DIGNIDADE PRECISA-SE

Tornaram-se públicas algumas das conclusões do inquérito de averiguações sobre a possível existência de pressões sobre os magistrados que têm a cargo a investigação do processo Freeport. Uma coisa parece certa. Algo que não deveria ter acontecido terá mesmo acontecido daí que o Inspector do Ministério Público, Victor Santos Silva, responsável pelo referido inquérito de averiguações, tenha considerado «muito graves» os factos apurados propondo a suspensão do presidente da Eurojus, Lopes da Mota.

Perante a evidência dos factos, impôs-se a instauração de um processo disciplinar a Lopes da Mota, tendo já um conjunto de personalidades defendido a demissão do cargo que ocupa desde 2007.

Diz-me a experiência que muitos factos que parecem evidências, em sede própria, quer a nível disciplinar, a nível civil, ou penal, num ápice, invertem-se claramente e o que parecia ser esfuma-se e nem uma sombra persiste (ainda recentemente aqui escrevia sobre um desses casos). No entanto, aquilo que é já do domínio público é demasiado grave e em nome do princípio constitucional da independência da justiça em relação ao poder político não há qualquer espaço para que tudo fique como estava.

Para além do apurado no inquérito de averiguações citado, fico ainda mais preocupado quando me recordo das declarações do antigo bastonário da ordem dos advogados, Pires de Lima, a um dos canais nacionais de televisão sobre Lopes da Mota.

Independentemente dos interesses políticos em jogo num ano profundamente marcado por acesas «guerras» eleitorais, levando uns a defenderem a demissão e outros a continuidade de Lopes da Mota, na Eurojus, entendo que depois das referidas declarações de Pires de Lima e agora com as conclusões do inquérito não há qualquer espaço para a continuidade daquele magistrado como presidente da Eurojus.

Estamos, mais uma vez, perante uma questão de dignidade e de credibilidade de todo o sistema de justiça português. Neste momento, em nome da racionalidade, e em nome do princípio da independência da justiça, não pode existir o mais pequeno espaço para a subsistência de dúvidas.

Em nome dessa mesma dignidade, por iniciativa do próprio magistrado Lopes da Mota, já se deveria ter dado o seu afastamento do cargo tendo em conta que se trata de um processo que envolve a articulação e cooperação entre dois Estados europeus directa ou indirectamente dependente do visado.

Incompreensivelmente já só o Partido Socialista defende a continuidade de Lopes da Mota, quando, no fim da linha, nada é mais prejudicial para a imagem do próprio José Sócrates!