A GREVE

A semana que terminou ficou marcada por mais uma greve e por toda a polémica desencadeada em torno dela. É antiga a guerra entre as centrais sindicais CGTP e UGT, sendo a cada passo reacendida em torno da procura do protagonismo, daí resultando uma constante medição de forças. A questão tem sido quase sempre a mesma entre a demarcação de quem teve a iniciativa e de quem foi atrás.

Desta vez a UGT preferiu nem ir atrás nem à frente, simplesmente demarcou-se da iniciativa com a argumentação de que não havia motivações objectivas para uma greve geral. Pelos vistos nem todos os movimentos sindicais pertencentes à UGT pensaram da mesma maneira e a prova foi o facto de o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado ter aderido e feito claramente a apologia da greve geral.

A primeira discussão do dia centrou-se em torno da designação da greve. Deveria chamar-se «greve geral» ou «greve parcial»? O Governo de Sócrates, através dos primeiros mandatários oficiais, remetidos para a primeira conferência de imprensa, logo pela manhã fizeram questão de monopolizar o debate. A postura foi estratégica e acabou por ser a grande novidade estratégica, no modo de discutir a greve. Enquanto se colocava os sindicatos a trocarem acusações e a discutirem se a greve era geral ou parcial, diminuía o tempo de discussão em torno dos grandes motivos de insatisfação da população portuguesa em geral.

A segunda discussão, para não fugir à regra, centrou-se na questão dos números. Como sempre, o Governo apresentou valores de adesão excessivamente baixos, na casa dos 13,8%, e os sindicatos, como sempre, valores excessivamente elevados, situados acima dos 70%. Como ditam os manuais, os números reais da adesão à greve situam-se no intervalo entre a versão dos primeiros e dos segundos, que é, como quem diz, na ordem dos 40%.

A ter sido a adesão na ordem dos 40%, apesar de ser muito acima dos números do Governo, dirão alguns: foi um fracasso! Devemos confessar que objectivamente, com tal ordem de grandeza, a greve não pode ser considerada um fracasso, tendo em conta toda a envolvente contextual que estamos a vivenciar.

Não existirão grandes dúvidas de que nunca, sobretudo a Função Pública, em Portugal, teve tantos motivos de descontentamento. Nunca, sobretudo a Função Pública, se viu tão atingida nos seus direitos, logo nunca a Função Pública terá tido tantos motivos para participar numa greve como forma de demonstração do descontentamento. O problema é que as ameaças, os medos e as incertezas que pairam no ar como poeira densa e viscosa definitivamente vergaram as vontades, transformando descontentamento em conformismo. Depois, embora convictos de ser péssimo o que nos calhou em rifa, movendo o olhar quer à esquerda quer à direita, nada de esperançoso conseguimos enxergar!

Felizmente que por cá Carlos César tem sabido colocar-se à margem de algumas das principais polémicas que estão a enredar o Governo de Sócrates como fez bem questão de evidenciar no seu discurso a propósito das comemorações do Dia da Região Autónoma dos Açores.

P.S. Como ponto cómico da greve, elegemos a visita do Ministro da Saúde ao Hospital de Santa Maria, o qual, em plena sala de espera das urgências, anunciava ao país, através das televisões, que ali tudo era normal. Ao mesmo tempo a repórter de serviço comentava as imagens vazias de pessoas que se visualizavam nas costas do ministro, documentando a falta de verdade. Fez-nos relembrar o célebre ataque a Bagdad com as bombas e os mísseis americanos a rebentarem nas costas do malogrado ministro iraquiano da informação enquanto em conferência de imprensa jurava que os americanos estavam a ser esmagados a 100 Kms de Bagdad.
Cuidado, pois a contra-informação por vezes dá mau resultado!

UM NÃO FACTO!

Desde que se demitiu ou foi demitido (dúvida existencial nunca esclarecida), há cerca de um ano, o Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, Santos Cabral, é pelo menos a segunda vez que aquele ex-director da Polícia Judiciária vem a terreiro, um pouco a jeito de «partir a loiça»!

Desta vez a questão levantada prende-se com a partilha de informação criminal entre as polícias em Portugal. O tema não é novo e de já tão debatido e ao mesmo tempo tão ignorado pouco resta para se tornar um facto noticioso. Aqui também nós, quando não abundavam os temas, dissemos que «o rei ia nu»!

