A DEBANDADA DOS DEPUTADOS!

A semana política ficou marcada pelo caso dos deputados que abandonaram a Assembleia da República Portuguesa mais cedo para irem gozar, pelos vistos, umas merecidas férias.

Os «bons rapazes» lá da Assembleia ficaram aborrecidos com a comunicação social que foi acusada de ter empolado a situação, dando demasiado enfoque ao sucedido, sendo mesmo considerada por alguns deles uma situação banal e sem importância de maior.

É verdade, se calhar os «bons rapazes» até têm razão e o caso não tem importância nenhuma se comparado com outros casos que eles sabem e nós não!

De todo este hilariante quadro, o que mais nos espantou foram as múltiplas reacções por parte dos actores de toda esta comédia. É natural que um qualquer incumpridor se esforce em desvalorizar a gravidade do seu comportamento, principalmente quando é alvo de reprovação ou de censura social, como são naturais as reacções de intolerância por parte de quem espera dos «bons rapazes» bons exemplos.

Paulo Portas, um dos faltosos, justificou o seu comportamento com o facto de o assunto que estava para votação não lhe interessar. Até tem razão, na nossa vida profissional, apenas devemos fazer e participar naquilo que nos interessa isto já para não falar nas nossas vidinhas pessoais!

As reacções mais sublimes em relação ao incidente vieram de Guilherme Silva e de Narana Coisseró culpabilizando o responsável pelo agendamento de votações na semana da Páscoa. Sem qualquer dúvida que foi a melhor reacção possível e a mais inteligente de todas para justificar que 107 deputados, cinquenta do PSD, quarenta e nove do PS, cinco do CDS, dois do PCP e um do Bloco de Esquerda, numa total falta de ética, tenham assinado o ponto e de seguida tenham dado de «frosques» quem sabe para ir comprar umas amendoazitas para as namoradas, esposas, mães, filhos e afilhados...

Somos tentados a admitir que a culpa não foi de quem agendou e não suspendeu os trabalhos na semana da Páscoa, mas sim de quem, votando, permitiu que aqueles 107 senhores tivessem sido eleitos deputados. Esta é que teria sido a verdadeira justificação para o sucedido, porque, segundo consta, aquela coisa de assinar o ponto e ir «dar uma volta» é prática mais ou menos comum, não sendo é frequente irem tantos de uma só vez como se verificou desta feita.

Então durante a semana da Páscoa os portugueses não trabalham? Já se esqueceram da necessidade de redução das férias judiciais? Já se esqueceram da necessidade de aumentar a produtividade dos portugueses? Bem sabemos que essa questão da necessidade de aumento da produtividade é só para aqueles que já produzem alguma coisita. Os outros como não produzem nada e vivem à custa dos que produzem qualquer coisita não têm de se preocupar...

Esteve bem Jaime Gama ao afirmar, na sessão de abertura do colóquio sobre «Ética e Política», no Parlamento, citando um pensador norte-americano, que «os legisladores devem fazer as leis e não quebrá-las» num claro desafio à necessidade de se credebilizar a classe política portuguesa.

Bom na realidade até temos de desculpar os nossos «bons rapazes», porque aqueles comportamentos acabam por espelhar o que se passa por esse país fora em muitos dos organismos estatais onde não é exercido qualquer controlo sobre o que se faz ou deixa de fazer. Ainda há poucos meses fizemos uma deslocação à cidade de Lisboa para uma reunião num organismo público. O responsável máximo com quem tínhamos agendada a reunião para as 10H00 compareceu às 11H20, na maior das calmas. Três dos quatro técnicos superiores com quem era suposto trocarmos algumas impressões, embora fosse suposto estarem nas instalações, tinham ido tratar de coisas das suas vidinhas!

Como costumava dizer um velho amigo: - Que Grande Nação!

«NEGLIGÊNCIA DECISIONAL»...

Datado de 27 de Maio de 2004, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, assinado pelos juízes Pereira Madeira, Santos Carvalho, Rodrigues da Costa e Quinta Gomes, reduziu a pena de 20 anos de prisão efectiva, aplicada a um indivíduo do sexo masculino que havia morto a esposa com dois tiros à queima-roupa, na presença dos filhos menores, para 16 anos de prisão.

