OS DEZ MANDAMENTOS DO TRÂNSITO

Não tendo a Igreja Católica o fulgor de outros séculos, ao nível da capacidade de influenciar o comportamento dos fiéis, certo é que enquanto instituição continua a desempenhar um dos mais importantes papéis socializadores dos indivíduos.

Muito provavelmente consciente do seu poder de influência, o Vaticano entendeu que deveria colocá-lo à disposição dos utilizadores das estradas, no sentido de reduzir a sinistralidade rodoviária, motivo pelo qual, baseado nas mais importantes normas de cariz religioso, facilitadoras do convívio social, vulgarmente designadas de «Dez Mandamentos da Lei de Deus», terá recentemente apresentado os «Dez Mandamentos do Trânsito».

Independentemente do impacto que a medida possa vir a produzir no mundo ocidental, não podemos deixar de enaltecer o gesto, valorizando-o por ser mais um contributo para a redução da sinistralidade rodoviária, considerada, a nível mundial, a principal causa de morte evitável.

Escusado será recordar que, segundo a Doutrina Católica, a violação dos Mandamentos constitui pecado mortal, o qual inviabiliza a possibilidade de o Homem atingir a felicidade suprema, em síntese, a vida eterna. Para além das convicções religiosas que cada um possua, em termos de crenças e práticas, acreditando ou não na vida eterna, numa perspectiva racionalista quanto à vivência terrestre, não haverá alma que, numa lógica de liberdade de circulação, ouse duvidar de que a segurança rodoviária estaria bem mais garantida se todos seguissem à risca e em permanência os «Dez Mandamentos do Trânsito».

Assim, e dada a propensão acrescida para a ocorrência de sinistralidade gravosa nos meses de Verão, não hesitámos, neste número da Rotações, em associarmo-nos ao esforço do Vaticano no sentido da consciencialização de todos os utilizadores das vias públicas, independentemente da forma, pelo que, cumulativamente com um voto de Boas Férias, transcrevemos:

1) Não matarás;
2) A estrada seja para ti um instrumento de comunhão, não de danos mortais;
3) Cortesia, correcção e prudência ajudar-te-ão;
4) Sê cuidadoso e ajuda o próximo em necessidade, especialmente se for vítima de um acidente;
5) O automóvel não seja para ti expressão de poder, de domínio e ocasião de pecado;
6) Convence os jovens e os menos jovens a não conduzirem quando não estão em condições de o fazer;
7) Apoia as famílias vítimas dos acidentes;
8) Procura conciliar a vítima e o automobilista agressor, para que possam viver a experiência libertadora do perdão;
9) Na estrada, tutela a parte mais fraca;
10) Sente-te responsável pelos outros.

Mais palavras para quê?

ATROPELAMENTOS

Apesar de as estatísticas, referentes à sinistralidade rodoviária, com o contributo dos condutores açorianos, principalmente nos dois últimos anos, apontarem para uma redução clara, chegam-nos indicadores recentes que dão conta de uma inversão da tendência ao nível dos atropelamentos dentro e fora das localidades.

Segundo a Direcção-Geral de Viação, em todo o território nacional, apenas entre Janeiro e Abril do corrente ano, na sequência de atropelados, 211 pessoas, vítimas dos mesmos, faleceram ou ficaram feridas gravemente e 1.654 ficaram com ferimentos ligeiros.

Durante o mês de Abril último, devido a atropelamentos dentro das localidades, oito pessoas morreram e 54 pessoas foram internadas devido a ferimentos graves a somar às 46 pessoas mortas por atropelamento fora das localidades.

Em 2006, foram atropelados, dentro das localidades, 6.248 pessoas, das quais 88 tiveram morte imediata, 5.612 sofreram ferimentos ligeiros e 548 pessoas ficaram gravemente feridas. Na travessia de passadeirasm, 13 pessoas encontraram a morte e 158 ficaram feridas gravemente.

