FALTA DE SENSIBILIDADE

A intransigência tem custos. Seja qual for o desfecho desta crise criada com o braço-de-ferro entre os professores e a Ministra da Educação, o grande derrotado, por falta de sentido de oportunidade, já tem um nome apesar de continuar a não a ver o que está à vista de todos.

Sem dúvida que, não sendo as sociedades consensuais, há consensos alargados nas sociedades que se cristalizaram e os elementos constituintes dessas mesmas comunidades estão cada vez menos dispostos a abdicar deles. Na sociedade portuguesa, já poucos toleram a arrogância por oposição à falta de humildade.

Em nosso entender, o não ver tal evidência foi o erro de José Sócrates e de nada lhe valeram os sinais que a lucidez de Manuel Alegre foi emitindo. Desde o início da legislatura, Sócrates assumiu uma postura totalmente oposta à de António Guterres.

Cedo se percebeu que enquanto Guterres dialogava demais e decidia de menos, Sócrates, nos antípodas, optou por dialogar de menos e decidir a toda a força. O lema seguido foi fazer e apresentar dados estatísticos para demonstrar resultados imediatos, confirmando que as decisões estavam no caminho certo!

As negociações com os parceiros sociais transformaram-se em recitais de informação das intenções de um Governo inflexível. E o resultado está à vista! Nem lhe valeu o facto de o actual Governo, em termos políticos e sociais, ter desfrutado da melhor conjuntura dos últimos trinta anos para reformar o país, em sectores vitais como o Ensino, a Saúde e a Justiça.

A reforma da Saúde agoniza! A nova Ministra parou o processo, dando razão àqueles que denunciavam estarem a ser encerradas unidades de saúde sem terem sido criadas alternativas. Hospitais sem problemas viram os seus corredores transformados em enfermarias sem qualquer dignidade para os pacientes…

Na Justiça, a reforma ficou-se pela alteração das leis penais, cujo efeito, a avaliar pelo número de reclusos que saíram e os que deixaram de entrar nas prisões desde 15 de Setembro de 2007, se transformou, embora de forma encapotada, numa das maiores amnistias de sempre que houve em Portugal. Foram três anos para se elaborar um novo mapa judiciário que, deixando tudo na mesma, ainda ninguém percebeu para que serve. A reestruturação das forças policiais, apesar do dinheiro gasto em estudos, terminou em nada, ficando tudo no modelo que perdura desde os anos 80 do século passado. Os 1.800 civis que iam ser colocados nas Polícias, ninguém sabe deles. Os cursos de formação para agentes e guardas, que não iam decorrer até 2010, afinal já vão arrancar este ano com mais 2.000 para aumentar o efectivo.

Por fim, a reforma do Ensino, aquela que parecia ter arrancado da forma mais consistente, resolvendo alguns problemas que se arrastavam no tempo, padeceu de um mal capital que foi o não ter considerado os professores como os primeiros aliados!
Talvez me engane muito e oxalá que assim seja para bem de todos, mas tenho um pressentimento que este último ano de legislatura vai ser um calvário para o Governo ao ponto de ele próprio invocar todos os Anjos e Santos para que o tempo passe!

PECADOS CAPITAIS

Todos acreditam que o país necessita de profundas mudanças e de desenvolvimento. Todos, ou melhor, quase todos reconhecem que apenas com muita força de vontade e de empenhamento colectivo será possível melhorar seja o que for!

As duas frases anteriores elevam-se à qualidade de dogmas e tirando um ou outro descrente ninguém ousa apresentar outra solução que não passe por ali, para a melhoria da justiça, do ensino, da administração pública em geral, em síntese, para a melhoria da sociedade cuja massa amorfa constituinte somos todos nós!

Até aqui também me revejo neste consenso alargado! Mas, na realidade, se não passarmos da teoria à prática de nada serve! Dito de outra forma, de que serve fazer a apologia da mudança e da inovação se sempre que alguém inconformado se desdobra em esforços para melhorar não encontra senão um mar de obstáculos e até guerras pessoais?

Na realidade, colectivamente as pessoas estão mais talhadas para o conformismo do que para a mudança e inovação, ainda que essa mesma inovação tenha como essência combater a desadequação e a falta de capacidade de resposta.

Do ponto de vista da lógica social e mesmo da lógica racional individual, era mais apropriado que as pessoas se envolvessem nos processos de mudança, demonstrando abertura para negociar, para propor sugestões, para fornecer contributos, capazes de enriquecer as propostas iniciais.

Dirão muitos: – tudo bem! mas para que tais mecanismos funcionem é fundamental a existência de disponibilidade, por parte de quem detém o poder de decisão, e abertura para ouvir, para negociar. É verdade! Todavia, se não houver tal abertura, é dever, é obrigação de todos quantos fazem parte das colectividades através da poderosíssima arma da assertividade desencadear junto dos detentores do poder abertura para negociar.

Estou convencido, e até que alguém me demonstre o contrário, que a nossa postura colectiva resulta sobretudo de algo mais forte que sobre nós pende, como se fosse uma herança genética desta nação que nasceu de um incidente de violência doméstica em que o filho, com a força da espada, escorraçou de casa a mãe.

Somos uma sociedade profundamente marcada pelos sete pecados capitais que nos agarram a um ancoradouro que nos corrói e contorce por dentro e por fora. Rui Zink, no seu livro «Luto pela Felicidade dos Portugueses», faz a apologia da inveja, o maior de todos os pecados capitais, defendendo que é legítimo termos inveja dos outros desde que essa inveja seja um motor de mobilização em nós para conseguirmos colher os frutos que os outros colhem como resultado do respectivo empenhamento e dedicação.

