POLÍTICA CRIMINAL INVERTIDA!

Depois de termos tido conhecimento de que a investigação da criminalidade económico-financeira deixou de ser prioritária para a Polícia Judiciária (PJ) em detrimento da investigação ao terrorismo, mal sabíamos que o pior ainda estava para vir...É incompreensível o motivo de tal alteração, quando não se conhece nenhuma alteração do grau de ameaça de terrorismo em Portugal e mesmo que houvesse, racionalmente, apenas se justificava uma intensificação da cooperação ao nível da recolha e partilha de informação!

Não pode deixar de espantar que, depois de décadas, por responsabilidade política, em que as Polícias portuguesas não fizeram tradição na investigação da criminalidade que Sutherland baptizou de «White Collor Crime» como a corrupção, tráfico de influências e outras, ou seja, a mais danosa criminalidade praticada contra o Estado e contra a sociedade seja relegada para segundo plano.

Quando relativamente ao fenómeno da corrupção e das práticas criminosas a ela associadas, em termos europeus, Portugal, para a Organização da Transparência Internacional, em 2003, ocupava o 3.º lugar no top dos mais corruptos, depois da Itália e da Grécia e o 25.ºlugar no ranking dos 133 países analisados pela Organização da Transparência Internacional, sem que a situação geral do país a este nível tivesse melhorado grande coisa, no mínimo era de esperar que esta continuasse a ser a grande prioridade.

O esforço desencadeado nos últimos quatro anos, tendo-se conseguido em 2001 e 2002 a condenação de 95 pessoas por práticas corruptivas, resultantes de 552 processos investigados pela PJ, alimentávamos as esperanças de que a luta era para continuar. Só em 2002 constituíram-se 82 arguidos, dos quais 57 foram condenados por práticas que envolvem pagamentos e troca de favores.

Não conhecemos em absoluto os fundamentos do despacho exarado por Santos Cabral, actual director da PJ, mas à partida estamos perante um profundo contra-senso, difícil de compreender! A conjugação dos elementos disponíveis apontam no sentido de que a divulgação da inversão das prioridades na investigação criminal escondiam, ou melhor, preparavam o terreno para se anunciar uma outra decisão inaceitável: a criação de uma Unidade de Resposta Táctica (URT)!

Tudo isto parece uma brincadeira de mau gosto e não fosse o facto de o Carnaval já ter passado até admitiríamos, com facilidade, tratar-se de uma brincadeira de Carnaval! Quando politicamente se fala, como nunca, em reestruturação, em reorganização, em rentabilização, em maximização e em redução de gastos, nenhum ser dotado d capacidade, pelo menos ao nível da do homem médio, é capaz de encontrar explicações, minimamente racionais para tamanhos dislates...

Quando em Portugal existe a Companhia de Operações Especiais (COE) na GNR, o Grupo de Operações Especiais (GOE) na PSP, o Destacamento de Acções Especiais dos Fuzileiros (DAEF) na Marinha, o Batalhão de Elementos de Operações Especiais (BEOE) no Exército, a Unidade de Resgate em Combate (RESCOM) na Força Aérea, na realidade já só faltava a PJ também ter o seu corpo de elite para missões sensíveis e ao mesmo tempo musculadas.

Como é do domínio público, no ano de 2005, a PJ realizou cerca de uma dezena de operações em que foi apoiada pelas forças especiais existentes e pelo que se sabe em nenhuma deixou de ter êxito por falta de apoio ou por falta de um apoio à altura das exigências de cada uma das missões! Por isso, é de todo disparatada a criação da URT, sendo a demonstração de que o actual Director da Polícia Judiciária começou a trabalhar no sentido da fragilização da sua imagem à frente da PJ...mas disto se encarregará o tempo de demonstrar!

Nos últimos anos, já não tem conta o número de vezes em que Directores das Forças Policiais, Secretários de Estado e Ministros, num autêntico vomitório verborreico, anunciaram os esforços de cooperação entre Polícias, anunciaram a criação de um, outro e mais outro sistema integrado de informações policiais de modo a haver troca de informação, de modo a trabalhar-se de forma integrada e depois na prática ficámos impávidos e estupefactos com o que é anunciado, totalmente ao arrepio dos bons ensinamentos e das boas práticas.

Quer a nossa vizinha Espanha quer a França há anos que perceberam que em termos policiais as divisões são profundamente prejudiciais à eficiência na luta contra o crime e reorganizaram as suas forças policiais acabando com separatismos estéreis mantendo apenas duas, uma de cariz civil (Corpo Nacional de Polícia em Espanha e a Polícia Nacional em França) e uma de cariz militar (Guarda Civil em Espanha e a Gendarmerie em França). Nós, como somos um país diferente, continuamos na senda da separação e da multiplicação de unidades policiais e ainda por cima com sobreposição de funções.

Que Alberto Costa, enquanto Ministro da Administração Interna já tinha dado provas de que não tinha sensibilidade para as questões policiais, já todos sabíamos, porém alimentávamos a esperança de que, enquanto Ministro da Justiça, fosse bem mais capaz! Infelizmente, mas mais uma vez, teima em demonstrar as suas limitações. Resta-nos a esperança de que o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças em nome do rigor e do equilíbrio das contas públicas exijam a tão desejada reestruturação das forças policiais e não esta contra-corrente de multiplicação de estruturas e de organismos que apenas servem para alimentar vaidades, gastos públicos e competições fastidiosas.

A questão da necessidade de cooperação policial em Portugal, com a devida ressalva, remete-nos para as descobertas de Alicia Melis e de Flix Warneken do Instituto Max-Planck, publicadas na revista «Science», no passado dia 2 de Março, de que os chimpanzés têm um comportamento altruísta e de cooperação. Os chimpanzés chegam a demonstrar que compreendem as dificuldades dos outros chimpanzés e entreajudam-se. Talvez seja altura de convidar os prestigiados investigadores da descoberta descrita, para fazerem um estudo no nosso país, a ver se descobrem o motivo da teimosia portuguesa em subverter a eficiência, o bem comum e as nossas reais necessidades. Provavelmente iriam descobrir que é genético e por enquanto há muito pouco a fazer!