FALAR VERDADE!

Diz a prudência popular que «o último a falar é o mais sábio».

Com a devida modéstia, fazendo jus à sabedoria popular, serenamente tenho acompanhado tudo quanto se tem dito e escrito sobre a criminalidade registada em 2005, na região Autónoma dos Açores, e vertida no respectivo Relatório de Segurança Interna.

Muito se disse e escreveu sobre a matéria e tenho a convicção que alguns dos que sobre tal assunto se debruçaram não leram nem tão pouco consultaram o referido documento, ficando-se apenas com algumas conclusões isoladas e estrategicamente difundidas pela comunicação social, servindo interesses mais ou menos particulares.

A primeira grande conclusão é que a criminalidade cresceu! Tudo bem e depois? Será que todos os crimes cresceram da mesma forma? E quais os crimes que mais cresceram? Não terá havido alguns que diminuíram?...

Independentemente de outras abordagens que tenhamos de efectuar sobre o assunto para uma análise objectiva das 283 páginas que contém o documento, não é possível fazê-la nestes 3.500 caracteres que nos reservam. Por isso vamos por partes, seguindo a ordem dada pelo Código Penal, começando pela criminalidade praticada contra as pessoas.

Em 2005, registaram-se 3.475 crimes praticados contra as pessoas, nomeadamente agressões físicas, injúrias e ameaças, de um total de 10.437 crimes denunciados nos Açores. Ora, nos Açores, 33,3% do total de crimes denunciados foram praticados contra as pessoas, tratando-se daquela criminalidade que por norma não ocorre na via pública mas sim nos espaços privados, nos espaços de interacção entre as pessoas que são próximas e que têm algo em comum e por isso conflituam.

Como facilmente se compreende, trata-se de uma criminalidade em que as forças policiais muito pouco podem fazer, para além da sensibilização da população, para que não aconteça. Seria de forma caricatural quase necessário que houvesse em cada casa, em cada café e em casa local de trabalho um elemento policial, para evitar que as pessoas se injuriassem, se ameaçassem ou se agredissem.

Paradoxalmente a criminalidade praticada contra as pessoas foi a que mais cresceu nos Açores em 2005, com um aumento de 9,1% em relação a 2004, embora praticamente não se tenha falado neste facto. A discussão pública centrou-se, erradamente, sobretudo no aumento da criminalidade contra o património quando o aumento verificado foi de 6%, portanto, abaixo do aumento de 9,1% dos crimes contra as pessoas.

O que é um facto e que deve preocupar a comunidade açoriana é que temos taxas de conflitualidade humana bastante elevadas. Nos Açores, recorre-se com frequência à violência física e verbal para se fazer valer posições. Em termos de conflitualidade, estamos no topo nacional, ao nível da Madeira e de Bragança, representando este tipo de criminalidade 33% do total de criminalidade praticada, enquanto, por exemplo, em Lisboa, representa 18% do total e no caso de Faro representa 16%, ou seja, menos de metade do peso que apresenta nos Açores.

Outra faceta da criminalidade contra as pessoas é a violência doméstica, com 939 crimes registados na região, em 2005, representando mais 28% em relação a 2004, ou 86% se compararmos com os números de 2000, o que não pode deixar de espantar. Apenas o aumento da violência doméstica representa quase 50% do aumento da criminalidade total que se registou nos Açores, em 2005. Como é que se combate este tipo de criminalidade? Colocam-se polícias nas casas das pessoas? Colocam-se alguns políticos a consciencializarem a população para que não conflitue?

Se se aposta na formação dos polícias, se se aposta na multiplicação de instituições de intervenção social, dando apoio às vítimas de violência, o resultado não pode ser outro que não o aumento da denúncia deste tipo de criminalidade, a menos que alguém prefira que tudo continue como no passado em que as vítimas «levavam e calavam!»