Estou totalmente de acordo, até porque, como me ensinou o meu avô com aquela sabedoria rude do Marão: «Árvore que não dá frutos ninguém lhe atira pedras», mas a inveja de que nos fala Rui Zink só consegue produzir tal efeito se não houver preguiça e houver ambição! Mas infelizmente o que continua a caracterizar muitas das nossas gentes é a preguiça e a falta de ambição...

TRABALHADORES DAS LAJES

Tenho acompanhado, através dos órgãos de comunicação social, os conflitos entre os trabalhadores das Lajes e os responsáveis norte-americanos, e, apesar dos esforços de ambas as partes, quase tudo tem sido em vão.

Não espanta a moratória na resolução do que quer que seja porque os mecanismos existentes para resolução de conflitos estão viciados com tendência clara para os lados dos americanos. Espanta como o Estado português, através de inúmeros representantes, que têm feito parte das sucessivas comissões, não conseguiu exigir que os americanos pelo menos respeitem as mais elementares normas do direito português.

Nada me move contra os americanos em geral, até porque cresci a acreditar no sonho americano, tendo mesmo chegado a equacionar a possibilidade de emigrar para as terras do tio Sam. Foi a influência da música norte-americana e da apologia da liberdade e dos direitos humanos que me fizeram acreditar, mas muito cedo percebi que tudo não passava de uma miragem, sucumbida aos reais interesses, ou, como defendem os politólogos, à supremacia da «política real» em que os fins justificam os meios.

Que os americanos defendam tais princípios, é lá com eles, aliás, quase todos os Estados, incluindo o próprio Vaticano, agem de tal forma; todavia compete a cada um dos Estados em sede de negociações não permitir que outros Estados, em território alheio, atropelem direitos fundamentais, como, por exemplo, o acesso à justiça.

O que se passa actualmente na base das Lajes ao nível das relações laborais dos trabalhadores portugueses é do mais retrógrado e inadmissível que pode existir em matéria laboral. Como foi possível que durante as inúmeras negociações se tivesse permitido que os americanos pudessem, fazendo recurso ao veto de gaveta pela falta de definição de prazos, impedir, por exemplo, que um trabalhador ilegalmente despedido recorra ao tribunal para ver respeitados os seus direitos? Como foi possível permitir que os americanos em solo português fizessem concursos públicos para a contratação de trabalhadores em que no próprio anúncio excluem os portugueses? Como foi possível permitir, numa situação de conflito entre um trabalhador português e os americanos, deixar em aberto a possibilidade de a entidade empregadora decidir quando quiser se o trabalhador pode recorrer ao tribunal? Como foi possível permitir a uma entidade empregadora no caso de haver uma decisão judicial poder decidir sem qualquer prazo como e quando cumpre a referida decisão?

Quando alguém com profundas responsabilidades políticas esta semana veio a público recordar que o Governo Regional tem defendido sempre todos os interesses dos Açores e dos Açorianos, faz todo o sentido que assim seja. O que não faz sentido é ter-se deixado sistematicamente portas abertas para a submissão à vontade dos americanos ao ponto de serem violados direitos fundamentais, consagrados constitucionalmente sem qualquer consequência prática!

Sempre gostava de saber se é possível o Estado português em território americano proceder do mesmo modo que o americano procede em Portugal?

A DESERTIFICAÇÃO DO «INFERNO»

Muito se tem dito e escrito em torno do problema da desertificação da cidade de Ponta Delgada. Não é problema singular, aliás, é um problema comum a quase todas as cidades e com especial incidência nas cidades com maiores índices de desenvolvimento e que potenciam a especulação imobiliária.

No entanto, as causas de desertificação dos principais centros urbanos estão muito longe de se centrarem exclusivamente na especulação imobiliária daí que as promessas de um presidente ou candidato a presidente de uma câmara municipal, de ser capaz de inverter tal tendência, no campo da razoabilidade, não são sérias e não passam de meras intenções.

Sem dúvida que as questões económicas mais do que nunca passaram a ditar as regras e as opções ao nível do ordenamento do território, das relações sociais, da segurança e de tantas outras facetas ao ponto de determinadas opções não serem compatíveis com os resultados esperados.

Neste contexto, ao nível da desertificação, em bom rigor, são mais razoáveis as promessas de manter o actual quadro do que propriamente invertê-lo. Estamos, portanto, perante um plano inclinado. Tornou-se bem mais fácil que as decisões ao nível da gestão municipal contribuam para que os ainda residentes dos centros urbanos os abandonem em vez de os atraírem ou fixarem.

As cidades mais pujantes estão hoje mergulhadas na entropia e quase condenadas a que as intervenções desencadeadas a agravem sendo um fenómeno bem patente em Ponta Delgada. Por exemplo, quando se licencia um estabelecimento de diversão nocturna num centro urbano com o propósito de atrair frequentadores para esse centro, sem dúvida que facilmente se consegue, mas a entropia, ou seja, a desordem gerada em torno da utilização dos espaços públicos, materializada pelos actos de vandalismo e das perturbações ao nível do ruído, quase à mesma velocidade, afasta os ainda residentes nesses mesmos centros.

Quando com a complacência das entidades competentes restaurantes se transformam em discotecas e bares de diversão nocturna, em plenos centros urbanos, com horários de funcionamento até às 04H00 e 06H00 da manhã, transformando as noites dos moradores em autênticos infernos, como é que se mantêm povoados os centros das cidades? Quem é que consegue atrair moradores para habitar tais infernos?