CONSTANTE MUTAÇÃO

Esta semana com algum alarido tornou-se público que alunos da Escola Secundária Antero de Quental tinham o costume de consumir drogas no parque de estacionamento do Castilho, conforme foi denunciado pela empresa que gere aquele parque.

Ouvi o Presidente do Conselho Executivo conceder uma extensa entrevista a uma estação de rádio local, num esforço para tentar explicar tudo quanto a escola tem feito. Contudo, fiquei convicto de que na maioria dos ouvintes ficou a impressão de residir na escola a culpa pelo sucedido.

Devo desde já afirmar que não me parece que se possa culpabilizar a escola e para tal basta que se tenha o mínimo conhecimento da forma como os indivíduos em geral praticam comportamentos desviantes.

O episódio, articulado com um conjunto de outros que têm envolvido aquele estabelecimento de ensino e o consumo de substâncias ilícitas, tem sobretudo o mérito de demonstrar como as questões securitárias são complexas e nunca podem ser um assunto encerrado, sendo antes um processo em constante mutação que pode perfeitamente ser materializado num permanente «jogo do gato e do rato»!

Como é do domínio público, o tráfico e consumo de substâncias ilícitas no Jardim Mártires da Pátria levou a que o conselho executivo daquela escola tivesse condicionado a abertura do portão e portas de acesso do lado sul, passando o portão norte a ser de acesso permanente à escola. A Câmara Municipal de Ponta Delgada requisitou em regime de gratificado a presença permanente de elementos da PSP. Por outro lado a Polícia realizou várias acções policiais que culminaram com detenções e apreensões de substâncias ilícitas.

Em termos reactivos os indivíduos com propensão para a comercialização tal como os que possuem propensão para o consumo posicionaram-se nas imediações do portão norte. Atendendo à configuração do espaço, a Ladeira dos Pinheiros passou a ser o local de eleição. Direccionada a intervenção policial para o lado sul e lado norte, os indivíduos deslocaram-se para o lado nascente, por ser o sítio que conferia maiores oportunidades de «segurança» para as práticas desviantes, ou seja, o parque do Castilho.

Agora que foi denunciada a situação e redobrados os cuidados no referido parque, é já certo e sabido que será encontrado um novo «poente» e assim sucessivamente ad aeternum.

Ora a preocupação com a segurança é isto mesmo. Em vez de nos conformarmos com a ideia de que nada vale a pena fazer porque os indivíduos sempre serão capazes de materializar os seus intentos, temos que ter a capacidade de permanentemente observar os indícios e sinais e tomar medidas para minimizar propensões.

Em matéria de segurança, o sucesso não é só quando se consegue evitar a totalidade das práticas indesejáveis. Em matéria de segurança, podemos falar em sucesso sempre que se consegue prevenir um caso que seja. Nesta matéria, a estratégia da Escola Antero de Quental tem sido irrepreensível na medida em que tem seguido uma estratégia interventiva e dinâmica!

SÃO ANJOS, SENHOR, SÃO ANJOS…

Segundo dados do Relatório de Segurança Interna referente ao ano de 2008, ficámos a saber que nos Açores os 53 572 alunos que frequentavam os nossos 253 estabelecimentos de ensino eram e, pelos vistos, continuam a ser verdadeiros anjos.

É possível fazer-se tal afirmação fundamentando com o facto de no ano lectivo de 2007/2008, apenas terem sido registados 4 ilícitos criminais no meio escolar açoriano.

Curiosamente, ou talvez não, o Relatório de Segurança Interna de 2009, recentemente publicado (para alguns muito fiável), em referência ao ano lectivo de 2008/2009, não apresenta dados relevantes em relação aos ilícitos praticados em meio escolar, mas pode-se concluir, através de uma conta de multiplicar, que em cada mil alunos açorianos, houve um que cometeu um ilícito, ou seja, de apenas 4 ocorrências no ano lectivo de 2007/2008, no ano lectivo de 2008/2009 registaram-se 53 ilícitos representando um aumento na ordem das 13 vezes.

Não temos qualquer dúvida que todas as crianças são anjos, inocentes, muito queridas e merecedoras da mais apurada adjectivação a gosto. Por isso, tal como defendia São João Bosco, não há crianças más, mas o mesmo não podemos afirmar em relação aos adultos e em particular aos adultos que fazem o «abençoado» Relatório de Segurança Interna que na nossa óptica deixou de o ser em 2008, por pura perda de credibilidade. (Em bom rigor deveria chamar-se «Relatório de Alguma Actividade Policial», mas isso são contas de outro rosário).