Na altura, instalou-se a estupefacção social em conformidade com o pensamento de um conjunto de personalidades que gozam de algum protagonismo jurídico que não se pouparam a críticas, considerando o acórdão desfasado das expectativas sociais.

O referido acórdão assumiu um pendor conservador e até de certa forma machista, legitimando-se no Código Civil. Foi invocado o incumprimento dos deveres matrimoniais da vítima, por recusar ter relações sexuais com o marido, considerando como agravante a suspeita daquela lhe ser infiel.

Assim, depreendeu-se que tais factos foram considerados atenuantes para o comportamento do homicida. Associações de apoio a vítimas de violência, defensores dos direitos da mulheres, juristas e mesmo cidadãos comuns nem queriam acreditar no sucedido.

Volvidos quase dois anos, um outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça volta a pôr a sociedade portuguesa em alvoroço, por considerar legítima a utilização de violência na educação dos menores, afirmando mesmo que os pais ou educadores que se abstiverem em dar umas palmadas ou umas bofetadas nos seus educandos assumem uma postura de «negligência educacional».

É sabido que os juízes não têm necessariamente de ter conhecimentos profundos sobre metodologias e técnicas de educação, não têm de ser pedagogos para julgar um caso relacionado com a educação de crianças ou jovens, todavia era suposto saber-se que amarrar pés e mãos de crianças e fechá-las em quartos escuros é de todo inaceitável aos olhos dos demais.

Se as agressões descritas que configuram mesmo um caso de maus-tratos pela forma, reiterada no tempo, como foram praticadas, são graves numa criança saudável, sem qualquer limitação física ou psicológica, aos olhos do cidadão comum, aquele que o Direito designa de «homem médio», são ainda mais graves quando praticadas sobre uma criança que padece de uma psicose infantil grave como foi o caso. Contudo, pelos vistos, nada disto parece importar aos juízes conselheiros responsáveis pelo acórdão citado.

Numa época em que a ONU, através da UNICEF, tem vindo a desenvolver um plano para erradicar a prática da violência ao nível do ensino e da educação, é necessário estar-se muito desfasado da realidade para se ter uma visão positiva de tais práticas quando as próprias sociedades já consciencializaram que não são aceitáveis.

Os nossos juízes conselheiros, pelos vistos, parecem pretender viver numa sociedade característica dos finais do século XVIII, conforme descreveu Michel Foucault na obra Vigiar e Punir, em que era utilizada uma máquina a vapor para a rápida correcção das crianças, sendo mesmo possível encontrar-se editais em lugares públicos a avisar «pais e mães, tios, tias, tutores, tutoras, directores e directoras de internatos e, de modo geral, todas as pessoas que tenham crianças preguiçosas, gulosas, indóceis, desobedientes, briguentas, mexeriqueiras, faladoras, sem religião ou que tenham qualquer outro defeito, que o senhor Bicho-Papão e a senhora Tralha-Velha acabaram de colocar em cada distrito da cidade de Paris uma máquina semelhante à representada na gravura e recebem diariamente em seus estabelecimentos, de meio-dia às duas horas, crianças que precisem ser corrigidas.

A questão das metodologias de educação das crianças, adolescentes e jovens, continua a ser debatida com grande vivacidade, mas no sentido de se encontrarem formas lúdicas, apelativas e sobretudo motivadoras para quem está a aprender, estando totalmente ultrapassado o modelo da educação e correcção por via da utilização da violência física que produz repulsa, aversão e desmotivação.

Apesar de as sociedades ocidentais terem percebido que a violência é sempre inaceitável, há ainda práticas profundamente enraizadas, conforme denunciou Boaventura Sousa Santos, no Congresso da Cidadania, Nordeste- Açores, a 25-02-2005. Em Portugal, os pais continuam a fazer uso excessivo dos castigos físicos quando comparamos tais práticas com a maioria dos países europeus. Em média, em Portugal, usam-se os castigos físicos até aos 13 anos, enquanto nos demais países da Europa as referidas práticas não vão para além da idade dos 8 anos.

