O RETORNO À TERAPIA FAMILIAR

Alfred Adler, na primeira metade do século XX, defendeu com afinco que todas as crianças oriundas de qualquer família e de qualquer condição social poderiam desenvolver sentimentos potenciadores de práticas criminais.

Viu os criminosos como «indivíduos que não se interessavam pelos outros», tendo em comum o facto de «serem todos cobardes» e agirem sobretudo movidos por um «complexo de inferioridade» que em interacção com o «normal desejo de poder» eram levados a cometer crimes.

Colheu na época frutos do êxito que obteve, tendo mesmo chegado, a partir de 1920, a abrir clínicas cuja especialidade era prestar orientação a pais, professores e educadores no sentido de melhor estarem preparados para lidar com a problemática dos comportamentos criminais.

A influência de Alfred Adler, no meio intelectual, foi posteriormente desvalorizada por conotação com as teorias amaldiçoadas do médico forense Cesare Lombroso por ter defendido que um indivíduo com uma deficiência física como a surdez, a cegueira entre outras, a partir dessa «inferioridade» iria desenvolver na sua personalidade formas de superar essa deficiência desenvolvendo outras potencialidades capazes de a superar.

O problema de Adler e que levou à sua desacreditação prende-se sobretudo com o facto de ter assumido uma crença em teorias pré-determinantes dos comportamentos dos indivíduos, desvalorizando a relatividade de uma multiplicidade infindável de variáveis de comportamentos que influenciam a propensão criminal.

Na realidade o seu legado não foi totalmente abandonado, assistindo-se hoje, a uma revisitação das suas teorias de forma mais ou menos assumida e a um retorno às suas metodologias. Quem não ouviu falar em acompanhamento e terapias familiares? Quem não ouviu falar nas ajudantes sócio-familiares e numa panóplia de outros técnicos cuja actividade diária é intervir em contexto familiar de modo a aconselharem e a influenciarem os comportamentos dos membros que constituem os agregados?

As referidas metodologias de intervenção familiar são hoje as mais unanimemente aceites sendo mesmo de prever que num futuro próximo, no caso concreto dos Açores, exista a necessidade de se multiplicarem as equipas multidisciplinares que prestam tal apoio, na medida em que têm o dom de trabalhar de forma personalizada as carências e debilidades de cada um dos agregados, valorizando tudo quanto de positivo possa ser valorizado e moldando o que necessita de ser moldado.

Dispomos de indicadores que nos permitem afirmar sem rodeios que em termos de propensão para a denúncia de parte significativa das problemáticas, associadas à vivência familiar, a Região Autónoma dos Açores está bastante à frente da realidade nacional.

Sem termos uma propensão para a denúncia como se verifica nos países nórdicos e sem termos também as virtudes do envolvimento e participação da comunidade nas questões de interesse comunitário, os Açores trilharam um percurso notável sendo hoje a região do país que maior crescimento da taxa de denúncia apresenta o que demonstra uma redução significativa das cifras negras e que Howard Jones (1971) chamou de números sombra. Tal mérito deve-se sobretudo a instituições de cariz social como a UMAR e mais recentemente a APAV, entre muitas outras, obviamente sem se esquecer os esforços desenvolvidos em termos de políticas sociais regionais e locais.

Perante o quadro traçado, defendemos que a visibilidade que atingiu nos Açores, tanto a problemática da criminalidade praticada em contexto familiar como a da criminalidade praticada nos espaços públicos, e que mina o sentimento de segurança, deve ser aproveitada no sentido de se incentivar o surgimento de valências que disseminem a prática de terapias familiares, apostando-se numa postura preventiva em detrimento dos planos reactivos e repressivos desencadeados com o denunciar das situações.