FINALMENTE COMPREENDI!

Na última semana de Janeiro de 2006, lá se comemorou mais uma abertura do Ano Judicial. Como é da praxe, pompa e circunstância quanto baste estão garantidas ano após ano, mas mesmo assim tais cerimónias apenas têm conseguido demonstrar como as preocupações são efémeras...

Quem não ouviu os discursos da sessão de abertura do Ano Judicial de 2005, após ouvir com atenção os discursos de 2006, apenas pode ficar com a convicção de não ter perdido nada. Está tudo, mas absolutamente tudo na mesma ou pior do que nos anos anteriores!

Dado o atraso a que, sistematicamente, quem pretende aceder às estatísticas do Ministério da Justiça está sujeito, objectivamente, neste momento não dispomos de dados válidos que nos permitam afirmar com alguma segurança se a situação está melhor ou se está pior, embora, consensualmente, se afirme que a situação da justiça portuguesa está cada vez pior.

A última sessão solene, na linha das anteriores, ficou marcada por alguns factos que justificam a nossa atenção sobretudo para melhor se perceber como a crise que diariamente se vive no sistema de justiça português é alimentada por um insólito corporativismo que só encontra comparação no nosso sistema de saúde português! (Certamente contas de outro rosário...)

Propositadamente ou não, uma das jornalistas de um canal televisivo entre os que fizeram a cobertura do evento, perguntou aos participantes (um por um à saída do salão nobre) o que achavam dos discursos dos intervenientes? As respostas foram unânimes em considerar os diagnósticos traçados entre o muito bom e o excelente... Todos gostaram do que ouviram! Em síntese, todos demonstraram estar de acordo com o facto de, no reino da justiça, o cenário existente não poder continuar! Mas em bom rigor ninguém trouxe nada de novo.

O Presidente da República, no seu discurso, optou por uma posição dual: seguiu uma linha preenchida pelo «claramente evidente» e uma outra linha, composta, bem ao jeito da escola que marcou os seus discursos de outrora, envoltos em mistério, com destinatários não identificados nem identificáveis, materializando autênticos oráculos. Assim, na viva voz de Jorge Sampaio, pudemos ouvir um conjunto de frases a que não resisto citar, deixando um breve comentário e deixando também ao critério do leitor espaço para as suas ilações: «(...) nada é mais gerador de insegurança do que o desrespeito pela liberdade (...)» – Verdade insofismável! Haja alguma coisa neste país em que todos estamos de acordo!

«(...) os últimos três anos trouxeram para o palco da informação um tal catálogo de práticas, seja no domínio dos direitos dos arguidos, seja no da protecção dos direitos das vítimas, seja na intrusão na vida privada e na indiferença pelo bom nome das pessoas (...)»; – E o que aconteceu nos outros sete em que Jorge Sampaio foi Presidente da República? Como o mais Alto Chefe da nação, que magistratura de influência exerceu para que não chegássemos ao ponto a que diz termos chegado?

«(...) as restrições aos direitos e garantias dos cidadãos não podem ser uma estrada larga em que se dê pasto ao alarme social, às insuficiências policiais e ao controlo das instituições judiciárias pela opinião pública (...)»; – Há ou não excesso de garantias? Há ou não insuficiência de meios policiais? Quem mais tem tentado controlar as instituições judiciárias: a opinião pública ou o Poder Político? Se não é o Poder Político, para que serve a recém criada Lei de Política Criminal?

«(...) arrepiar caminho rapidamente, com um catálogo restrito e claro dos crimes graves que podem justificar escutas telefónicas (...)»;– Então o que é que está escrito nos artigos 187.º, 188.º, 189.º e 190.º do Código de Processo Penal (CPP)? O que é o artigo 187.º CPP senão um catálogo restrito e claro dos crimes graves que podem justificar a realização de escutas telefónicas?

«(...) o regime de escutas telefónicas tem de ser excepcional e minuciosamente controlado (...)»; – O que é que dizem os artigos 188.º e 189.º do CPP? Pelo menos segundo a lei em vigor sob pena de nulidade as escutas são excepcionalmente e minuciosamente controladas? Será necessário publicar mais uma lei que obrigue ao cumprimento da lei existente?

«(...) é o que sempre tem acontecido, com a terrível designação de julgamentos na praça pública (...)»; – Devem ou não os órgãos de comunicação social revelar factos apurados? Devem ou não os órgãos de comunicação social ser responsabilizados criminalmente quando violam o segredo de justiça? Devem ou não os tribunais possuir gabinetes de relações públicas que forneçam elementos suficientes à comunicação social para que esta cumpra o seu dever de informar com rigor, isenção e restritamente dentro do legalmente permitido?

Por fim Jorge Sampaio exigiu ao Estado «que poupe em tudo o que seja supérfluo, mas que organize e dote de meios as polícias e os tribunais que actuam na área fiscal, e nas áreas com ela conexas, para que, com a eficácia de maiores réditos e mais alargada punição da criminalidade, seja aliviado o contribuinte cumpridor (...)»: – Não é isto que o Governo de Sócrates tem feito desde que tomou posse?

Então os elogios recíprocos dos discursos da apresentação de cumprimento de Ano Novo entre o Governo e o Presidente da República não eram autênticos? Então o Governo de Sócrates está ou não a fazer tudo bem feito?

Tive dificuldade em lá chegar, mas só depois da mais recente sessão de abertura do Ano Judicial de 2006, através do diagnóstico traçado pelo Presidente da República e dos elogios de que foi alvo, consegui perceber o verdadeiro estado da justiça portuguesa! Finalmente entendi o motivo pelo qual aquele que considero o pior bastonário da ordem dos advogados de sempre (José Miguel Júdice) afirmou que Jorge Sampaio foi o melhor Presidente da República Portuguesa de sempre...