QUEM COM FERROS...

Diz o ditado «Quem com ferros mata com ferros morre!» É uma frase que se tornou maldição para os directores da Polícia Judiciária (PJ). Já perdi a conta do número de directores que, após declarações à comunicação social, acabam afastados do cargo!

Quando Santos Cabral era Director da PJ, escrevi uma crónica em que previa estar por dias a sua substituição depois de na comunicação social ter denunciado a falta de meios e de entre outras coisas ter defendido a criação, dentro daquela força policial, de uma unidade de reacção táctica (tipo Grupo de Operações Especiais). No dia em que a referida crónica foi publicada, já o então director tinha sido afastado.

Desta vez não acredito que o tempo que medeia a escrita e a publicação desta crónica seja suficiente para que Alípio Ribeiro caia. Todavia deu um tiro de mérito capaz de acertar ao mesmo tempo nos dois pés. Só quem desconhece a cultura daquela instituição seria capaz de fazer uma afirmação daquelas sem prever o resultado.

Certamente que o incidente não concede espaço ao poder político, que o nomeou, para o afastar, pois como se sabe é até amigo pessoal do actual Ministro da Justiça, o que só por si dá garantias. No entanto, independentemente do desenrolar da situação, a sua credibilidade à frente da PJ está profundamente fragilizada e sem grande espaço de manobra.

A questão que esta semana se colocou foi saber se Alípio Ribeiro tem ou não condições para continuar à frente do cargo?

Em nosso entender, por uma questão de coerência, não tem condições para lá continuar, senão vejamos: foi Alípio Ribeiro quem, em Outubro último, afastou Gonçalo Amaral do caso Maddie, por declarações públicas sobre o processo que estava na sua alçada, impondo um silêncio sepulcral ao actual detentor do referido processo. Sendo assim, depois de Alípio Ribeiro ter vindo publicamente defender que houve “precipitação” por parte da própria PJ e do Ministério Público, ao constituírem arguidos os McCann, não há outra solução que não passe pelo seu afastamento e o pior é que não pode culpar ninguém que não o próprio.

Sabendo-se o que se sabe ao nível da politização do processo Maddie e do que tal processo representou e representa para a imagem e prestígio da PJ, a sua permanência no cargo é uma total incoerência e não há volta a dar!

«CHOVER NO MOLHADO!»

Tem chovido muito. É próprio da época, como é próprio quando chove muito dizer-se que chove no molhado. Confesso que antes de dar início a mais uma crónica hesitei entre “malhar” na ASAE (como está na moda) ou “chover noutro molhado” que é a “insegurança nos Açores”.

Reconheço ser muito mais fácil falar da ASAE visto que existe um consenso mais ou menos alargado de que aquela nova polícia, com competências de investigação criminal no âmbito da sua actuação, se tem excedido, revelando falta de bom senso. Até já o Presidente da República ironiza com a ameaça que constitui a ASAE!

Tal como me disse há dias um amigo meu: – sobre as coisas em que estamos de acordo, não há nada para discutir. Talvez por isso tenha optado por falar novamente da dita insegurança, correndo o risco de “dar mais para o mesmo peditório”!

Através da comunicação social, soube que fui referenciado na Assembleia Regional para demonstrar a desconformidade existente entre o meu discurso, as evidências estatísticas e o sentimento de insegurança que em termos opinativos é atribuído à população açoriana.

As opiniões não se discutem e o conhecimento científico apenas é refutável pelo conhecimento científico. Como para além das conclusões obtidas com os diferentes estudos que foram realizados até à data nos Açores sobre as questões da insegurança ninguém apresentou outros estudos científicos que demonstrem muitas das opiniões que por aí circulam e que são atribuídas ao que a população pensa, continuo a defender a razoabilidade e a lucidez na racionalidade.

Que eu saiba, quando falamos nos Açores, falamos em nove ilhas, portanto do ponto de vista criminal nove realidades diferentes. Dentro dessas nove ilhas podemos falar de 19 realidades diferentes apesar de uma ou outra semelhança. Logo qualquer caracterização generalista sobre insegurança nos Açores não é séria, não é objectiva, não é rigorosa. É falsa, é demagógica...

Dizem-nos as demonstrações internacionais que a exploração demagógica das questões da segurança pelas diferentes hostes políticas têm produzido mais dissabores que benefícios e infelizmente continua-se a “chafurdar nesse lamaçal”. Convém não esquecer que a pessoa que mais apologia fez do discurso securitário em Portugal acabou no pântano, com postos e esquadras policiais abertas por tudo quanto é sítio sem que isso se traduzisse numa melhoria da utilização dos recursos e na melhoria do sentimento de segurança das populações.