Quando deveríamos dispor de tribunais que se esforçassem por combater a violência e principalmente a utilizada nos processos educativos e que não perdessem nenhuma oportunidade em prol desse combate aplicando as leis existentes de modo a banir da sociedade comportamentos censuráveis e contrários às boas práticas educativas, assistimos a um grupo de juízes que se esforçam por decidir com base em pressupostos de senso comum, retrógrados, tentando fazer escola com aquilo que a sociedade se esforça por considerar intolerável. É desejável que quem continua a acreditar na utilização de violência para educar, defendendo-a, pelo menos que se esforce no sentido de conhecer as conclusões dos estudos de Naomi Eisenberger (2003), da Universidade da Califórnia, sobre os efeitos da dor física no córtex cingulato anterior e os seus resultados em termos comportamentais. Talvez mude de ideias...

As duas decisões do Supremo Tribunal de Justiça às quais fizemos alusão são a demonstração do lamentável esforço que de vez em quando, também, os senhores juízes conselheiros têm necessidade de desenvolver no sentido de se auto-afirmarem, de cultivarem algum protagonismo, ou talvez para reivindicarem alguma carência de carinho tal como o fazem as crianças que não têm atenção devida por parte dos pais e dos educadores.

É caso para alertar que quem, competindo-lhe zelar pelo cumprimento das leis existentes e não o faz, configura «negligência decisional»...

GOVERNAMENTALIZAÇÃO: DE QUÊ?

Durante quase duas semanas, a questão policial esteve na ordem do dia, marcando até a agenda do debate político do nosso país. Confessamos ser difícil encontrar no tempo um período em que se ouviu tanto disparate junto sobre tal matéria. Alguns desvalorizarão os disparates proferidos com o direito que todos temos à opinião!

É verdade, todos temos o direito à opinião! O direito à opinião até serve cabalmente para não dar importância aos disparates de grande parte de quem os profere, mas o mesmo já não pode ser dito em relação a muitas das pessoas que aceitam fazer parte do grupo dos que têm o dever de informar, de esclarecer, de explicar e sobretudo de não baralhar os demais.

Ocorre-nos escrever tudo isto a propósito das acusações de governamentalização da Polícia Judiciária (PJ), da politização ou das supostas tentativas de interferência que sob a forma de avalancha sobre nós se abateu... mas vamos por partes.

A PJ é hoje considerada uma Polícia prestigiada e reconhecida internacionalmente pela sua competência. Tem sabido gerir um capital de saber fazer, aprendido ao longo de décadas e sobretudo com a proximidade do conhecimento científico emergente quer da prática quer do Laboratório de Polícia Científica de que sempre dispôs como nenhuma outra Polícia em Portugal. A divisão de competências que sempre existiu entre a PJ e as demais Forças Policias outra coisa não poderia permitir.

Em parte justificado pela missão, ao logo da sua história, a PJ dispôs de um manancial de informação criminal que lhe permitiu colher proveitos, reivindicar posições e protagonismos. A informação criminal foi sendo concentrada e monopolizada. Outros países cometeram os mesmos erros, mas, por exemplo, Espanha, França e Itália são hoje demonstrações práticas de como as necessidades de adaptação às transformações criminais e às novas ameaças obrigaram a corrigir os erros e a seguir o rumo da eficiência e da eficácia em detrimento dos interesses corporativos instalados.

No caso espanhol, fruto da ameaça do terrorismo chamado ETA, a reestruturação das Forças Policiais tornou-se inevitável e hoje dispõem de uma das mais competentes Polícias de Investigação Criminal. Provou-o o atentado de 11 de Março de 2004 e mais recentemente o atentado de 7 de Julho de 2005 em Londres que levou a Polícia inglesa a pedir ajuda à congénere espanhola para, no terreno, em conjunto, investigarem o caso. Como em Portugal, felizmente, os acontecimentos em matéria criminal não têm obrigado, tudo tem sido gerido mais ou menos de acordo com as conveniências da ocasião, sem um rumo e sem uma estratégia que sirva verdadeiramente os interesses securitários portugueses.