Entre todos os indicadores apresentados, referentes a 2007, denota-se uma tendência clara de crescimento na ordem dos 10% em relação ao mesmo período em 2006, o que nos deve fazer reflectir, principalmente depois de ter sido divulgado que a segurança nas estradas portuguesas estava a aumentar.

As tendências descritas vêm demonstrar que, apesar da visibilidade social que a sinistralidade rodoviária conseguiu granjear sobretudo por força da comunicação social, não estão solidificadas alterações nos comportamentos dos condutores portugueses. O excesso de velocidade, a errada representação das capacidades individuais e dos demais condutores, a par de uma desvalorização da necessidade imperiosa do cumprimento das normas estradais e de convivência social, continuam a ser os principais obstáculos à rentabilização da segurança nas nossas estradas.

Tudo isto dá que pensar, servindo ao mesmo tempo para demonstrar que as mentalidades e os comportamentos constituem as variáveis mais difíceis de alterar numa qualquer sociedade. Nem mesmo a morte e o sofrimento dos demais, ainda que sendo nossos familiares ou amigos, parece ser suficiente para fazer reduzir a propensão para os comportamentos de risco.

O mais recente estudo efectuado em Ponta Delgada sobre comportamentos de risco e diversão nocturna concluiu que apesar das diferentes estratégias utilizadas em campanhas de segurança rodoviária, os indivíduos até aos 30 anos, que saem de casa à noite entre uma a três vezes por semana para se divertirem, em 26% das saídas, fizeram-se transportar em veículos conduzidos por condutor que se encontrava sob o efeito de álcool e/ou droga. Chegaram mesmo a assumir terem durante tais saídas nos últimos 30 dias conduzido embriagados, 9,5% dos inquiridos, e 5,8%, sob o efeito de droga.

Mesmo que para algumas pessoas os valores possam não ser muito expressivos, em termos de dimensão, não podem ser desvalorizados, dadas as possíveis consequências de tais actos.

Se nos últimos anos o pessimismo social, a crise económica e o custo dos combustíveis deram um contributo para a redução da sinistralidade, a tendência de crescimento económico, verificada em 2007, a par de um abrandamento no custo dos combustíveis em interacção com os comportamentos de risco, explicam o porquê do aumento dos atropelamentos.

É SEMPRE A MESMA COISA...

A estação de rádio TSF emitiu, no passado dia 20 de Junho de 2007, o programa denominado «Fórum», dedicado ao tema da prática da eutanásia a propósito de uma investigação no âmbito de uma tese de mestrado realizada na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

A referida tese surpreendeu alguns dos que se dizem entendidos na matéria por os resultados apurados, a favor da eutanásia, serem considerados demasiadamente elevados. Tal como por cá, espanta como todo um conjunto de pseudo especialistas na matéria, frequentemente chamados a comentar assuntos relacionados com o tema, apresentem tamanhas doses de desconhecimento e mesmo assim continuem agarrados a alguns cargos de protagonismo, apelidados de defenderem a aplicação da ética nas ciências da vida, confundam opiniões pessoais com resultados de estudos cientificamente elaborados.

Por vezes ficamos até com a impressão de que a validação científica deste ou daquele estudo está dependente da vontade e do agrado dos resultados dessa corja de arautos do saber que perante dados demonstrativos daquilo que um determinado grupo populacional pensa sobre um assunto, mais não faz do que, em arrotos de sapiência, questionar a validade do estudo através da dimensão da amostra e da respectiva representatividade e outras questões colaterais...

Se fossem especialistas em métodos e técnicas de investigação sociológica, curvar-nos-íamos perante as suas demonstrações desde que devidamente fundamentadas, mas nesse caso mandaríamos às malvas os comentários que fazem sobre a eutanásia. Sendo chamados a pronunciar-se sobre a eutanásia, pois que falem até exalarem ventosidades de má disposição ou como diz o fadista «até que a voz lhe doa»!

