LAMENTÁVEL...

A situação vivenciada no dia 25 de Maio de 2006, na Ilha de S. Miguel, a propósito da tolerância de ponto concedida pelo Governo Regional devido ao encerramento das festas em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres, para os funcionários públicos da administração regional e que aqui prestam serviço, foi uma verdadeira patifaria.

A programação genética dita que a natureza humana sinta mal-estar, ansiedade, com as situações incongruentes. Nesta matéria, são particularmente incongruentes e geradoras de ansiedade as situações vivenciadas, cuja motivação não é atingível pela via da racionalidade, nem os responsáveis são identificáveis pela via racional.
Mas... vamos por partes!

No passado, quando, por despacho do Presidente do Governo Regional, era concedida uma tolerância de ponto para os funcionários da administração local e regional, o Ministro da República, através de despacho, concedia tolerância de ponto aos funcionários públicos, maioritariamente açorianos, que prestam serviço na região para a administração central.

Os ventos de mudança extinguiram a figura do Ministro da República e no mesmo espaço físico substituíram-na pela figura do Representante da República, pelos vistos com uma carga funcional aligeirada, ou melhor, verdadeiramente muito aligeirada ao ponto de nem ter competência para exarar um despacho que estenda a tolerância de ponto aos funcionários públicos que na região autónoma respectiva desempenham funções em instituições e organismos da administração central.

É compreensível que o esvaziamento do cargo de Representante da República tenha perdido a competência para exarar tal despacho, mas o mesmo não se pode afirmar quanto ao facto de não utilizar os canais privilegiados de comunicação de que dispõe junto do Governo Central no sentido de se tomar uma decisão quer seja em sentido positivo quer seja em sentido negativo. Pior que um não é um «nim»!

Pelo que é público, alguns dos responsáveis das instituições e organismos dependentes da administração central, sediados na Ilha de São Miguel, desdobraram-se em contactos com as respectivas hierarquias funcionais no sentido de se tomar uma decisão sobre o assunto, mas obviamente demonstraram relutância em transportar até ao cume da pirâmide a pretensão de uns quantos, maioritariamente açorianos como os demais, que, embora exercendo funções em áreas vitais para a sociedade local, de vez em quando têm tratamento de segunda, de terceira ou de quarta...

Embora as chefias locais tenham competência em termos de gestão de pessoal, não dispõem de prerrogativas que lhes permitam encerrar um serviço ou departamento, deixando-os numa situação ingrata perante os funcionários que dirigem.

Longe de ser juiz em causa própria, até porque não é verdadeiramente o caso, custou-nos particularmente ver os elementos das forças policiais não terem sido contemplados com um merecido dia de folga suplementar, depois de sacrificaram as suas vidas pessoais e familiares para garantirem a segurança durante as festividades do Senhor Santo Cristo dos Milagres, fruto dos trabalhos redobrados que o evento proporciona. Sobre isso fala-vos a experiência deste vosso amigo que durante 10 anos consecutivos esteve no terreno a dar o seu contributo.

Se a competência saiu da alçada do Representante da República, era suposto que essa mesma competência tivesse recaído sobre alguém que, na região, atendendo às especificidades regionais, a absorvesse sem que a deixasse «cair na rua»! Também esteve mal o Presidente do Governo Regional que, dispondo de canais de comunicação privilegiados com o Governo Central, não desenvolveu atempadamente esforços no sentido de acautelar a situação.

Obviamente que se trata de uma mísera tolerância de ponto ou de uma mísera folga de serviço, conforme lhe quiserem chamar, sem qualquer relevo social. Todavia não deixa de ser uma demonstração das fragilidades de funcionamento de alguns dos organismos públicos centrais, sediados na região. Diga-se, em abono da verdade, alguns porque as vivências e as dificuldades e limitações apresentam grandes variações de organismo para organismo.

