SOCIEDADES DE CONTROLO...

Embora os aparelhos dos Estados se esforcem em apregoar a existência de um maior espaço de intervenção individual e social, na realidade é cada vez mais limitada a possibilidade de cada um de nós intervir em aspectos e decisões importantes com capacidade de condicionarem a nossa própria vivência.

As competências existentes no passado de uma livre escolha, desde logo de uma simples actividade profissional, desapareceram remetendo-nos para as oportunidades geradas pelas novas sociedades, ditas de desenvolvimento. Grande parte das decisões que faziam parte da esfera do domínio privado foram expropriadas pelo Estado e tornaram-se esferas de domínio colectivo ou comum.

Segundo os politólogos, o comunismo capitulou com a queda do muro de Berlim, a 09 de Novembro de 1989. Francis Fukuyama, a propósito, até afirmou que se atingiu o fim das ideologias e com elas «o fim da história e do último homem». Porém, do ponto de vista ideológico nem tudo capitulou, tendo-se mesmo assistido à materialização de alguns dos princípios mais fortemente defendidos pelos partidos ditos de esquerda.

Prendem-se tais afirmações com o facto de as correntes liberais, ditas de direita, sempre terem defendido que competia a cada um dos cidadãos escolher a forma como poderiam ser úteis à sociedade, enquanto as correntes de esquerda faziam a apologia de pertencer ao Estado o direito de dizer a cada um dos cidadãos o que dele pretende e qual o papel que a cada um reserva.

Nesta matéria, venceu irremediavelmente a esquerda e assistimos hoje a uma solidificação de tais princípios, tendo-se descentralizado tais poderes do Estado para as mãos do aparelho do Estado e para as corporações quer de carácter empresarial quer comunitário, embora as corporações em sentido restrito sempre tenham conseguido manter os seus poderes e estatutos.

O cidadão comum, filho de um Deus Qualquer, deixou de livremente ser e fazer o que supostamente pretendia ou ambicionava, para passar a fazer e a ser o que o Estado, a comunidade e as corporações ditam, disponibilizando esta ou aquela oportunidade que o cidadão se vê obrigado a agarrar como soía dizer: – com unhas e dentes!

No passado, tinham acesso à formação e a carreiras de sucesso aqueles que pertenciam a genealogias e castas privilegiadas. Com a democratização do ensino e o consequente aumento de pessoas qualificadas, em síntese muito pouco se alterou, porque continuam a ter acesso a carreiras de sucesso e a carreiras de gosto, ou seja, àquelas carreiras que se deseja e se ambiciona atingir, aqueles que pertencem a genealogias e às novas castas previligiadas. Hoje não basta ter mais formação, ser mais capaz e ser mais competente para aceder a este ou àquele cargo. É fundamentalmente necessário que pertença às novas castas emergentes.

Outro exemplo demonstrativo das transformações operadas, mais recente por sinal, prende-se com o facto de a pretexto da segurança terem sido desencadeados profundos atropelos a direitos e liberdades que se julgavam profundamente consciencializados. Criaram-se sistemas de informações, serviços secretos e ultra secretos, guardas pretorianas, procedimentos de vigilância e contra-vigilância, de busca, de revista e contra-revista tudo em nome da segurança. Caminhamos inexoravelmente para as sociedades do controlo total, inseridas em autênticas redes globais de controlo.

Todos estes processos têm-se desencadeado com a cumplicidade dos mais diversos quadrantes que constituem as nossas sociedades com a agravante de, numa escala global, tais cumplicidades tenderem a ser cada vez mais universais e sem limitação de fronteiras, fruto da dominação hegemónica de uma única nação. É neste ponto, obviamente sem o tolerarmos, que compreendemos o terrorismo internacional!

Os dois exemplos apresentados: a simples escolha de uma profissão numa dimensão individual, e as questões securitárias, numa dimensão colectiva, são duas demonstrações da forma como todas as relações interpessoais se alteraram nas últimas décadas. Todavia no essencial tudo se reduz à manipulação e gestão dos medos como forma de dominação.

Tornou-se recorrente a exploração e a gestão dos medos, predominantemente dos novos medos, com a particularidade de tudo se processar de forma obscura e pouco transparente. No passado, e dizemos passado porque hoje já não atinge tal profundidade, a Religião Católica explorou de forma exemplar o medo do inferno e do purgatório, transmitindo a ideia da existência de um Deus vingativo que condenava ao fogo eterno os próprios filhos e que se «alimentava» do sofrimento e dos sacrifícios de animais e até de pessoas. Condicionando os comportamentos, foi explorada durante séculos a ideia de um Deus implacável, temido e a temer pelos Homens.

Hoje os Estados, através da manipulação do medo, exploram e gerem novas formas de condicionamento dos comportamentos dos Homens ainda com maior força e maior capacidade de intervenção do que a religião, com a agravante de, enquanto à religião não somos obrigados a aderir, ao poder do Estado não podemos escapar.

Nas sociedades ocidentais, o medo mais explorado pelos Estados é o medo da exclusão social, na actualidade, depois do medo da morte, o mais temido de todos os medos. Quem não se rende à ameaça de ser condenado à exclusão social?

Apesar de os Estados se esforçarem por demonstrar que estão apostados em combater a exclusão social, manipulando os mecanismos de segurança e o acesso às oportunidades individuais, são os próprios Estados os principais agentes instigadores da exclusão social...