IRRADICAR OU ANGARIAR POBREZA?

No passado dia 17 de Outubro, comemorou-se mais um «Dia Mundial para a Irradicação da Pobreza». Uma comemoração que só por si muito pouco pode contribuir para a desejada diminuição da pobreza.

Os relatórios internacionais referentes a Portugal dão conta do fracasso da luta contra a pobreza, sendo mesmo possível concluir-se que a situação se tem agravado. Em resposta ao divulgado, o Presidente da República declarou-se envergonhado com a caracterização efectuada sobre o fenómeno no nosso país no contexto europeu e mesmo mundial.

Na realidade, o quadro traçado não nos pode deixar de envergonhar e devemos, colectivamente, começar por questionar o modelo de desenvolvimento económico e social que tem sido seguido por Portugal. O pior de tudo é que nem nos podemos queixar da falta de recursos gastos no combate à pobreza.

Com tantos milhões e milhões de euros gastos, principalmente durante a última década, em políticas sociais, é inegável que os resultados deveriam se bem diferentes. Os dados apresentados e nomeadamente os últimos apresentados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) apenas nos podem levar a concluir que gastamos muito, mas gastamos mal.

Todos concordarão que o combate à pobreza passa, muito mais que distribuir dinheiro, por ministrar formação, capaz de quebrar o infernal ciclo da pobreza que «quase» de forma hereditária passa de pais para filhos.

Como agravante do quadro tradicional de pobreza, uma nova forma de pobreza nasceu tendo como progenitores os que cegamente procuraram equilibrar as contas do Estado não através da redução da despesa, mas, sim, através das receitas. Eis o verdadeiro mecanismo que ano após ano vai minando o poder económico das famílias portuguesas, sobretudo das ditas famílias da classe média.

Há cinco anos, Jorge Sampaio notabilizou-se com a chamada de atenção à então Ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, com a frase de que havia vida para além do défice. Recentemente, ainda que de forma tímida, Cavaco Silva, por outras palavras, alinhou pelo mesmo diapasão. Se havia dúvidas, o FMI veio esta semana confirmar precisamente tal teoria, exigindo contenção nos festejos do controlo do défice.

O grande contributo estatal para o agravamento da pobreza reside precisamente no facto de teimosamente se procurar controlar as contas públicas não através da redução da despesa, mas, sim, através do aumento das receitas tendo como consequência o empobrecimento das famílias portuguesas.

A título de exemplo, veja-se o seguinte paradoxo: em 2006, com o congelamento das carreiras da função pública, o Estado amealhou 500 milhões de euros. O relatório do Tribunal de Contas referente a 2006 denunciou que o Estado gastou 700 milhões de euros indevidamente. É assim, por estas e por outras, que as famílias vão ficando cada vez mais pobres, e o Estado, de obeso, cada vez mais sem capacidade para combater a pobreza!

SERINGAS NAS PRISÕES...

Dados dos próprios Serviços Prisionais, referentes a 2006, davam conta de que três em cada cem reclusos se injectam dentro das prisões portuguesas. Para sermos mais precisos, dos cerca de 12.000 reclusos, 360 reclusos, apesar das proibições, conseguem diariamente possuir seringas nas prisões e abastecer-se de estupefaciente e respectivo ácido para prepararem o caldo a fim de saciarem a dependência.

Perante tal facto, é irrefutável que entram estupefacientes nas prisões, entram seringas e todo um conjunto de objectos e produtos que por lei estão proibidos.
Outro facto irrefutável é que cerca de 60% do total de reclusos cumprem penas devido ao tráfico de estupefacientes e, embora não se encontrem em situação de dependência de uma qualquer substância psicoactiva, certo é que quase a sua totalidade já teve experiências de consumo.