Tem sido um traço caracterizador da vivência em determinadas instituições na região, ser marcado por discriminações, inércias, separatismos e abandonos em posturas que nos lembram Caifás e Pilatos. Não se decide na região porque depende do Poder Central e o Poder Central não decide porque está longe geograficamente, porque está longe do conhecimento real da situação na região e não raras vezes porque devido à nossa dimensão está longe em termos de interesse e preocupação.

Se venerássemos o Santo António de Lisboa em vez do Senhor Santo Cristo dos Milagres, para além de termos de resolver o problema da sangria e das sardinhas, talvez o nosso problema de comunicação com o Poder Central estivesse resolvido por si, mas como não é o caso: – triste sina a nossa de termos de continuar desterrados e em tantas situações a viver abandonados e entregues à nossa sorte tal como náufragos no meio do mar!

Para que não existam «filhos e enteados», e se mais não for pelo menos em prol do conceito de autonomia progressiva, é conveniente que os próximos despachos do Presidente do Governo Regional, a concederem tolerância de ponto, passem a contemplar os funcionários da administração pública local, regional e central que prestam serviço na Região Autónoma dos Açores.

No «fim de contas», tudo isto não passa de um desabafo, para tirar a razão àquele nosso velho amigo que costuma afirmar: - Ah! Grande Nação...

FECHEM A CIDADE!

A cidade ficou conspurcada e nauseabunda. A cidade ficou a cheirar tão mal que necessita de ser urgentemente fechada para ser lavada e desinfectada. A situação atingiu tal dimensão na escala da porcaria que nem uma poção mágica à base de creolina e lixívia é suficiente para apagar a infestação e «badalhoquice».

Não é foice da nossa ceara, mas a situação é um verdadeiro atentado à saúde pública! A cidade precisava de ficar sob quarentena para que passeios e calçadas fossem lavados com jactos de pressão e muito detergente de preferência anti-desengordurante... Isto para se poder colocar a cidade, em termos de higiene e asseio, ao nível do que é tradicional.

Talvez por deficiência, causada por anos de profissão, em que, obrigados, tínhamos de evitar ou sanar confusões, a nossa vontade de participar em agitações e concentrações de massas espavoriu-se. Mas, como pai por princípio dedicado e movido pelos anseios da pequenota, como de costume, pelas 19H00 de Domingo passado, lá demos uma volta pelos espaços adstritos às festas.

A desolação foi total, até custava acreditar. Parece que a população perdeu o escrúpulo. Nas chamadas tascas as pessoas, esfomeadas e sequiosas, apinhavam-se. Os que serviam aquela população sedenta não tinham mãos a medir entre o receber os euros e o servir alimentos, sem qualquer rodeio ou regra de higiene.

Retivemos a imagem dos papéis, dos sacos e dos copos plásticos, das beatas, das cascas dos tremoços, das embalagens dos gelados, da gordura dos cachorros, das bifanas, do chouriço à bombeiro, do algodão doce e das pipocas ou freiras, como aqui usam chamar... a porcaria era tanta que até custava acreditar como era possível haver tanto «badalhôco» e «badalhoca», ao ponto de ter havido quem tivesse urinado e defecar entre os carros estacionados.

Quem passou na Avenida junto à Rua da Alfândega, onde existe uma casa de banho pré-fabricada, com o cheiro pestilento e nauseabundo que pairava no ar, se tinha fome, no mínimo, perdeu o apetite de comer fosse o que fosse durante um bom par de horas!

É verdade que tamanha concentração de população produz toneladas de lixo, mas não é menos verdade que se as pessoas estivessem consciencializadas de que sujar e conspurcar a via pública é uma incivilidade, seria bem mais fácil a limpeza e a conservação da cidade limpa.
Recordamos aquilo que o nosso bom amigo Jorge Nascimento Cabral escreveu no ano passado sobre o assunto, alertando as consciências para tanta porcaria. Porém, fazendo das suas as nossas palavras, lamentavelmente, de ano para ano parece não ter limites a capacidade dos habitantes desta terra de conspurcarem os espaços públicos.

