O LADRÃO, O LATÃO E A RECEPTAÇÃO...

Ao passar esta semana na Rua Luís Soares de Sousa, junto de um imóvel, cujo aspecto de conservação indicia estar devoluto, deparei com um indigente, daqueles que deambulam entre os bancos do Campo de S. Francisco e a Igreja Matriz de Ponta Delgada, agarrado a um puxador de latão.

Enquanto caminhava de frente para o abençoado pela miséria, apercebi-me que a forma como estava agarrado ao referido puxador não correspondia ao esforço de satisfação da necessidade de apoio própria de qualquer indivíduo que do vinho faz alimento, agasalho, suplemento vitamínico e sei lá que mais!

Abeirei-me e num português vernáculo questionei-o sobre as suas reais intenções em relação ao acessório de latão. Como conhecido de longa data das lides policiais similares «a caças de gato e de rato», não hesitando em tratar-me por Senhor Guarda, numa atitude própria de um arrependido, confidenciou-me ser sua intenção apropriar-se do metal para o vender a fim de tomar um «cafezinho».

Tirando o erro na cor e na forma do proveito do furto, que com elevada probabilidade daria garrafa de vinho em vez de uma xícara de café, com conhecimento de facto, generosamente e com precisão, lá me explicou a rede de contactos que vão do furto até à fundição com a certeza de produzir lucro para todos, embora, como sempre e em todas as actividades, o produtor, no caso, o autor do furto, seja quem mais riscos corre e quem menos lucros obtém.

Sem que nunca tivesse tido qualquer aula de criminologia, o ladrão de latão tinha pleno conhecimento da génese criminológica que explica a sobrevivência da milenar arte de furtar e/ou roubar. É a chamada receptação que consiste na aquisição de material apropriado ilegitimamente por alguém.

Muita gente desconhece, mas a receptação é crime punido com pena de prisão até cinco anos e se da actividade fizer modo de vida a pena pode ir até aos oitos anos de prisão (art.º 231 do Código Penal). Talvez por isso haja sempre pessoas disponíveis para comprar pelo «preço da chuva» os mais variados objectos não resistindo à tentação do lucro fácil. Talvez por tudo isso o furto e o roubo não deixem de ser praticados!

Acredito que se se conseguisse desenvolver uma verdadeira campanha de sensibilização e de grande envergadura que passasse efectivamente a mensagem de que comprar ou adquirir por qualquer outra forma objectos roubados ou furtados é crime, residindo na receptação o principal factor para se continuar a furtar/roubar, conseguiríamos reduzir drasticamente tais comportamentos criminais. Asseguro-vos que em nome do sentimento de segurança é um esforço que vale a pena desenvolver...

PERPLEXIDADES...

Em doze anos que acompanho os dados estatísticos referentes à segurança nas escolas, não me lembro de tamanha demonstração «em dar a volta aos números estatísticos» para que a leitura seja positiva, como aconteceu na conferência de imprensa conjunta do Ministro da Administração Interna e da Ministra da Educação, tendo por base a apresentação dos dados do programa «Escola Segura» no ano lectivo 2006-2007.

É um facto que todos os Governos se têm esforçado por dar sempre uma boa imagem das mais variadas problemáticas, num esforço para «dourar a pílula», o que até é compreensível! O problema é que por vezes o esforço de se querer dourar o quadro é tanto que o mesmo fica imperceptível. Ora foi precisamente isso que em nosso entender aconteceu.

Depois da troca de argumentos de há três semanas entre o Procurador–Geral da República, Pinto Monteiro, e a Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, sobre a maior ou menor existência de violência em meio escolar, em que Pinto Monteiro, e bem, criticou a enorme tolerância para com tais comportamentos a avaliar pelas baixas taxas de denúncia, a actual detentora da tutela da educação encetou uma fuga em frente procurando demonstrar o indemonstrável.

O esforço em demonstrar que os aspectos considerados negativos estão a diminuir e os positivos a aumentar foi tal que até surgiram novos agrupamentos estatísticos justificados com a distribuição às escolas de novas grelhas para registo das ocorrências. O resultado foi óptimo e deu cá um jeito! Comparar o que não é comparável serviu para se afirmar que o total de ocorrências dentro e fora das escolas diminuíram 36%!

Não há dúvida de que um dos mais fantásticos apetrechos da espécie humana é a capacidade de argumentação com especial relevo quando se vive em democracia em que todos podem opinar, mesmo que seja o mais profundo disparate, devendo por isso ser respeitável. Creio piamente que por mais crentes que sejamos nas nossas ideias, ideologias, crenças e valores, passar descaradamente um atestado de estupidez aos demais, no mínimo, dá azo a que se coloque as mãos nos quadris e se diga: «Alto e pára o baile!» ou «Sejamos sérios!»

Se olharmos a linha descrita no gráfico que ano após ano traça a evolução do número de intervenções policiais dentro e fora dos estabelecimentos de ensino portugueses, é claramente de crescimento. No ano lectivo de 2006/2007, as ocorrências em que as forças policiais intervieram cresceram 8,4%. Isto é um dado objectivo e não há volta a dar.

Será que termos tido 386 professores vítimas de ofensas por parte de aluno e/ou encarregados de educação, em 2005/2007, e 402, em 2006/2007, ainda não é grave? Será que os 322 auxiliares vítimas de ofensas só no último ano lectivo ainda não é grave? E que dizer do crescente número de alunos detectados na posse de armas em meio escolar, incluindo armas de fogo? (Por falar em armas e escolas) Lembram-se do mais recente caso ocorrido na Finlândia? São sempre casos isolados...

Será que alguém, com responsabilidade, anda a olhar para estes números com objectividade? Para quando os inquéritos de violência auto-revelada e de vitimização em meio escolar para se saber efectivamente o que anda a acontecer? Apesar de, felizmente, a grande maioria das escolas não possuírem problemas significativos de violência, indisciplina e insegurança em geral, o esforço em desvalorizar o que efectivamente existe é um erro e com consequências imprevisíveis...