PUBLICAÇÃO PROVIDENCIAL DE ESCUTAS

O episódio que em nosso entender deu origem a mais um escândalo no seio da justiça portuguesa, e que ainda poucos deram conta da sua dimensão, conta-se em poucas palavras. O fiscalista Saldanha Sanches, casado com a Procuradora Maria José Morgado, em 2002, acusou a então Ministra da Justiça, Celeste Cardona, de usar o cargo que ocupava para favorecer pessoas amigas. Da acusação resultou uma queixa por difamação e pedido de indemnização, movidos por Celeste Cardona, e que acabou com a absolvição do fiscalista. Um recurso junto do Tribunal da Relação obrigou à reapreciação do processo que tem marcado o próximo dia 19 de Outubro para leitura da sentença.

Quando tudo parecia normal, na edição de 29 de Setembro de 2007, o semanário «Sol» dirigido por José António Saraiva, publicou o conteúdo de escutas do processo Portucale entre as quais é visada a ex-ministra da justiça numa demonstração à medida das pretensões da defesa de Saldanha Sanches. Por coincidência, ou não, já o semanário «Expresso», na altura também dirigido por José António Saraiva, a 19 de Novembro de 2005, tinha publicado transcrições de escutas do mesmo processo, mas para provar que José Sócrates queria substituir Souto Moura por Rui Pereira.

Em bom rigor, o conteúdo das escutas telefónicas apenas pode ser usado para o fim específico constante na autorização do juiz, devendo tudo o que não é relevante ser destruído. À partida, se alguém tivesse conhecimento, no âmbito do processo, do seu conteúdo, nunca poderia ser usado, para outros fins, por ninguém incluindo o próprio Saldanha Sanches. A única forma possível de as escutas serem usadas em tribunal, como foram no dia 01 de Outubro, em defesa de Saldanha Sanches, em fins diferentes daqueles para os quais foram autorizados, era torná-las públicas, o que aconteceu através do «Sol» dois dias antes.

Perante todos estes factos, ou estamos perante um mar de coincidências que servem estrategicamente os interesses de Saldanha Sanches, ou alguém com profundos conhecimentos do funcionamento da justiça, com acesso facilitado ao conteúdo dos processos judiciais e com ligações promíscuas à comunicação social, julgando-se a única pessoa inteligente neste país, orquestrou tudo isto!

O Procurador-Geral da República, em nome da transparência do funcionamento do sistema judicial, não se pode remeter ao silêncio. Não pode deixar pairar no ar a mais pequena dúvida, a mais pequena incerteza sob pena de ser infligido mais um profundo golpe à justiça. Os factos são graves e a provar-se a promiscuidade com troca de favores entre operadores de justiça e os órgãos de comunicação social, sejam quem forem os visados, têm de ser responsabilizados criminalmente. Está em jogo a transparência e a soberania do Estado de Direito!

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

É sempre interessante ler os seus escritos. E se quanto a escolher um carro, o que estou a pensar fazer logo que o ecológico da Toyota de 2008 surja no mercado, provavelmente não sigo os seus critérios (ou talvez o faça inconscientemente), já quanto ao artigo de hoje, não poderia estar mais de acordo. Todos os "operadores judiciários" sabem o porquê da introdução de certas normas no C. Penal e no C. Processo Penal. A este respeito, é particularmente elucidativo o comentário do Sr. Prof. Costa Andrade (in vexata quaestio). Mas se todos o sabemos, nem todos o pudemos ou sabemos denunciar da forma que o Sr. o faz. Às vezes interrogo-me sobre o que é a liberdade no nosso país nos dias que correm. Será que estamos a regressar ao passado? Veja-se o exemplo do anterior coordenar da PJ no caso Maddie ...

04 outubro, 2007  

Enviar um comentário

<< Home