Nem o saber-se que as Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres são cada vez mais um cartaz de visita desta ilha verdejante para os filhos que daqui partiram como para todos os outros...e os outros que, aguçados pela curiosidade e interesse aqui desembocam, parece ser suficiente para demover tamanha apetência pela sujidade.

No meio de tanto esterco e incivilidade não podemos deixar de destacar aquela criança com seis ou sete anos que, segurando na sua mãozita um guardanapo de papel, que serviu para proteger da sujidade das mãos o cone de bolacha baunilha do gelado, perante um chão pejado de lixo e uma papeleira de parede a abarrotar, pediu ao pai para a levantar no ar de modo a poder pôr o papelito amarrotado no sítio certo.

Foi atinente e ao mesmo tempo tranquilizador ver aquele gesto da nova geração, demonstrando uma grande sensibilidade para as questões ambientais que os mais velhos teimam em ignorar.

Esperamos que para o ano não seja ainda pior mas, pior do que isto, será indescritível!

A NECESSIDADE DE SUPERVISÃO!

A Polícia de Segurança Pública e a Prevenção Rodoviária Açoriana, nos Açores, responderam ao apelo Comunitário difundido pela Carta Europeia de Segurança Rodoviária que consiste em reduzir para metade até 2010 o número de mortes nas estradas europeias, que, como se sabe, em 2001 atingiu as 50.000 vítimas mortais.

Aquelas entidades, se melhor o pensaram, melhor o fizeram e, deitando mãos à obra, colocaram o manequim de um polícia, bem como a imagem da traseira de uma viatura policial nas vias-rápidas de Ponta Delgada, com a finalidade de transmitirem a sensação de supervisão permanente e deste modo condicionar os comportamentos dos condutores.

Como era de esperar, a operação mereceu algumas críticas, umas a favor e, naturalmente, outras contra. Todavia, conforme foi divulgado, recentemente, pelos parceiros da iniciativa à comunicação social, os resultados falam por si, tendo o mérito principalmente de demonstrar que é possível abandonar a condução agressiva e a insegurança na estrada!

Durante seis meses foram fiscalizados 19.451 veículos automóveis dos quais 10.395 veículos na presença do manequim do polícia e da imagem da traseira da viatura e 9.056 veículos sem os referidos acessórios. Concluiu-se que, quando os condutores circulam na estrada sem a existência de elementos físicos que transmitam a tal ideia de supervisão, 27% circulam infringindo as normas estradais, nomeadamente excedendo os limites máximos de velocidade.

Quando nas estradas existem elementos físicos que recordam a supervisão, a propensão para infringir as normas diminui para 12% e com a particularidade desses 12% cometerem infracções de menor gravidade.

Outra conclusão igualmente pertinente a que se chegou prende-se com o facto de que a habituação dos condutores aos acessórios, contrariamente ao esperado, não conduziu a uma redução da eficácia dos acessórios. Assim, assistiram mesmo a um aumento da eficácia de 0,5% ao mês, constatando-se que no final da operação havia mais 3% dos condutores a respeitarem as normas do que no princípio da operação.

Os dados demonstraram que os condutores tornaram-se mais assertivos e passaram a demonstrar maior respeito pelas normas do Código da Estrada. Não deixa de espantar que tenha sido assim, mas é a realidade! A ameaça iminente de ser-se autuado, só por si, é suficiente para os demover da apetência pelo desrespeito das normas da estrada.

Embora a conexão em exclusivo da campanha referida e a redução da sinistralidade rodoviária registada nos Açores nos últimos seis meses em comparação com o período homólogo de 2004/2005, numa relação directa causa-efeito seja abusiva, é um facto que, nos Açores, se passou de 1.967 acidentes para 1.861, representando menos 106 acidentes. O número de 14 mortes passou para 4, menos 10 mortes. O número de feridos graves passou de 71 para 68 e apenas o número de feridos ligeiros aumentou ligeiramente, de 391 passou-se para 403, saldando-se em mais 12 feridos ligeiros.

