UM PROBLEMA SÉRIO...

Os mais antigos vestígios, que comprovam o consumo de bebidas com teor alcoólico, contam já 9.000 anos, num território onde se confinam as fronteiras da actual China, demonstrando que se trata de um comportamento milenar.

Como todos os comportamentos milenares, que chegaram até aos nossos dias, o consumo de bebidas alcoólicas está envolto por um conjunto de mitos e crenças, em boa parte, totalmente opostos sem que seja motivo para as pessoas deixarem de acreditar em tais propriedades. No caso açoriano, os 55% da população que consome com regularidade bebidas alcoólicas fá-lo para ter prazer (45,5%), para se refrescar (19,5%), para se desinibir (10%), para ter mais força (2%), para ter coragem (1%), mas também consome para esquecer (2,3%), para não sentir frio (1,2%), para relaxar (1,2%), existindo ainda 17,3% que afirma fazê-lo por outro motivo diverso.

Se, fruto das campanhas de sensibilização, interiorizámos que o consumo de bebidas alcoólicas em excesso é prejudicial à saúde, existem estudos que têm procurado demonstrar que o consumo moderado de bebidas alcoólicas pode ser benéfico, como, por exemplo, o de Fátima Ismail (2003) que defendeu ter o álcool propriedades que ajudam a prevenir problemas cardiovasculares, depressões, ansiedade e até poder reduzir a incidência da Diabetes tipo II.

Sem querermos alimentar qualquer discussão em torno dos prejuízos ou benefícios do consumo de bebidas alcoólicas, ao nível da saúde, diz-nos o bom senso que os comportamentos moderados, evitando-se os excessos, são sempre os mais aconselhados.

Porém, quando um determinado comportamento nos dá prazer e satisfação, há uma tendência inata para procurar usufruir dele cada vez mais.
Se num determinado comportamento houver um ou outro excesso não é significativo, no caso do consumo de bebidas alcoólicas a situação é bem mais complexa porque as quantidades aconselhadas pela Organização Mundial de Saúde são muito baixas, ou seja, 1 mililitro de álcool por cada quilo de peso do organismo, por dia, o que facilmente é ultrapassado por quem tem o hábito de consumir.

Um dos problemas associados ao consumo de álcool prende-se com a possibilidade de o consumidor se tornar dependente, consistindo simplesmente na necessidade de consumir e, caso não o faça, sente-se perturbado, ansioso, em síntese, sente-se mal.

Dificilmente tal indivíduo assumirá que é dependente, sendo frequente afirmar, falsamente, que consegue passar sem consumir. Apenas quando o quadro de dependência assume contornos graves ao ponto de afectar as suas relações sociais, familiares e profissionais é capaz de assumir a dependência.

Portanto, estamos perante um cenário tendencialmente evolutivo, que se vai agravando, com implicações profundas nas suas relações familiares ao ponto de em média disporem de cerca de 40% de todos os rendimentos auferidos em bebidas alcoólicas, contribuindo para o arrecadar de receitas significativas por parte de quem as comercializa. No caso de Ponta Delgada, só os dois hipermercados Modelo e Solmar vendem aproximadamente 6 milhões de euros por ano de bebidas alcoólicas, o que corresponde a mais de 17.000 salários mínimos. Na ilha Terceira, o hipermercado da Praia da Vitória e o de Angra do Heroísmo vendem mais de 2,5 milhões de euros por ano.

Os valores apresentados são uma pequena fracção daquilo que é consumido pela população açoriana, na medida em que aquelas bebidas são consumidas apenas nos domicílios, havendo ainda a contabilizar os consumos nos cafés, bares, tabernas, restaurantes e outros que possuem diferentes redes de abastecimento.

São consumidos, por cada pessoa, em média, por ano, 10,8 litros de álcool puro, correspondendo tal valor a 250 garrafas de litro de vinho, sendo mais significativa a propensão para o consumo diário de álcool nos agregados familiares mais numerosos, sendo também nestes onde se regista uma maior propensão para a prática de comportamentos violentos, violência repetida e disfuncionalidades conjugais e familiares.

É fundamental que as pessoas tenham presente que o consumo diário de álcool em interacção com a envolvente contextual pode quadruplicar a probabilidade de o indivíduo ter um comportamento violento, vendo também aumentada a probabilidade de se tornar vítima de agressão, normalmente levada a cabo por outro indivíduo também consumidor regular de bebidas alcoólicas. Nos Açores, existem mais de 38.000 pessoas (16% da população) que já foram vítimas de violência, praticada por indivíduo que no momento do acto estava sob influência de álcool, sendo de salientar que 80% de tais vítimas são do sexo feminino.

A ilha Terceira tem a particularidade de registar um dos mais elevados consumos ocasionais de bebidas alcoólicas a nível Açores, os quais estão associados à característica particular que o terceirense possui e que se prende com o gosto pelos festejos e convívios como mais ninguém nos Açores. Embora o consumo ocasional seja um consumo desvalorizado e tolerado, não deixa de ser preocupante pelas ligações à sinistralidade rodoviária, sinistralidade laboral e violência doméstica em que, aos fins-de-semana, feriados e no dia imediatamente a seguir, apresentam índices mais elevados.

As pessoas que habitam os meios urbanos apresentam uma maior prevalência de consumo regular de bebidas alcoólicas do que as residentes em meios rurais, todavia os padrões de consumo são bastante diversificados por as pessoas do meio rural que consumem o fazerem todos os dias, enquanto as que habitam nos meios urbanos o fazem preferencialmente com regularidade semanal ou ocasional.
Sendo os jovens entre os 15 e os 25 o grupo populacional que apresenta maior propensão para o consumo de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas é preciso acreditar que é possível travar-se uma luta, embora se saiba que será titânica, porque o pior de tudo é nada fazer.

O grupo de pessoas anónimas que emergiu na comunidade Terceirense com a preocupação de lutar contra o consumo excessivo de bebidas alcoólicas entre os jovens, procurando que sejam impostas regras apertadas na comercialização de álcool durante as festas e em particular nas Sanjoaninas, tornaram-se uma referência a imitar pelo mérito de já terem conseguido uma visibilidade significativa, pondo diversas entidades envolvidas a pensar em alternativas desde logo de financiamento das festas.

Por tudo isto já estão de parabéns!