O Estado, conhecedor desta realidade, e bem, há vários anos, permitiu que fosse proporcionado aos reclusos tratamento para abandono das dependências, através da implementação de programas em meio prisional como foi o caso da distribuição de metadona para substituição dos opiáceos. Nada a obstar! Tal política está de acordo com os princípios gerais da aplicação de penas, ou seja, assenta no princípio da reintegração do indivíduo na sociedade.

O mesmo não se pode dizer do novo programa que este Governo quer implementar: a distribuição de seringas aos reclusos. Não se tratasse de uma matéria delicada, até daria vontade de chorar ... de riso! Tal decisão não passa da maior demonstração de hipocrisia que se viu até hoje ao nível da política prisional. Até custa a acreditar que alguém minimamente conhecedor do modo de funcionamento da prisões portuguesas aceite implementar tal medida.

Se fosse Director dos Serviços Prisionais, no dia em que fosse implementada tal decisão, seria o primeiro a pedir a demissão do cargo, sobretudo depois de se saber o que aconteceu, por exemplo, em França.

O programa de distribuição de seringas a reclusos para injectarem a substância que quiserem, nas suas celas, é o que de mais incoerente pode existir, sendo uma clara demonstração de incompetência por parte do próprio Estado e a vários níveis.

Incompetência porque nem nas prisões o Estado consegue fazer cumprir as leis que implementa. Incompetência porque não consegue reorganizar a ocupação dos estabelecimentos. Incompetência porque nem sequer consegue garantir que não exista tráfico de estupefacientes nas prisões. Incompetência porque não consegue separar reclusos consumidores de estupefacientes de não consumidores. Incompetência porque nem nas prisões consegue garantir a segurança dos cidadãos.

Na realidade é bem mais fácil distribuir seringas a reclusos, fechar os olhos ao tráfico, ainda que tal levante problemas de segurança nas prisões, com a argumentação das doenças infecto-contagiosas do que acabar com as práticas sobejamente conhecidas que garantem o abastecimento das prisões e a não reintegração social dos reclusos.

Apesar do foguetório, na prática, tudo continua a resumir-se a muita teimosia, mas com enorme falta de visão...

PUBLICAÇÃO PROVIDENCIAL DE ESCUTAS

O episódio que em nosso entender deu origem a mais um escândalo no seio da justiça portuguesa, e que ainda poucos deram conta da sua dimensão, conta-se em poucas palavras. O fiscalista Saldanha Sanches, casado com a Procuradora Maria José Morgado, em 2002, acusou a então Ministra da Justiça, Celeste Cardona, de usar o cargo que ocupava para favorecer pessoas amigas. Da acusação resultou uma queixa por difamação e pedido de indemnização, movidos por Celeste Cardona, e que acabou com a absolvição do fiscalista. Um recurso junto do Tribunal da Relação obrigou à reapreciação do processo que tem marcado o próximo dia 19 de Outubro para leitura da sentença.

Quando tudo parecia normal, na edição de 29 de Setembro de 2007, o semanário «Sol» dirigido por José António Saraiva, publicou o conteúdo de escutas do processo Portucale entre as quais é visada a ex-ministra da justiça numa demonstração à medida das pretensões da defesa de Saldanha Sanches. Por coincidência, ou não, já o semanário «Expresso», na altura também dirigido por José António Saraiva, a 19 de Novembro de 2005, tinha publicado transcrições de escutas do mesmo processo, mas para provar que José Sócrates queria substituir Souto Moura por Rui Pereira.

Em bom rigor, o conteúdo das escutas telefónicas apenas pode ser usado para o fim específico constante na autorização do juiz, devendo tudo o que não é relevante ser destruído. À partida, se alguém tivesse conhecimento, no âmbito do processo, do seu conteúdo, nunca poderia ser usado, para outros fins, por ninguém incluindo o próprio Saldanha Sanches. A única forma possível de as escutas serem usadas em tribunal, como foram no dia 01 de Outubro, em defesa de Saldanha Sanches, em fins diferentes daqueles para os quais foram autorizados, era torná-las públicas, o que aconteceu através do «Sol» dois dias antes.