Ganhou sobretudo a comunidade açoriana que, nos últimos seis meses, parece ter-se tornado mais cumpridora das normas, tendo passado a realizar uma condução mais defensiva e, conforme demonstram os dados, mais adequada ao conceito de segurança na estrada.

Com ou sem supervisão, nos últimos seis meses, os condutores açorianos foram mais conscientes, mais assertivos e conseguiram poupar dez vidas humanas e diminuir em mais de uma centena o número de acidentes na estrada. Por que motivo não devem continuar a comportar-se assim nos próximos seis meses e nos próximos seis meses e nos próximos...?

O RETORNO À TERAPIA FAMILIAR

Alfred Adler, na primeira metade do século XX, defendeu com afinco que todas as crianças oriundas de qualquer família e de qualquer condição social poderiam desenvolver sentimentos potenciadores de práticas criminais.

Viu os criminosos como «indivíduos que não se interessavam pelos outros», tendo em comum o facto de «serem todos cobardes» e agirem sobretudo movidos por um «complexo de inferioridade» que em interacção com o «normal desejo de poder» eram levados a cometer crimes.

Colheu na época frutos do êxito que obteve, tendo mesmo chegado, a partir de 1920, a abrir clínicas cuja especialidade era prestar orientação a pais, professores e educadores no sentido de melhor estarem preparados para lidar com a problemática dos comportamentos criminais.

A influência de Alfred Adler, no meio intelectual, foi posteriormente desvalorizada por conotação com as teorias amaldiçoadas do médico forense Cesare Lombroso por ter defendido que um indivíduo com uma deficiência física como a surdez, a cegueira entre outras, a partir dessa «inferioridade» iria desenvolver na sua personalidade formas de superar essa deficiência desenvolvendo outras potencialidades capazes de a superar.

O problema de Adler e que levou à sua desacreditação prende-se sobretudo com o facto de ter assumido uma crença em teorias pré-determinantes dos comportamentos dos indivíduos, desvalorizando a relatividade de uma multiplicidade infindável de variáveis de comportamentos que influenciam a propensão criminal.

Na realidade o seu legado não foi totalmente abandonado, assistindo-se hoje, a uma revisitação das suas teorias de forma mais ou menos assumida e a um retorno às suas metodologias. Quem não ouviu falar em acompanhamento e terapias familiares? Quem não ouviu falar nas ajudantes sócio-familiares e numa panóplia de outros técnicos cuja actividade diária é intervir em contexto familiar de modo a aconselharem e a influenciarem os comportamentos dos membros que constituem os agregados?

As referidas metodologias de intervenção familiar são hoje as mais unanimemente aceites sendo mesmo de prever que num futuro próximo, no caso concreto dos Açores, exista a necessidade de se multiplicarem as equipas multidisciplinares que prestam tal apoio, na medida em que têm o dom de trabalhar de forma personalizada as carências e debilidades de cada um dos agregados, valorizando tudo quanto de positivo possa ser valorizado e moldando o que necessita de ser moldado.

Dispomos de indicadores que nos permitem afirmar sem rodeios que em termos de propensão para a denúncia de parte significativa das problemáticas, associadas à vivência familiar, a Região Autónoma dos Açores está bastante à frente da realidade nacional.

Sem termos uma propensão para a denúncia como se verifica nos países nórdicos e sem termos também as virtudes do envolvimento e participação da comunidade nas questões de interesse comunitário, os Açores trilharam um percurso notável sendo hoje a região do país que maior crescimento da taxa de denúncia apresenta o que demonstra uma redução significativa das cifras negras e que Howard Jones (1971) chamou de números sombra. Tal mérito deve-se sobretudo a instituições de cariz social como a UMAR e mais recentemente a APAV, entre muitas outras, obviamente sem se esquecer os esforços desenvolvidos em termos de políticas sociais regionais e locais.