Por isso é que dizemos ser sempre a mesma coisa... Pessoas supostamente com responsabilidade teimam em confundir opiniões pessoais com resultados de estudos científicos. E pior, esquecem o que de mais elementar há no mundo científico. Os dados científicos apenas se podem refutar com outros dados científicos.

Todos quantos pretendem refutar os resultados dos estudos sobre o que a população portuguesa pensa a respeito da aceitação da eutanásia apenas têm uma solução: inteirarem-se dos estudos realizados, respectivas metodologias e lançarem-se no terreno para, tal como S. Tomé, verem para crer. Salvo melhor opinião talvez fosse bom começarem por ler «Da Morte Da Eutanásia» das Edições Macaronésia, prefaciado pelo Mestre Barra da Costa!

ESTALOU O VERNIZ...

No DN de 08/Jun/2007, p. 11, o Comissário Jorge Resendes, dando voz ao Sindicato Nacional de Oficiais da Polícia (SNOP-PSP), querendo pôr um dedo na ferida, que, por ser profunda, colocou não só as duas mãos como também os pés em torno de uma questão que está muito para além das declarações prestadas àquele jornal, resumindo-se em nosso entender à crescente politização das polícias, em Portugal, verificada nos últimos dez anos.

Se numa primeira fase a reestruturação anunciada para as forças policiais, pelo então Ministro da Administração Interna, António Costa, criou mal-estar no seio da Guarda Nacional Republicana, sobretudo devido à extinção da Brigada de Trânsito e da Brigada Fiscal, e por outro lado satisfação dentro da Polícia de Segurança Pública que parecia sair reforçada, com a divulgação das propostas de Leis Orgânicas, notou-se uma inversão no sentido dos graus de satisfação, ao ponto do SNOP-PSP vir pedir a demissão de Orlando Romano da função de Director Nacional, enquanto principal responsável pela perda de influência da PSP.

É motivo para perguntar: o que se terá passado nos bastidores, para uma reestruturação, que inicialmente era favorável à PSP, passasse a ser-lhe claramente desfavorável? De forma simplista diz o SNOP-PSP que tudo se deve à falta de capacidade negocial de Orlando Romano e por isso deve ser demitido e substituído por um oficial de carreira.

Infelizmente os retoques de cosmética que têm sido ensaiados em termos de pseudo-reestruturações nas forças de segurança, cavaram marcas que não se apagam com a intervenção deste ou daquele director. Por mais capacidade que um director possua, sem a vontade política para uma real e objectiva inversão dos cenários, a direcção das polícias em Portugal continuará a ser uma máquina de corroer carreiras e personalidades. Por respeito aos visados, escusado é recordar os nomes dos que têm sido «tragados»...

Com excepção para a GNR, na qual foi sempre mantida uma linha ao nível da cúpula hierárquica, diga-se, bem menos permeável a influências político-ideológicas, pelo menos em termos de visibilidade, a chefia das demais polícias não tem estado isenta de purgas, protagonismos e outros ditames de falta de ética republicana cujo mérito se tem circunscrito ao reforço da confusão entre Polícia e Política que Hélène L’Heuillet de forma sublime põe a descoberto na obra «Alta Polícia Baixa Política».

Independentemente do que cada um de nós individualmente pensa sobre este ou aquele director, bem como das suas capacidades e conhecimentos para chefiar uma força policial, salvo raras excepções as demissões são «emendas piores que os sonetos»! Estamos convencidos que, com mais ou menos contestação, fruto do estatuto que possui junto de quem o nomeou, Orlando Romano vai levar o mandato até ao fim, o mesmo não se podendo afirmar quanto à recondução no cargo. Todavia o importante é que a reestruturação das forças policiais, a bem da segurança, se faça de forma serena, isenta, sem jogos de poder e de influências camufladas para que não seja mais uma oportunidade perdida...