SÃO ANJOS, SENHOR, SÃO ANJOS…

Segundo dados do Relatório de Segurança Interna referente ao ano de 2008, ficámos a saber que nos Açores os 53 572 alunos que frequentavam os nossos 253 estabelecimentos de ensino eram e, pelos vistos, continuam a ser verdadeiros anjos.

É possível fazer-se tal afirmação fundamentando com o facto de no ano lectivo de 2007/2008, apenas terem sido registados 4 ilícitos criminais no meio escolar açoriano.

Curiosamente, ou talvez não, o Relatório de Segurança Interna de 2009, recentemente publicado (para alguns muito fiável), em referência ao ano lectivo de 2008/2009, não apresenta dados relevantes em relação aos ilícitos praticados em meio escolar, mas pode-se concluir, através de uma conta de multiplicar, que em cada mil alunos açorianos, houve um que cometeu um ilícito, ou seja, de apenas 4 ocorrências no ano lectivo de 2007/2008, no ano lectivo de 2008/2009 registaram-se 53 ilícitos representando um aumento na ordem das 13 vezes.

Não temos qualquer dúvida que todas as crianças são anjos, inocentes, muito queridas e merecedoras da mais apurada adjectivação a gosto. Por isso, tal como defendia São João Bosco, não há crianças más, mas o mesmo não podemos afirmar em relação aos adultos e em particular aos adultos que fazem o «abençoado» Relatório de Segurança Interna que na nossa óptica deixou de o ser em 2008, por pura perda de credibilidade. (Em bom rigor deveria chamar-se «Relatório de Alguma Actividade Policial», mas isso são contas de outro rosário).

Bem sabemos que nem tudo é culpa dos relatores do referido relatório. Para além de alguns dos critérios pouco fiáveis continua a ser evidente não existir uma cultura de denúncia dos ilícitos, em particular daqueles que ocorrem em meio escolar.
Alguém minimamente informado é capaz de acreditar que 53 572 alunos em interacção, durante um ano inteiro só praticaram 4 ilícitos? Ou que 53 572 alunos em interacção, durante um ano inteiro só praticaram ainda que sejam os tais 53 ilícitos? Será que alguém quer fazer de nós parvos?

Os inquéritos internacionais de vitimização em meio escolar, que infelizmente continuam a não ter tradição entre nós, dizem-nos que, por exemplo, só no ensino secundário mais de 80% dos alunos, em referência ao último ano lectivo, praticaram pelo menos um ilícito criminal. O que se pode concluir de tais dados é que apesar dos esforços que têm sido desenvolvidos, nesta matéria, aliás como noutras, continua a haver uma grande falta de profissionalismo e de seriedade.

Assim, sob pena de continuarmos condenados ao subdesenvolvimento e mergulhados em estatísticas, que insistem em fazer de nós néscios, torna-se cada vez mais imprescindível desenvolver-se uma cultura de rigor, isenção e responsabilidade. Enquanto os próprios não o fazem, tenhamos nós a coragem de pelo menos os denunciar…