Perante o quadro traçado, defendemos que a visibilidade que atingiu nos Açores, tanto a problemática da criminalidade praticada em contexto familiar como a da criminalidade praticada nos espaços públicos, e que mina o sentimento de segurança, deve ser aproveitada no sentido de se incentivar o surgimento de valências que disseminem a prática de terapias familiares, apostando-se numa postura preventiva em detrimento dos planos reactivos e repressivos desencadeados com o denunciar das situações.

DOUTA DECISÃO!

As rupturas conjugais, mais vulgarmente designadas por separações ou divórcios e respectivas influências no crescimento e desenvolvimento dos filhos, têm sido amplamente analisadas e dissecadas pelas ciências humanas e sociais. Muitos têm sido os estudos sobre a problemática. Facilmente poderíamos preencher todo este espaço que nos é reservado com referências bibliográficas a propósito.

Obviamente que, para evitar o enfado, não o fazemos, contudo não deixamos de citar a obra «Comportamento Anti-Social e Família», de António Castro Fonseca, (Ed.) publicado pela editora Almedina, em 2002. Trata-se de uma compilação de textos de referência, produzidos por inúmeros autores, muitos deles com reconhecimento internacional, onde os interessados poderão encontrar ampla informação sobre a problemática, formulando e fundamentando as suas convicções sobre o assunto.

Uma das conclusões para a qual praticamente todos os estudos ali citados se inclinam é de que a vivência de uma separação entre os pais exerce profundas influências negativas na formação da personalidade dos filhos. Neste caso, as demonstrações científicas não refutam as convicções populares que afirmam que numa separação os filhos são as principais vítimas.

Como alguém costuma dizer, o povo, na sua essência ou na sua pureza, não é estúpido e raramente se engana. O grande problema é que por vezes atribuem-lhe o que não é sua pertença, mas isso são questões de outro debate...Como dizíamos, o povo até tem razão embora não se possa generalizar uma influência negativa pré-determinista tal como decorre de uma qualquer lógica do género: separação dos pais + influência no desenvolvimento dos filhos = a formação de personalidade distorcida.

A má influência no crescimento e desenvolvimento das crianças, resultante da separação conjugal dos pais, não é linear na medida em que nela interagem uma multiplicidade de variáveis capazes de anular ou potenciar tal efeito.

Se a separação dos pais é negativa para o desenvolvimento dos filhos, a exposição das crianças, ao longo de anos, a quadros de disfuncionalidades familiares onde as violências e negligências várias são sistemáticas poderão ser bem piores do que as referidas rupturas familiares que por norma se traduzem em ruputuras afectivas.

Uma das filosofias que relativamente à protecção dos menores tem sido seguida no nosso país assenta no evitar a todo o custo a vivência da uma separação por parte das crianças. Verifica-se tal tendência em sede de processo de divórcio onde se esgotam os esforços por parte dos tribunais em tentar a reconciliação do casal.

Também nas situações em que os menores estão em perigo, devido a situações de maus-tratos resultantes de actos de violência ou de negligência, os tribunais esforçam-se a todo o custo por evitar que o menor seja compulsivamente separado dos pais e acolhido numa instituição, família de acolhimento ou família de adopção.

Tal filosofia tem mesmo dignidade constitucional em Portugal na medida em que o artigo 36.º, n.º 6, (CRP) fixa que «os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.»

Pelo que acabamos de referir, espanta que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que esta semana veio a público sobre a adopção de uma criança contra a vontade dos pais biológicos tenha causado tanta estranheza! A decisão daquele tribunal revela rigor na aplicação da justiça com coragem e com determinação no sentido da garantia do que é melhor para a criança, embora erroneamente possa parecer que romper com a crença humanista da capacidade de regeneração dos seres humanos.