Bem sabemos que nem tudo é culpa dos relatores do referido relatório. Para além de alguns dos critérios pouco fiáveis continua a ser evidente não existir uma cultura de denúncia dos ilícitos, em particular daqueles que ocorrem em meio escolar.
Alguém minimamente informado é capaz de acreditar que 53 572 alunos em interacção, durante um ano inteiro só praticaram 4 ilícitos? Ou que 53 572 alunos em interacção, durante um ano inteiro só praticaram ainda que sejam os tais 53 ilícitos? Será que alguém quer fazer de nós parvos?

Os inquéritos internacionais de vitimização em meio escolar, que infelizmente continuam a não ter tradição entre nós, dizem-nos que, por exemplo, só no ensino secundário mais de 80% dos alunos, em referência ao último ano lectivo, praticaram pelo menos um ilícito criminal. O que se pode concluir de tais dados é que apesar dos esforços que têm sido desenvolvidos, nesta matéria, aliás como noutras, continua a haver uma grande falta de profissionalismo e de seriedade.

Assim, sob pena de continuarmos condenados ao subdesenvolvimento e mergulhados em estatísticas, que insistem em fazer de nós néscios, torna-se cada vez mais imprescindível desenvolver-se uma cultura de rigor, isenção e responsabilidade. Enquanto os próprios não o fazem, tenhamos nós a coragem de pelo menos os denunciar…

A CHAVE DA SAÚDE

Comemorou-se, no passado dia 7 de Abril, mais um «Dia Mundial da Saúde». Nos Açores, a tutela optou, e bem, por associar as comemorações às escolas, com um conjunto de iniciativas a fim de chamar a atenção para a importância do assunto.

A história da espécie humana está preenchida pela busca constante da felicidade, ou, no dizer dos filósofos, da ataraxia. Por outro lado a existência da felicidade no indivíduo sempre esteve profundamente ligada ao respectivo estado de saúde física e mental.

Dito deste modo, parece que as sociedades são consensuais tal como preconizou Travis Hirschi. Mas, na realidade, não o são e, na nossa óptica, nunca como na actualidade foram tão visíveis as contradições e antagonismos existentes nas mais diferentes áreas, onde a saúde não é excepção, nem o próprio conceito de felicidade.

Nunca como na actualidade se investiu tanto em saúde e nunca como na actualidade se cometeram tantos excessos a nível alimentar. Nunca se investiu tanto em ginásios como na actualidade e ao mesmo tempo nunca fomos tão sedentários como somos, nem nunca a população, em particular no mundo ocidental, foi tão obesa.

Recordando o tempo dos bancos das escolas, da minha geração, quase todas as crianças eram magras e ser obeso era singularidade merecedora dos mais diversos epítetos estigmatizantes. Em trinta anos a realidade alterou-se completamente e hoje não ser obeso é quase excepção punida e reprovada.

Contradições profundas, difíceis de sanar e que minimizando efeitos da coacção física e psicológica só através da formação e consciencialização dos mais novos será possível inverter.

Temos ouvido de forma recorrente apontar-se a formação como chave dos mais diversos problemas sociais. Até já houve quem defendesse que apontar para a solução da formação é não querer fazer nada! Tal argumentação até pode fazer algum sentido, mas não é rigorosa. Em boa verdade investir em formação é um investimento geracional, todavia não produz efeitos imediatos, mas sim a médio/longo prazo.

A procura de resultados imediatos é outra conversa e encontrá-los efectivamente depende de cada um de nós na preocupação com uma vida saudável, minimizando comportamentos de risco, não cometendo excessos, fazendo uma alimentação equilibrada e praticando actividades físicas.

A comemoração do Dia Mundial da Saúde devia, acima de tudo, recordar-nos a nossa condição e que além de termos de formar/educar os mais novos temos permanentemente que ser modelos em todas as circunstâncias, em nome da preservação da saúde e da busca da felicidade!

VAI UMA APOSTA?

O Relatório de Segurança Interna (RASI) referente a 2009 foi divulgado e fizeram-nos crer que a nível nacional a criminalidade diminuiu 1,2%. Multiplicaram-se as reproduções dos números dos crimes denunciados, os quais em relação aos Açores, segundo aquela versão também diminuíram tendo-se ficado pelos 10 699 ilícitos.

Aparentemente a análise criminal referida até poderia parecer positiva se tivéssemos em conta que nos dez últimos anos a criminalidade nos Açores subiu sempre a uma média superior à nacional com excepção para 2008 e para 2009.

O problema, tal como denunciei no ano passado e no ano anterior, é que o RASI deixou de poder ser considerado um documento credível para a real análise da evolução da criminalidade. E a situação está a atingir uma dimensão cada vez mais insustentável.