Em 2000, a Lei 21 provocou uma profunda alteração das competências em matéria de investigação criminal redefinindo o que compete a cada Polícia. A alteração, na altura, foi sobretudo contestada pela PJ que defendeu a perda de informação, sobretudo da informação que se prende com a pequena criminalidade cujo valor é importante por constituir uma fonte de informação para a resolução da outra criminalidade – a mais grave.

Apesar dos agoiros de entropia profetizados na altura, nenhuma desgraça veio ao mundo e tudo se foi processando na maior das normalidades e até com benefício para a população. Muitos dos crimes que a PJ não tinha tempo para investigar ou que, por uma questão de prioridades não eram investigados, passaram a ter outro tratamento.
Cerca de 70% de todo o trabalho distribuído àquela Polícia, até então, passou para a PSP e GNR que, fruto de uma maior proximidade das populações e de uma maior penetração no submundo do pequeno crime, passaram a resolver parte do que anteriormente era liminarmente arquivado. De um total de cerca de 400.000 crimes por ano, denunciados em Portugal, de acordo com os dados de 2005, a PJ investiga pouco mais de 11.000 crimes. São sem margem para dúvidas os mais graves, mas por sinal os mais atípicos e que não caracterizam a criminalidade portuguesa, não justificando tanto fechamento e tanto monopólio de informação.

Combater a criminalidade portuguesa de hoje requer novas formas de abordagem. Se as ameaças são cada vez mais globais, não faz qualquer sentido que as Polícias tanto portuguesas como europeias possuam metodologias e estratégias que as dividam e as separem. É a própria União Europeia que o reconhece e recomenda aos Estados Membros que, fruto da ameaça terrorista, as Forças Policiais estejam cada vez mais próximas, cooperem mais e partilhem a informação.

Ora foi daqui que nasceu o esforço do Governo de José Sócrates em dar continuidade ao que na realidade foi iniciado em 2000. A acusação de governamentalização da Polícia Judiciária é totalmente infundada e descabida. Perdoem-nos a nossa convicção, mas quem o afirma ou desconhece toda esta novela de cordel ou está apostado em que tudo continue como está!

Desde quando é que os directores/comandantes das Polícias portuguesas não são nomeados por decisão política? Desde quando é que Política e Polícia não se confundiram? Desde quando é que Política e Polícia não se subjugam e auto-sustentam? Sejamos realistas!

O Gabinete Coordenador de Segurança é um órgão na dependência do Primeiro-Ministro, cujo coordenador é nomeado por decisão política. Trata-se de um órgão de cooperação onde têm assento representantes de todas as forças e serviços de segurança, cujo objectivo primeiro é a coordenação do combate à criminalidade. Se assim é, não faz qualquer sentido que exista alguma informação de cariz policial que não passe por aquele órgão independentemente de poder vir a ser explorada por esta ou por aquela Polícia.

Diga-se em abono da verdade, a informação fornecida pela EUROPOL ou INTERPOL, desde a primeira hora, deveria ter sido centralizada no Gabinete Coordenador de Segurança e não na posse de uma única Polícia, como acontece, gerindo-a e colhendo os proveitos mediáticos que entende.

No nosso artigo de 12 de Março de 2006, neste jornal, depois do erro cometido por Santos Cabral, quanto à criação da Unidade Rápida de Intervenção dentro da PJ, escrevemos que era um erro e que Santos Cabral não iria ter muito espaço para continuar como Director daquela Polícia. Foram só necessárias três semanas para que se confirmasse a nossa previsão! Se têm dúvidas, releiam o que escrevemos na altura...

Por tudo isto, cada vez faz menos sentido manter separado o que deveria estar próximo, interligado, a funcionar de forma cooperante e a rentabilizar os esforços...A menos que tenha sido reinventado o conceito de cooperação, deixando de ser sinónimo de partilha e benefício para todos!

