FALAR VERDADE II

Conforme prometido, continuamos esta semana a análise dos dados do Relatório de Segurança Interna de 2005, relativos aos Açores. Depois da «desconstrução» das estatísticas referentes aos crimes contra as pessoas, abordamos hoje os crimes praticados contra o património, os quais representam 48% do total de crimes denunciados na região.

Em termos de volume, os crimes contra o património representam o mais importante agrupamento criminal, o qual, somado com o agrupamento de crimes praticados contra as pessoas, representa 82% do total da criminalidade denunciada.

No contexto nacional, o peso dos crimes praticados contra o património atinge os 56% do total da criminalidade denunciada. Se compararmos com os 48% registados nos Açores, constatámos que o peso deste tipo de criminalidade está 8% abaixo da média nacional.

Quanto ao rácio «população portuguesa/criminalidade contra o património denunciada», verifica-se que em todo o território nacional foram denunciados 214.987 crimes os quais em relação aos 10.407.700 habitantes perfazem uma média de 21 crimes por cada mil habitantes. Ora nos Açores foram denunciados 5.052 que em relação aos 241.763 habitantes representa um rácio igual ao nacional, ou seja, de 21 crimes em cada mil habitantes.

Analisando o peso que a criminalidade contra o património tem na totalidade da criminalidade denunciada em cada um dos distritos em comparação com a situação verificada nos Açores, verificamos que Açores, Madeira e Viana do Castelo, com uma proporção de 48%, estão ao mesmo nível, ultrapassando Guarda e Vila Real (36%), Beja, Bragança e Castelo Branco (38%), Viseu e Portalegre (40%), e Évora (41%).

Portanto todos os distritos do interior do país com baixa densidade populacional apresentam um peso da criminalidade contra o património inferior ao verificado nos Açores, contrariando os distritos de Aveiro (49%), Leiria (50%), Coimbra (55%), Braga (56%), Porto (57%), Setúbal (63%), Lisboa (65%) e Faro (65%) que têm em comum o facto de serem distritos litorais com elevada densidade populacional, onde, em todos eles, a criminalidade contra o património assume um peso maior que o verificado nos Açores.

Portanto, como se denota da leitura objectiva dos dados, não é verdade que os Açores tenham problemas criminais ao nível do património mais graves que as demais regiões do país. Todavia, se o crescimento criminal verificado nos Açores, nos últimos anos, como o consideraria Durkheim, é anormal ou patológico, é-o tendo em conta o ponto de partida em que a criminalidade era particularmente baixa para a densidade populacional açoriana existente.

Por exemplo, as taxas de criminalidade, denunciadas em 1997, em Ponta Delgada, das mais baixas de sempre, eram singularmente baixas a nível nacional, o que apenas era conseguido com um baixo índice de desenvolvimento, um insignificante fenómeno de toxicodependência e uma quase ausência de actividades nocturnas de lazer.

O aparecimento de estabelecimentos de diversão nocturna, com horários excessivamente prolongados, vieram revolucionar os comportamentos juvenis nomeadamente ao nível do uso e abuso de substâncias psicoactivas. Este foi o custo do progresso e do desenvolvimento que fez com que só a cidade de Ponta Delgada tenha hoje abertos, para além das 21H00, vinte e seis cafés, onze bares, catorze restaurantes, duas discotecas, três centros comerciais dois dos quais com salas de cinema além dos espectáculos musicais e teatrais do «Coliseu Micaelenese», do «Teatro Micaelense» e da animação de Verão no Campo de S. Francisco.

Obviamente que o ideal era ter tudo o que temos hoje com as preocupações criminais de 1997, mas isso tornou-se uma utopia, que, por motivos óbvios, sobretudo os Polícias, tanto queriam que fosse uma realidade!