Se uma família maltrata, por acção ou omissão, um filho, devem ser desenvolvidos esforços por parte das diferentes instituições de cariz social no sentido de fazer cessar o mau trato, num espaço relativamente curto, no sentido dos reais interesses dessa criança. Se apesar dos esforços desenvolvidos não se denota o envolvimento, a participação e a assertividade dos pais não se pode, com prejuízo da criança, deixar arrastar por tempo indeterminado a situação até que os pais algum dia tenham vontade de colaborar se é que algum dia vão ter vontade de colaborar!

Neste contexto, o referido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra não pode merecer outro comentário que não seja o de regozijo pela douta decisão de acautelar os reais interesses da criança.

Foi assegurada a prevenção especial com a intenção de permitir que a criança finalmente tenha uma família e um lar onde possa crescer e desenvolver-se de forma harmoniosa. Por outro lado ficou plenamente assegurada a prevenção geral em sentido positivo de levar as pessoas a perceberem a necessidade de se reforçar a consciência colectiva da validade e da utilidade de serem indivíduos responsáveis e cumpridores das suas obrigações, no caso, para com os filhos.

É fundamental, sobretudo no âmbito do direito da família, reforçar-se a ideia de que é positivo cumprir as normas e as obrigações de proporcionar a harmonia e a satisfação dos diferentes níveis de necessidades aos filhos. Aqueles que não aceitam cumprir as suas obrigações, nem sequer se esforçam minimamente para o conseguir, não podem viver eternamente a reivindicar direitos e dispor de tudo e de todos.

Cada vez mais faz sentido falar-se em garantir direitos apenas quando se comunga e desenvolve uma cultura de responsabilização. Por tudo isto o país deve estar grato ao Tribunal da Relação de Coimbra!

P.S.: Hoje é dia das festas maiores dos Açores. Dia do Senhor Santo Cristo dos Milagres, por isso não podemos deixar de enviar uma saudação muito especial a todos quantos nos visitam e na fé partilham a açorianidade de um povo que da mistura do negro do basalto com o suor aprendeu a fazer obra e a multiplicar o pão.

A LIBERALIZAÇÃO DAS DROGAS!

Há por aí um lobby que se tem esforçado por defender a liberalização das drogas leves. Se o conseguissem, seguindo a tendência natural das coisas, um dia viriam defender a liberalização de todas as drogas!

As influências no sentido da legalização das drogas leves vão sendo exercidas na penumbra dos corredores do poder e de quando em vez de forma mais ou menos sub-reptícia vão sendo enviadas algumas mensagens à comunidade.

Alguém, em tempos, devidamente identificado, fez um graffit no viaduto sobre a Rua Direita das Larannjeiras, no qual foi desenhada uma folha de cannabis e ao lado escreveu a mensagem «Legal como a imperial». Ainda lá está para quem quiser ver!

Um grupo de estudantes de enfermagem da Escola Superior de Saúde do Vale do Ave, preocupado com o assunto, enviou-nos um e-mail no sentido de saber qual a nossa opinião. Contactaram-nos, conforme justificaram por terem lido a nossa última publicação «Dependências e Outras Violências...», editada pela DRJFPE/CRA-PSP, 2005, e disponível em www.albertopeixoto.blogspot.com.

Aceitámos o desafio, argumentando no sentido da desmistificação com o facto de em nenhum país do mundo se acreditar que a liberalização das drogas leve à sua redução de consumo. Este é um facto que permite compreender o porquê de nenhum país no mundo ter deixado de assumir, pelo menos oficialmente, uma postura restritiva e mesmo punitiva em relação às várias substâncias vulgarmente designadas por drogas. Mesmo no caso da Holanda, onde existe uma certa abertura em relação às ditas drogas leves, o tráfico de droga é punido criminalmente.

Quando falamos de uma política de liberalização de drogas, não podemos deixar de questionar o que pretendem afinal. Será que pretendem a liberalização da produção e comercialização? a liberalização do consumo? ou as duas?

