OS CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO


As razões da prática criminal contra o património nos últimos dez anos, nos Açores, têm-se mantido constantes, sendo a toxicodependência o principal factor. Tem variado sobretudo o número de indivíduos que se dedicam à sua prática.

Se atendermos aos perfis, concluímos que maioritariamente se trata de indivíduos do sexo masculino (90%), entre os 15 e os 25 anos de idade, com baixos níveis de escolaridade, com deficiente aptidão técnica e com laços sociais, profissionais, familiares e religiosos bastante frágeis. Não raramente identificamos problemas de funcionalidade e estruturação entre os membros das famílias de onde são oriundos, sendo as carências afectivas causa e consequência.

O agir racional dos autores dos crimes praticados contra o património, levando-os a fazer previamente uma avaliação dos benefícios e consequências do acto, tem feito com que a probabilidade da prática do acto e a detenção em flagrante delito se cifre entre os 2 e os 3%, sendo portanto muito baixa. Tal quadro faz com que a responsabilização dos autores se faça sobretudo na sequência da investigação criminal, desenvolvida pelas forças policiais, exigindo cada vez mais maior eficiência e rentabilização dos recursos.

Por outro lado tudo se passa como num jogo de «gato e rato» que costumamos designar de acção/reacção. O propenso criminoso age em função dos meios que o circundam. Se as exigências e os obstáculos não são significativos, não necessita de grande criatividade para cometer o acto, porém, persistindo a motivação para a prática, quanto maiores forem os obstáculos mais sofisticada se torna a respectiva acção. Há dez anos, em Ponta Delgada, não se ouvia falar de indivíduos a cometer furtos ou roubos de cara tapada. O surgimento de câmaras de vídeo-vigilância nos estabelecimentos levou a que muitos dos indivíduos passassem a esconder a cara para não serem facilmente identificados.

Conforme os dados do inquérito de vitimização, divulgados em 2002, e os dados recolhidos em S. Miguel, em 2004, o comércio em Ponta Delgada tem uma taxa de vitimização idêntica à de Lisboa, 36% e 38%, respectivamente. Porém conforme o estudo intitulado Cartografia dos Medos, realizado em 2003 em S. Miguel, 74% dos comerciantes obtiveram nota negativa quantos aos meios de segurança existentes nos respectivos estabelecimentos comerciais, o que permite compreender o tipo de ocorrências criminais registadas.

Convém não termos grandes ilusões relativamente ao controlo do fenómeno criminal. Vai inevitavelmente continuar a apresentar tendências de crescimento embora num ano ou noutro possa diminuir. Mesmo que haja um investimento forte em meios de segurança, mantendo-se constante a motivação da prática criminal, em termos gerais, o máximo que se irá conseguir é uma deslocalização dos locais da prática do crime, o que pode ser útil para a melhoria do sentimento de segurança em consequência da dispersão resultante. Quanto maior é a proximidade e frequência dos comportamentos criminais menor é o sentimento de segurança.

A frequente ocorrência de crimes de furto, roubo e dano tem efeitos devastadores em termos de sentimento de segurança; porém não é linear que conduzam a um inevitável reforço dos meios de segurança por parte das vítimas ou à participação em milícias populares, conforme demonstrou Garofalo (1977) e corroborou Lagrange (1995). Se assim fosse, por exemplo, em Ponta Delgada, ou em Angra do Heroísmo, os investimentos em segurança seriam muito mais significativos.

Mais ou menos de forma consciente as pessoas compreendem que a gravidade da situação é sempre relativa embora acreditem que é sempre possível as forças policiais fazerem mais e melhor. Como individualmente acham sempre que já fizeram tudo para minimizar a possibilidade de serem vítimas, acabam por se conformar com a realidade a menos que o caos seja total!

NÃO PEÇAM CONTRA-PROVA!


O país, quando estava a banhos, foi surpreendido por uma directiva da Direcção-Geral de Viação (DGV) que impunha obrigações às forças policiais de utilizarem uma tabela para fazerem a conversão dos valores obtidos nos testes de álcool.

Em síntese, a dita directiva diz que os valores obtidos em todos os testes de álcool, contêm uma margem de erro, por sinal sempre por excesso! Vai daí que o Director-Geral de Viação, Rogério Pinheiro, sem dar cavaco às autoridades nacionais, segundo justificou com base num parecer da Organização Internacional de Metrologia, achou por bem fazer justiça, impondo às forças policiais umas «toleranciazitas» nos valores dos testes.

Assim, quem vier a ser encontrado a conduzir sob influência de álcool até 0,56 gramas por litro de sangue não lhe é aplicada qualquer sanção, quando a lei diz que o limite máximo legal é de 0,49g/l. Em relação à prática do crime de condução sob influência de álcool, só quando for detectado o valor de 1,30 g/l é que se consuma, embora o valor de referência seja de 1,20 g/l.

O caricato de tudo isto é que foi o Jornal de Notícias quem divulgou o facto, surpreendendo o próprio Ministério da Administração Interna que se apressou, através do Secretário de Estado da Administração Interna, Ascenso Simões, a pedir explicações ao Director-Geral da DGV.

A DECO de imediato considerou a directiva ilegal e alertou para a possibilidade de muitos dos condutores que foram penalizados por condução sob influência de álcool poderem vir a pedir o reembolso das coimas e multas pagas e mesmo para que os seus registos criminais fiquem «limpos»!

Confesso ter alguma dificuldade em compreender o tamanho disparate que foi feito pelo Director-Geral da DGV. A sua postura demonstrou total falta de sensibilidade e responsabilidade numa questão tão sensível como é a lei da condução sob influência de álcool. O mínimo que deveria ter acontecido, num verdadeiro Estado de Direito, era o seu afastamento imediato do cargo e consequente responsabilização por tal dislate.

Ainda há poucos meses foi publicamente discutida a hipótese de o Governo alterar a lei da condução sob influência de álcool no sentido de diminuir os valores. Existe o compromisso de Portugal diminuir as taxas de sinistralidade, até 2010, em 50% em relação aos valores de 2001. Têm sido gastos milhões de euros em campanhas contra o consumo de álcool. Logo nada pode justificar o que aconteceu no passado mês de Agosto, sobretudo por ser totalmente em sentido contrário à corrente que a população já tinha interiorizado.

Ditam as regras do bom senso que, a verificar-se a margem de erro que a Organização Internacional de Metrologia afirma existir, esta seria uma boa oportunidade para se mexer na lei em vigor, baixando os valores permitidos. Nunca se poderia fazer o que foi feito por transmitir aos condutores a ideia de que afinal podem beber «mais qualquer coisinha»!

Não podemos esquecer que, quando os condutores, não conformados com os valores dos testes de alcoolemia, pediam uma contra-prova através da análise ao sangue, os valores da dita contra-prova, por norma, eram superiores aos verificados nas esquadras policiais e não o contrário! Agora as diferenças vão ser ainda maiores! Por isso é que é ainda mais difícil aceitar o que está a acontecer...

Enquanto não surgir alguém com bom senso e coragem para credibilizar todo este processo, o único conselho que vos posso deixar é de não pedirem a contra-prova aos testes policiais, senão ficam «entalados»!