DOUTA DECISÃO!

As rupturas conjugais, mais vulgarmente designadas por separações ou divórcios e respectivas influências no crescimento e desenvolvimento dos filhos, têm sido amplamente analisadas e dissecadas pelas ciências humanas e sociais. Muitos têm sido os estudos sobre a problemática. Facilmente poderíamos preencher todo este espaço que nos é reservado com referências bibliográficas a propósito.

Obviamente que, para evitar o enfado, não o fazemos, contudo não deixamos de citar a obra «Comportamento Anti-Social e Família», de António Castro Fonseca, (Ed.) publicado pela editora Almedina, em 2002. Trata-se de uma compilação de textos de referência, produzidos por inúmeros autores, muitos deles com reconhecimento internacional, onde os interessados poderão encontrar ampla informação sobre a problemática, formulando e fundamentando as suas convicções sobre o assunto.

Uma das conclusões para a qual praticamente todos os estudos ali citados se inclinam é de que a vivência de uma separação entre os pais exerce profundas influências negativas na formação da personalidade dos filhos. Neste caso, as demonstrações científicas não refutam as convicções populares que afirmam que numa separação os filhos são as principais vítimas.

Como alguém costuma dizer, o povo, na sua essência ou na sua pureza, não é estúpido e raramente se engana. O grande problema é que por vezes atribuem-lhe o que não é sua pertença, mas isso são questões de outro debate...Como dizíamos, o povo até tem razão embora não se possa generalizar uma influência negativa pré-determinista tal como decorre de uma qualquer lógica do género: separação dos pais + influência no desenvolvimento dos filhos = a formação de personalidade distorcida.

A má influência no crescimento e desenvolvimento das crianças, resultante da separação conjugal dos pais, não é linear na medida em que nela interagem uma multiplicidade de variáveis capazes de anular ou potenciar tal efeito.

Se a separação dos pais é negativa para o desenvolvimento dos filhos, a exposição das crianças, ao longo de anos, a quadros de disfuncionalidades familiares onde as violências e negligências várias são sistemáticas poderão ser bem piores do que as referidas rupturas familiares que por norma se traduzem em ruputuras afectivas.

Uma das filosofias que relativamente à protecção dos menores tem sido seguida no nosso país assenta no evitar a todo o custo a vivência da uma separação por parte das crianças. Verifica-se tal tendência em sede de processo de divórcio onde se esgotam os esforços por parte dos tribunais em tentar a reconciliação do casal.

Também nas situações em que os menores estão em perigo, devido a situações de maus-tratos resultantes de actos de violência ou de negligência, os tribunais esforçam-se a todo o custo por evitar que o menor seja compulsivamente separado dos pais e acolhido numa instituição, família de acolhimento ou família de adopção.

Tal filosofia tem mesmo dignidade constitucional em Portugal na medida em que o artigo 36.º, n.º 6, (CRP) fixa que «os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.»

Pelo que acabamos de referir, espanta que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que esta semana veio a público sobre a adopção de uma criança contra a vontade dos pais biológicos tenha causado tanta estranheza! A decisão daquele tribunal revela rigor na aplicação da justiça com coragem e com determinação no sentido da garantia do que é melhor para a criança, embora erroneamente possa parecer que romper com a crença humanista da capacidade de regeneração dos seres humanos.

Se uma família maltrata, por acção ou omissão, um filho, devem ser desenvolvidos esforços por parte das diferentes instituições de cariz social no sentido de fazer cessar o mau trato, num espaço relativamente curto, no sentido dos reais interesses dessa criança. Se apesar dos esforços desenvolvidos não se denota o envolvimento, a participação e a assertividade dos pais não se pode, com prejuízo da criança, deixar arrastar por tempo indeterminado a situação até que os pais algum dia tenham vontade de colaborar se é que algum dia vão ter vontade de colaborar!

Neste contexto, o referido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra não pode merecer outro comentário que não seja o de regozijo pela douta decisão de acautelar os reais interesses da criança.

Foi assegurada a prevenção especial com a intenção de permitir que a criança finalmente tenha uma família e um lar onde possa crescer e desenvolver-se de forma harmoniosa. Por outro lado ficou plenamente assegurada a prevenção geral em sentido positivo de levar as pessoas a perceberem a necessidade de se reforçar a consciência colectiva da validade e da utilidade de serem indivíduos responsáveis e cumpridores das suas obrigações, no caso, para com os filhos.

É fundamental, sobretudo no âmbito do direito da família, reforçar-se a ideia de que é positivo cumprir as normas e as obrigações de proporcionar a harmonia e a satisfação dos diferentes níveis de necessidades aos filhos. Aqueles que não aceitam cumprir as suas obrigações, nem sequer se esforçam minimamente para o conseguir, não podem viver eternamente a reivindicar direitos e dispor de tudo e de todos.

Cada vez mais faz sentido falar-se em garantir direitos apenas quando se comunga e desenvolve uma cultura de responsabilização. Por tudo isto o país deve estar grato ao Tribunal da Relação de Coimbra!

P.S.: Hoje é dia das festas maiores dos Açores. Dia do Senhor Santo Cristo dos Milagres, por isso não podemos deixar de enviar uma saudação muito especial a todos quantos nos visitam e na fé partilham a açorianidade de um povo que da mistura do negro do basalto com o suor aprendeu a fazer obra e a multiplicar o pão.

1 Comments:

Blogger Pedro Lopes said...

Caro A.Peixoto, como parte envolvida nestes processos de menores em risco, não poderia estar mais de acordo consigo.
Era o que mais faltava se só com a autorização dos progenitores uma criança pudesse ser encaminhada para adopçãp. Nem antes das alterações legislativas de 1999 (LPPCJ e LTE), assim era.
Estes pais maltratantes e niglgentes são os últimos a reconhecer que erraram nas suas responsabilidades parentais. E não são só os próprios, a nossa sociedade tem ainda enraizada a ideia de que os filhos pertençem aos pais e ponto final. Pertencerão se estes assegurarem o bem estar dos seus filhos. Aí, nenhuma entidade judicial ou de Segurança Social intervirá.
Aliás, como disse e bem, a retirada da criança do seio familiar é sempre precedida de tentativas de apoio junto da família, ou a colocação de criança em familia alargada ou em família de acolhimento. Só depois de esgotadas estas vias, ou em situação muito grave quando detectada, as crianças são acolhidas em instituições, para que o Estado (a Sociedade) cumpra o seu dever de a proteger e de a afastar do perigo a que estava esposta.
O que necessitamos é que as situações de reconciliação que se mostrem completamente improváveis por falta de empenho e colaboração dos progenitores, sejam rápidamente despistadas e que estas crianças possam ter uns pais que lhes dêem o que os biológicos não asseguraram.

O TR de Coimbra mostrou coragem. Oxalá outros Juizes também a tenham, para bem das nossas crianças.

22 maio, 2006  

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