1) Quanto à liberalização da produção e comercialização; nesta matéria, não existe nenhum país que aceite ou defenda a liberalização da produção e respectiva comercialização, o que levaria necessariamente a um aumento da produção, dada a sua facilidade de cultivo em alguns casos. Por exemplo, na Colômbia, o cultivo de um qualquer cereal apenas garante uma cultura anual enquanto o cultivo de folha de coca permite quatro culturas anuais propiciando rendimentos por cultura muito superiores aos conseguidos com a cultura de qualquer cereal apesar de subsidiado pelo Governo local.

As autoridades colombianas, quando confrontadas com a produção de cocaína, tendem a culpabilizar os consumidores do ocidente, argumentando que, se aqueles não existissem, deixaria de haver a produção. Foi já defendida, por altos responsáveis colombianos, conforme está documentado no livro «Um Mundo Sem Medo», de Baltasar Garzón, editado pela Âmbar, 2006, a mistura de venenos na cocaína que levassem à morte todos os consumidores como forma de se acabar com o tráfico.

2) No tocante à defesa da liberalização do consumo, podemos afirmar sem rodeios que não levaria à redução do consumo antes pelo contrário. Com António Guterres como Primeiro-Ministro Portugal, em 2001, passou a dispor de uma política de descriminalização do consumo com a finalidade de não entravar o tratamento dos toxicodependentes, embora continuasse a apostar na penalização do consumo com uma coima a aplicar no âmbito de um processo de contra-ordenação pelas Comissões de Dissuasão da Toxicodependência.

Se tal política facilitou em parte o acesso ao tratamento com motivação emprestada e à redução de riscos de consumo, tal política não conseguiu diminuir a prevalência do consumo, nem conseguiu travar a proliferação do tráfico de droga que ano após ano foi permitindo atingirem-se novos recordes. Recorde-se que estamos em Maio de 2006 e já foram apreendidas quantidades de estupefacientes que ultrapassam as quantidades apreendidas durante os 365 dias do ano de 2005.

Os dados nacionais disponíveis demonstram mesmo que o consumo nos últimos anos registou um aumento ao nível de todas as substâncias, com excepção da heroína, destacando-se mesmo o crescimento muito significativo do consumo de cocaína.

A argumentação das propriedades medicinais da cannabis não pode ser invocada no sentido da liberalização do consumo. Por um lado não está ainda devidamente demonstrado cientificamente que a cannabis tenha tais propriedades medicinais. Por outro lado existem substâncias legais devidamente certificadas laboratorialmente que garantem as potencialidades medicinais que pretendem atribuir à cannabis.

No caso concreto dos Açores, onde existem, na actualidade, cerca de 30.000 alcoólicos e 5.000 dependentes de drogas ilícitas. Com uma liberalização total do consumo de tais substâncias, como acontece, por exemplo, com o álcool, dadas as características da população açoriana, caracterizada por um isolamento/fechamento e ao mesmo tempo a proximidade interpessoal, tal conduziria necessariamente a uma profunda alteração em termos de volume de dependências. Estimamos que em tal cenário, durante uma geração (trinta anos), o número de toxicodependentes de drogas ultrapassasse o actual número de alcoólicos, fruto da ausência do mecanismo de censura familiar/social existente na actualidade que, apesar de tudo, continua a ser o mais eficaz mecanismo inibidor das experiências e prevalências de consumo de substâncias ilícitas.

O modelo de organização social do mundo ocidental, onde conceitos de bem-estar, prazer, sucesso, afastamento da dor e do sofrimento potenciam o consumo de substâncias que desinibem e conduzem ao prazer de um momento, permitem adivinhar que a prevalência do consumo será tendencialmente crescente havendo mesmo a possibilidade de surgirem novas drogas e «desgraçadamente» termos de aprender a viver com esta realidade!

Embora sem se conseguir combater definitivamente este fenómeno, o esforço de controlo passará não pela liberalização, mas necessariamente por uma política tripartida: 1) restritiva e repressiva em relação ao tráfico; 2) de apoio e incentivo ao tratamento bem como na redução de riscos junto dos dependentes; e 3) de informação e prevenção a par de uma aposta no rasteio do consumo nas escolas cada vez mais precoce de modo a permitir a intervenção e o acompanhamento adequado dos casos detectados com o objectivo de se incentivar à não repetição do consumo.