Perante todos estes factos, ou estamos perante um mar de coincidências que servem estrategicamente os interesses de Saldanha Sanches, ou alguém com profundos conhecimentos do funcionamento da justiça, com acesso facilitado ao conteúdo dos processos judiciais e com ligações promíscuas à comunicação social, julgando-se a única pessoa inteligente neste país, orquestrou tudo isto!

O Procurador-Geral da República, em nome da transparência do funcionamento do sistema judicial, não se pode remeter ao silêncio. Não pode deixar pairar no ar a mais pequena dúvida, a mais pequena incerteza sob pena de ser infligido mais um profundo golpe à justiça. Os factos são graves e a provar-se a promiscuidade com troca de favores entre operadores de justiça e os órgãos de comunicação social, sejam quem forem os visados, têm de ser responsabilizados criminalmente. Está em jogo a transparência e a soberania do Estado de Direito!

SEGURANÇA INTERNA E JUSTIÇA!

Apesar de a reforma da segurança interna ter sido aprovada a 1 de Março de 2007 pelo Governo e prometida a aprovação da nova lei em Junho, pelo próprio Primeiro-Ministro no Parlamento, em Fevereiro, só esta semana o projecto foi discutido em conselho de ministros.

O facto até teria passado quase despercebido não fossem, no final da semana passada, as reacções de diferentes membros do governo sobre uma peça publicada no Diário de Notícias, na qual se fazia referência ao conteúdo de algumas das alterações referidas no projecto de lei que já há algum tempo circulava na internet.

Os que vieram a terreiro apressaram-se a desmentir que fosse intenção do Governo reduzir os poderes do Procurador-Geral da República, da Polícia Judiciária e que houvesse qualquer intenção de politizar a justiça.

Através da comunicação social pudemos constatar que, poucos dias antes de o projecto ser discutido no conselho de ministros, havia membros do governo que o desconheciam, apesar de garantirem que as propostas divulgadas não iriam ser aprovadas. Na realidade, e como se veio a comprovar, o Governo não tinha a intenção de aprovar todas as propostas constantes no projecto de lei. Porém, ficou a dúvida sobre qual o sentido e a coerência desta reforma da segurança interna.

Os que seguem de perto o sector da justiça e da segurança interna, com tantos episódios, com tantos encontros e desencontros, com tantos avanços e recuos, não podem deter outra opinião que não seja uma profunda decepção com o profundo desnorte nesta matérias.

Inicialmente justificado com o esforço de redução da despesa pública e da rentabilização dos meios, parecia claro que o Governo queria redefinir o mapa judicial. Queria também concentrar as forças policiais em dois ramos distintos: um militar, no qual se situava a GNR, e um civil, no qual se aglutinavam as demais forças policiais.

O raciocínio parecia lógico e seguia o modelo que, na Europa, mais adeptos tem amealhado. Todavia, por falta de coragem política, cedendo a influências e a pressões, o que poderiam ser oportunidades de Portugal se reorganizar de modo a melhor responder aos novos desafios e necessidades, não passou de um mar de contradições a garantir a continuidade de modelos ultrapassados.

Embora reunidas as condições para que nesta legislatura se avançasse com as esperadas reformas da Justiça e da Segurança Interna, decorridos dois anos e meio, é notório que «alguém atirou a toalha ao chão». A alteração das férias judiciais não resolveu nada e até o próprio Ministro da Justiça já admitiu rever a medida. A lei das prioridades de investigação criminal não passa de fumaça. As novas leis orgânicas das forças policiais não inovam e quanto às alterações de âmbito penal, pouco se salva...

Como esta semana ficamos apenas a saber o que o Governo não quer em matéria de segurança interna, neste mar de desnorte, resta-nos aguardar pelo novo modelo de organização da investigação criminal, mas, infelizmente, as expectativas, com tudo o que se viu até agora, não são nada boas!