Ainda se devem recordar que segundo o RASI de 2008, discutido na Assembleia da República, em Março de 2009, dizia, na página 80, que a criminalidade denunciada, em 2008, tinha crescido 7,5%, em relação a 2007. Meses depois a Procuradoria-Geral da República, através do seu relatório, tornou público que a criminalidade denunciada em 2008, em relação a 2007, cresceu 16,1%, ou seja, houve mais 77.462 crimes atingindo os 557.884 crimes.

O RASI de 2009, através de uma nota, em aditamento, dizia que a delinquência juvenil, em 2008, em relação a 2007, registara um total de 2.510 participações, o que correspondia a uma diferença percentual de - 43,5% (menos 1.930 casos participados). Meses depois a Procuradoria-Geral da República veio dizer que no âmbito da delinquência juvenil, em 2008, em relação a 2007, se registara um aumento da ordem dos 5%, mais 452 casos atingindo os 9.159 casos (quase quatro vezes mais que o número apresentado pelo RASI).

Em relação aos Açores, o RASI deste ano diz, na página 44, que os Açores registaram, em 2009, 10 699 crimes denunciados contra 11 031, em 2008, ou seja, menos 3%.

Curiosamente o relatório de 2009 da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, tornado público a 01 de Março de 2010, diz que nos Açores se registaram 12 378 crimes. Portanto mais 1 679 crimes (ou mais 15,7%) que o referido no RASI.

Poderia continuar neste mar de contradições de que me dispenso para não enfastiar os leitores. Bem sei que em matéria de criminalidade e segurança faltam por aí competências de análise e em particular entre a maior parte dos profissionais da comunicação social que se limitam a reproduzir o que recebem para publicação sem qualquer sentido crítico.

Bem sei que há vozes que não chegam ao céu, mas de uma vez por todas o melhor era começar-se a pensar em fazer um único relatório de análise da criminalidade e de preferência com base nos dados do Ministério Público que, nesta matéria, é, sem margem para dúvidas, a mais credível das fontes na medida em que é a entidade de destino final de toda a criminalidade denunciada.

Daqui a alguns meses, quando já ninguém se lembrar do RASI agora divulgado, quem sabe, a Procuradoria-Geral da República divulgará dados a demonstrar que afinal a criminalidade denunciada, em 2009, a nível nacional, tal como por cá, mais uma vez aumentou. Vai uma aposta?

UNANIMIDADE CONTRA O CHIP

Os Partidos com assento na Assembleia Legislativa dos Açores, por unanimidade, decidiram recusar a obrigatoriedade de colocação de chips nas chapas de matrículas dos veículos automóveis.

Numa comunidade como a nossa, em que existe uma desconformidade tão grande entre as leis existentes e os comportamentos sociais, não espanta o que aconteceu esta semana.
Compreende-se que todos os Partidos tenham votado naquele sentido, na medida em que, sendo representantes do povo, não fizeram mais do que exteriorizar a vontade desse mesmo povo que como facilmente se adivinha está farto de exigências, limitações e imposições.

Há leis que são aprovadas sem servirem para nada ao nível da alteração comportamental de uma comunidade. No entanto, como foi o caso, há normas que são recusadas pelos legisladores e que acabam por ser perfilhadas pela comunidade.

A recusa dos chips nas chapas de matrícula é a melhor demonstração daquilo que acabamos de afirmar, visto que o futuro passa por ali. Há uma enorme força do futuro contida no passado que ditará a inevitabilidade.

Sem norma que obrigue à respectiva colocação, acreditamos que dentro de dez anos uma parte considerável do parque automóvel estará dotada com os respectivos chips na medida em que a tendência será para que os veículos novos sejam entregues aos proprietários já equipados.

É nestas pequenas medidas que se vê a essência da cultura securitária de uma comunidade. Sem querer ferir susceptibilidades os Açores não possuem uma verdadeira cultura securitária. Infelizmente, continua-se a pensar que as medidas securitárias são meras restrições à liberdade e que apenas provocam embaraços.

É bom que se saiba que os chips nas chapas de matrícula são sobretudo uma norma securitária. Os chips nas matrículas têm o mérito de ajudar as autoridades policiais na rápida localização de viaturas furtadas ou roubadas. Os chips permitem aumentar a responsabilização dos condutores, condicionando-os ao nível dos comportamentos de risco e em consequência tornam as estradas mais seguras para todos.

Quando estamos à beira de ver aumentada a mobilidade na ilha de S. Miguel com a abertura das SCUTS, esta poderia ser uma acção muito positiva para minimizar alguns problemas securitários que inevitavelmente vão acontecer como já são uma realidade nos grandes eixos rodoviários do Continente.

Todos os quadrantes reivindicam mais segurança, mas na prática todos estão amarrados às sombras do passado com incapacidade para inovar. Bom, todos não, porque os bandidos estão sempre dispostos a inovar…