Portanto, quanto à possibilidade de liberalização das drogas, o melhor é esquecer tal ideia!

O SISTEMA DE NÃO ALTERAR!

Esta semana vivenciámos mais uma daquelas situações que demonstram como ainda são fortes alguns dos poderes corporativos em Portugal! Há séculos que nos habituámos a lamentar o nosso fado e com um olhar profundo e acutilante denunciamos os tormentos que nos perseguem.

Não hesitamos em pôr a nu as incompetências, as inoperâncias e as disfuncionalidades de uma máquina que apelidamos de sistema. Por simplificação e comodidade com a finalidade de expiação dos nossos pecados não vacilamos na reprovação do sistema indicando como caminho último a necessidade de declarar guerra ao sistema que nos entrava, embrutece e insensibiliza.

Críticas há que, conforme a tamanha unanimidade concentrada em seu redor, não deixam outro espaço que não seja o da necessária intervenção, remodelação, reformulação e por vezes até se chega a tolerar a possibilidade de uma profunda revolução. Porém o problema maior surge quando alguém tem a «infeliz(!)» ideia de se deter na possibilidade de modificar algo, mesmo que não seja uma pequena modificação...

Tornou-se certo e banal o consenso em torno da necessidade de mudança, mas nada se consegue alterar no sistema, um milímetro que seja, sem provocar uma agitação de massas e uma onda de contestação.

Se a medida afectar negativamente um milhão ou mais de portugueses, por norma conseguimos reunir uns milhares nas ruas num esforço de exaltação colectiva em prol do direito negado. Todavia apesar da visibilidade da acção reivindicativa o resultado é por norma diminuto, chegando mesmo a ser utilizado argumentativamente pela tutela como um sinal de que a medida anunciada está no caminho certo. Neste cenário, a medida é implementada!

De contrário, se a medida anunciada tiver a capacidade de afectar positivamente milhões de portugueses, pondo em causa direitos adquiridos por parte de uma minoria, embora suscitando igualmente acções reivindicativas, não vemos milhares nas ruas, mas assistimos ordeiramente à reivindicação grupal através dos porta-vozes. Dita-nos a experiência que emerge do tal sistema que neste caso a reforma ou reformulação não se concretiza.

A avaliar pelos mecanismos de funcionamento da sociedade portuguesa, diz-nos a experiência que a proposta esta semana anunciada pelo Ministro da Justiça, Alberto Costa, à semelhança do que já acontece noutros países europeus, nomeadamente em França, do acesso de profissionais de outros ramos do saber, para além do Direito, como a Sociologia, a Psicologia, a Criminologia ou a Economia às carreiras da magistratura, após a passagem pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ), por questões puramente corporativistas, não vai ser concretizada.

A intenção de “diversificar o acesso ao CEJ e assegurar mais vias de acesso à Magistratura” acolhe a concordância da Directora daquele centro de estudos. Paradoxalmente foi a primeira pessoa a ser nomeada directora daquela instituição sem ser magistrada tendo na altura da sua nomeação desencadeado, igualmente, por motivos corporativistas o pedido de demissão de um grupo de magistrados que ali leccionavam.

Embora a ideia tenha já sido liminarmente recusada pelos respectivos representantes corporativos, supostamente afectados, num esforço de negar a possibilidade de discussão pública, seria pelo menos conveniente observar com a humildade que a alteridade exige aquilo que os outros têm feito de positivo, em que situações e em que áreas de intervenção.

Será que os nossos magistrados, fartos de se lamentarem dos excessos de formalismo jurídicos, nomeadamente dos ferretes da escrituração das sentenças e de outros actos dispensáveis, desejam administrar também em exclusividade a justiça restaurativa com o mesmo formalismo em detrimento do exigido bom senso e respectiva negociação?