«POLÍTICA SOCIAL DE APOIO A IDOSOS»

Foi prometido, durante a última campanha eleitoral pelo agora Primeiro-Ministro, que todos os idosos iriam, até 2009, dispor de rendimentos mensais não inferiores a 300 euros através de um complemento solidário de reforma. Um ano depois de ter tomado posse, José Sócrates não só cumpre a promessa proposta como antecipa num ano a data limite para implementação total da medida, ficando-se a saber que até 2008 não haverá em Portugal ninguém com mais de 65 anos a sobreviver com menos de 300 euros mensais.

Do ponto de vista de uma lógica de solidariedade social, a medida é positiva, apetecida, assenta bem num governo que faz da implementação de políticas sociais bandeira. O único reparo que podemos apontar prende-se com o facto de não ter sido implementada há mais tempo para tirar da miséria os cerca de 300 mil idosos, estimados a viver, ou melhor, a sobreviver em situação de pobreza.

Em termos do desejável, parece-nos que 300 euros mensais são manifestamente insuficientes para uma pessoa com mais de 65 anos sobreviver se tivermos em conta as crescentes necessidades ao nível dos cuidados de saúde que normalmente enfrentam, com despesas acrescidas em medicamentos e por vezes em consultas e exames, situação esta fruto do péssimo funcionamento dos serviços do Sistema Nacional de Saúde, agravada pelo facto de não poderem recorrer aos serviços dos hospitais militares como outros que sem serem militares o fazem... Por outro lado não podemos esquecer que o facto de existirem no nosso país 300 mil idosos em situação de pobreza é sobretudo por culpa do Estado que tem sido um verdadeiro Estado incapaz!

Como é sabido, as pensões que os reformados auferem são calculadas em função dos anos de serviço do trabalhador e dos rendimentos auferidos através do trabalho. Se trabalhadores há que durante trinta e quarenta anos trabalharam e fizeram os seus descontos para a Segurança Social e pagaram todos os seus impostos, outros há que durante outros tantos anos trabalharam sem efectuar as devidas prestações, dispondo de todos os rendimentos auferidos sobretudo em actividades de ocupação ocasional por conta própria ou de outrem. Ora são principalmente estes últimos que hoje se encontram em situação de pobreza.

Para além da responsabilidade individual que sobre cada um recai, compete ao Estado através do seu aparelho fiscalizador, combater a fraude e a evasão. Nesta matéria, como se sabe, nos últimos anos, temos tido um Estado incapaz, sobretudo do faz de conta conforme demonstram os dezassete mil milhões de euros devidos pelos contribuintes, anunciados esta semana pelo Ministro das Finanças.

Do esforço agora desenvolvido pelo Governo vai resultar que pessoas que optaram por não efectuar os respectivos descontos acabem por auferir montantes de pensão idênticos a outras que cumpriram com regularidade as suas obrigações tributárias. Por isso, este esforço de solidariedade, desenvolvido para com os idosos pelo actual Governo, pode ser entendido como um mau exemplo para as gerações mais jovens e nomeadamente para a população activa. É preciso explicar que se trata de um esforço de excepção para não se transmitir a ideia de que a fraude compensa duplamente!

Mas, voltando ao princípio, com as devidas ressalvas, como já afirmámos parece-nos verdadeiramente positiva a «Política Social de Apoio a Idosos», na intenção, mas profundamente negativa na forma e no modo de procedimento em que assenta a sua materialização.

Ainda há duas semanas, por via do espaço que na comunicação social nos disponibilizam, enaltecemos o esforço do Governo em combater a burocracia, facilitando a criação de empresas, dispensando a realização de determinados actos notariais, dispensando até os cidadãos de declararem ao Estado os rendimentos auferidos anualmente e até com a possibilidade de criação de uma marca na hora.
Porém também na altura alertamos para algumas reservas que convém manter quanto às expectativas criadas cada vez que é anunciado o combate à burocracia.

Na realidade quando ironizámos com as preocupações demonstradas pelo Governo no combate à burocracia, estávamos longe de duas semanas depois termos a demonstração de que nem sempre as intenções divulgadas correspondem à materialização em actos a avaliar pelo sofisticado mecanismo burocrático, criado para barrar o acesso de uns quantos idosos ao propalado complemento solidário de pensão, composto por sete impressos e treze formulários que os idosos candidatos terão de preencher em determinadas situações. É obra!

Não deixa de ser caricato que o Governo tenha lançado mão de um excesso de burocracia para conter um gasto que prometeu fazer até 2009, ganhando uma folga tal através das referidas restrições que até antecipou para 2008 a data limite para a sua implementação! Quando confrontado com a situação na Assembleia da República, assistimos a um José Sócrates verdadeiramente incomodado, diríamos até agastado, apressando-se a justificar que se tratava de um mecanismo para garantir que apenas tenham acesso ao complemento os idosos que efectivamente necessitam dele.

Quanto à preocupação de se ajudar os idosos que mais precisam e não aqueles que, brotando daquela massa de portugueses, quase vulgarizada, habilmente se esforça em tirar partido e vantagem com a aldrabice e o embuste, é de saudar. Mas exigir aos idosos que têm filhos em condições económicas para os ajudar, mas que não o fazem, os denunciem junto dos tribunais parece-nos retrógrado, despovoado de ética e lamentavelmente potenciador da fragilização das relações familiares.

Convém recordar que se um filho com condições económicas satisfatórias não ajuda um pai ou uma mãe que se encontra em situação de pobreza é porque algo ao nível das relações interpessoais existe. Controlar o acesso a uma política social através do aumento da conflitualidade familiar parece-nos um mau princípio e depois, tendo em conta a forma como os tribunais funcionam, com tais exigências, é garantido que muitos idosos, sobretudo os idosos, envoltos na pior das pobrezas, a escondida, a envergonhada, irão continuar na mesma pobreza de sempre... Bem pode José Sócrates antecipar já para 2007 a meta para a implementação total desta política para os idosos!