A partilha de informação entre as polícias encerra desde logo uma questão cultural dentro de cada um dos corpos policiais, tendo perdurado sobretudo devido à não necessidade concreta resultante de ameaças reais. Se hoje temos os problemas que temos ao nível da organização policial, tal deve-se ao facto de sermos, depois da Grécia e da Irlanda, o país europeu que menos problemas criminais tem tido. Estamos certos de que se tivéssemos os problemas criminais da nossa vizinha Espanha há muito que já teríamos ultrapassado tais problemas de bastidores como os nossos irmãos espanhóis foram obrigados a ultrapassar.

Estamos convictos de que a partilha de informação policial, no actual modelo de organização policial, nunca se vai fazer com ou sem lei, com ou sem regulamentação. Trata-se de um problema estrutural, apenas ultrapassável com a junção de todas as polícias num único corpo de polícia devidamente estruturado, com núcleos de intervenção especializados e articulados.

Voltando às declarações de Santos Cabral ao jornalista Licínio Lima do DN de 21/05/2007, p. 9, à semelhança de outras declarações anteriormente assumidas, revelam que, embora o juiz até tenha razão nas coisas que vai dizendo, mas devido ao seu afastamento atribulado da Polícia Judiciária em 2006, colocam-no numa posição de fragilidade por facilmente ser o leitor induzido para o eventual despeito próprio de quem não se conformou com a «tirada de tapete» de que foi alvo e não o «abandono de tapete» que fez questão de frisar na época. Cada um lá sabe a pele que veste, mas não temos dúvidas de que, no caso concreto, a gestão do silêncio teria sido bem mais benéfica à imagem deste juiz que já deu muito à justiça portuguesa. Num ponto estamos totalmente de acordo: a actual Lei de Política Criminal não serve para nada e “mais parece uma forma simbólica de afirmação de poder”, inconsequente, acrescentamos nós!

AUTOMÓVEIS DENUNCIADORES

Desde o início do século passado, os automóveis tornaram-se objectos de culto e de utilidade, acessíveis ao mais comum dos mortais, obviamente daqueles que têm dinheiro para os adquirir. Paralelamente os automóveis transformaram-se em elementos com capacidade de conferir estatuto social aos proprietários e utilizadores.

É infindável a lista das potencialidades que os automóveis podem conferir aos respectivos titulares. Do arranjar namoradas, à demonstração de poderio económico, ainda que num caso como noutro, na prática, não possuam atributos capazes de garantir o êxito, os automóveis podem na realidade ser a chave do sucesso de um qualquer ser pensante.

A crise económica que tem grassado em Portugal nos últimos dez anos e os esforços dos sucessivos Governos em amealharem receitas, levando a pagar impostos aqueles que sucessivamente se esforçam em escapar à malha do fisco, terá aguçado o engenho da máquina fiscal, ao ponto de alguém perceber que residia nas características dos automóveis dos contribuintes a chave para arrecadar mais uns milhões de euros.

Não sendo, na realidade, a ideia nova, por, na teoria, há vários anos ser um elemento a ter em conta em termos de avaliação de indícios de ostentação indevida de riqueza, tem sido um mecanismo pouco valorizado e poucos proveitos tem proporcionado ao Estado, fruto das contradições existentes.

A incapacidade de controlo da situação portuguesa resulta do facto de termos, em número bem superior ao suposto e desejável, uma infinidade de seguidores do célebre Al Capone que fez doutrina ao defender que, com tantas formas legais de contornar as leis não havia necessidade de se cometerem ilegalidades. Ora é precisamente aqui que entronca a questão, na medida em que, embora os automóveis continuem a conferir estatuto social, existe uma imensidão de formas legais de se evitar ser agarrado pelo fisco, utilizando os imperativos de tributação.

Assim, a estratégia seguida por muitos dos detentores de automóveis topo de gama e consequentemente elevado estatuto social, consiste em fazer com que, legalmente e perante o sistema, não seja seu o que por direito lhes pertence. Ou seja, sem se possuir rendimentos individuais, perante o fisco que justifiquem a compra, por exemplo, de um Ferrari, pode constituir-se uma sociedade em que o marido e a mulher são os sócios e através dela compra-se o bendito e reluzente veículo. Além de todas as despesas servirem para diminuir os lucros da sociedade e consequentemente reduzir os montantes a pagar ao fisco, um qualquer ilustre cidadão pode deste modo, auferindo um mísero salário mínimo, possuir um Ferrari e com ele os benefícios adjacentes.

Apesar de o procedimento descrito ser legal e estar em conformidade com as normas em vigor, não permitindo que alguém incomode tais ilustres cidadãos, moralmente é uma situação injusta e permite que as aparências enganem. É caso para se dizer que um pobre pode ser rico e ao mesmo tempo um rico pobre... Na realidade nem todos merecem usufruir do estatuto que os automóveis podem conferir...