não teremos outro remédio que não seja sentirmo-nos chocados.

A moralização da classe política deve ser a primeira batalha de reforma do sistema político português. Para tal é necessário, em primeiro lugar, acabar com esta tentação permanente de se prometer para se chegar ao poder para depois tudo se fazer para não o abandonar. É necessário que a nova ética política transmita a ideia de que o exercício do poder é um serviço público e para tal apenas deve ser exercido por quem estiver disponível para dispensar rendimentos, mordomias e regalias que não sejam partilhadas pela população em geral.

É por tudo isto que não deve ser defendido que os políticos portugueses ganham mal e que é necessário aumentar os vencimentos da classe para que os melhores, os mais competentes se sintam aliciados pelo exercício do poder. Defender o aumento das remunerações da classe política é tornar a actividade ainda mais aliciante, ainda mais apetecida aos oportunistas, que não querem saber para nada das dificuldades da população...