É natural que a minha posição desencadeie alguma desconfiança, mas contra os dados vertidos nos relatórios de segurança interna de 2004, 2005 e 2006, que foram republicados esta semana na comunicação social, sugere-se que se consultem os dados estatísticos da evolução da criminalidade em cada uma das ilhas e em cada um dos concelhos açorianos. De um momento para o outro, como num passo de mágica, só existe insegurança nos Açores e não importa que nos últimos anos a criminalidade tenha crescido quase exclusivamente numa ilha e à custa de dois ou três concelhos.
Entre os que tanto falam de insegurança nos Açores, quantos já tiveram a curiosidade de saber quantos são os concelhos e as ilhas onde a criminalidade nos últimos anos tem crescido?

Apesar de tudo percebo o porquê de algumas pessoas teimarem em não serem rigorosas, mas, por favor, não embrulhem ninguém em papel pardo!

DA BERRARIA À LUCIDEZ...

Depois da demonstração de que somos uma região de Criminologistas com provas dadas na explicação da criminalidade e nas formas de a controlar com eficácia, esta semana, sem que os crimes tenham deixado de ocorrer, foi com particular satisfação que verificámos que a lucidez começou a ressaltar.

Já se nota que algumas pessoas perceberam que não é atacando e censurando a actuação da Polícia que se consegue melhorar a segurança, apesar de, como nos demais sectores de actividade, existir sempre espaço para se melhorar e rentabilizar os recursos.

Devo confessar que diversos acontecimentos, ocorridos durante a semana, que agora finda, me deixaram particularmente satisfeito sobretudo por indiciarem que se começou a recuperar a racionalidade. Um desses acontecimentos foi a entrevista de dois dos mais ilustres magistrados ao serviço da administração da justiça nos Açores, nomeadamente, o Juiz Moreira das Neves e a Procuradora do Ministério Público Laura Tavares, pelo jornalista Luís Silva, que de forma clara enunciaram as consequências das alterações ao Código de Processo Penal ao nível da corrosão do sentimento de segurança vivenciado. Foi muito positivo que tais magistrados, numa atitude verdadeiramente pedagógica, tenham vindo a público prestar tais esclarecimentos. Era bom que viessem a público mais vezes «educar a comunidade para o direito». Entendo mesmo que deveriam ser criados, nos órgãos de comunicação social, espaços para abordagens regulares às questões da justiça. Seria uma forma de se contribuir para a dita prevenção geral e para que não se dissessem tantos disparates que por aí vão entoando.

Outro dos acontecimentos positivos prendeu-se com a forma como, tanto o Governo Regional como a oposição, depois do tradicional e redutor discurso da falta de polícias, já começaram a dar sinais de lucidez pensando e agilizando formas de intervenção com potencialidades para rentabilizarem o sentimento de segurança. Afinal parece que muito boa gente tem aprendido umas coisas...Até apetece distribuir algumas felicitações, mas vamos aguardar pelos resultados concretos!

Razão tem o povo ao garantir que «depois da tempestade vem a bonança» e é com bonança que se avança com convicção e rumo ao destino. Ao menos fique a aprendizagem de que convém durante outras tormentas não perder nunca a lucidez.

BERRARIA...

Não me recordo de ler, ver e ouvir tantas notícias e opiniões sobre a onda de insegurança nos Açores. Fui nas últimas duas semanas convidado por diversos órgãos de comunicação social a comentar o que vinha a público. Não aceitei nenhum dos convites por entender que perante a perda de racionalidade o melhor é o silêncio. Até porque como diz o povo «dois brigam se um quer». Logo se todos decidiram ver quem era capaz de falar mais alto, como nunca fui muito de elevar o tom de voz para me fazer ouvir, não podia ter tido outra posição.

O histerismo gerado em torno da insegurança se mérito teve foi o de massificar uma ideia que felizmente não corresponde ao cenário que foi descrito. Não nego os problemas criminais, não deixo de lamentar que alguém seja vítima de um crime, nunca o fiz. Sempre reivindiquei novas estratégias de intervenção para evitar o que é evitável. Mas empolar e especular leva à perda da racionalidade.

Algumas situações vividas nos Açores fazem-me lembrar a história de Pedro e do Lobo. A utilização demagógica das questões da insegurança aproveita sobretudo aos criminosos e a outros destinos turísticos. Transformar um epifenómeno num problema à escala regional é um mau cartaz para a região tal como se viu no telejornal da TVI de Sábado passado e é um erro estratégico que produz mais prejuízos do que benefícios. Se na ilha de S. Miguel e em particular Ponta Delgada ou Vila Franca do Campo existem problemas securitários nada têm a ver com os problemas existentes nas demais ilhas nem em qualidade nem em intensidade até porque quer o agrupamento central quer o agrupamento ocidental, em 2007, pelo segundo ano consecutivo, registaram uma diminuição significativa da criminalidade praticada.
Que não se perca a racionalidade e no meio de toda esta berraria haja alguém com discernimento que saiba tirar partido da situação, a bem dos Açores!