RECONHECER OS ERROS...

Com algum impacto, foram reproduzidas as palavras de Carlos César, enquanto Presidente do Governo Regional dos Açores, dando conta da possibilidade de algumas das decisões políticas que o seu governo implementou ao longo dos últimos dez anos poderem vir a ser revogadas!

Conforme pudemos ler (Diário dos Açores, 28/03/2006, p. 2), Carlos César assumiu que «não compete aos governantes apenas cumprir aquilo que prometeram, executar obras tal como anunciado, compete igualmente ter capacidade de se adaptar à emergência de novas realidades.» A postura descrita demonstra vitalidade política, racionalidade e sobretudo coragem em assumir conscientemente que nem tudo foi decidido da forma mais correcta.

Também se lê da postura descrita, por via do apelo à necessidade de criatividade por parte da sua equipa e à própria opinião pública, um sinal claro para o não conformismo e não amarração às rotinas. Nada mais natural... Preocupante, para não dizermos grave, seria assumir uma postura contrária, demonstrando resignação, autismo, falta de bom senso e de uma visão política estratégica.

Por outro lado, convém, tal como preconizou Spencer, ter presente que as sociedades são dinâmicas e aglutinam todos os processos e resultados das actividades dirigidas pelos múltiplos intervenientes sociais, sendo sempre de esperar resultados com maior amplitude na sua complexidade em relação aos resultados conseguidos pela actividade de um único actor social.

O posicionamento político não pode ser mais do que uma parte da totalidade que intervém na vida social do homem, por princípio, melhorando-a. Não podendo ser a política a origem dos problemas e conflitos que nos assolam, apenas terá utilidade se conseguir pôr de lado o «meu e o teu» conforme defendeu Fernando Savater (1998).

As sociedades evoluem e estão em constante mutação. A região autónoma dos Açores de 2006 não é a mesma região de 1996. Muitas das necessidades desapareceram, outras transformaram-se e subdividiram-se, deram origem a outras a par de umas quantas que emergiram verdadeiramente da reorganização e dos novos modelos societários. Apesar disso, existe uma lógica definida a partir das partes que torna previsível a identificação de erros e consequentemente a inevitabilidade de os corrigir. Pior do que demonstrar vontade de não corrigir os erros seria não aceitá-los!

Os processos de aprendizagem provocam constrangimento, fazendo com que os indivíduos tendam a aprender e a moldar-se segundo as necessidades e padrões de comportamento socialmente aprovados e a evitar formas censuradas ou desaprovadas. Por isso o constrangimento é indispensável à sobrevivência política e das instituições em geral. Assim pudemos inferir que Carlos César soube ler nas entrelinhas e captar os requisitos essenciais da aprendizagem através da experiência, do contacto e da comunicação.

Com a mestria de um verdadeiro jogador de xadrez, consegue um chek-mate sobre os seus principais adversários políticos, transmitindo a mensagem clara de que, fruto da sua lucidez e capacidade de se auto-metamorfosear e de metamorfosear os outros, com a passagem do tempo, em função das necessidades, estará no cargo de Presidente do Governo Regional dos Açores pelo tempo que quiser!

CINCO NOTAS...

1) Ficámos a saber que o Partido Social Democrata (PSD), através de Marques Mendes, é a favor da aplicação da prisão preventiva só nos crimes punidos, em abstracto, com mais de cinco anos de prisão. Defender tal posição equivale a dizer que quem burla outras pessoas, quem furta, ou quem danifica, ainda que de forma reiterada, constituindo motivo de perturbação da paz social não pode ser preventivamente preso para fazer cessar os seus ímpetos.

As propostas do grupo de trabalho para a reforma do Código Penal, liderado por Rui Pereira defendem que, contrariamente aos actuais três anos de prisão, as condenações até cinco anos de prisão devem ser suspensas! A proposta de Rui Pereira não espanta...o mesmo não se pode dizer da proposta de Marques Mendes, líder do PSD.

Do ponto de vista ideológico, a proposta de Rui Pereira é uma verdadeira proposta de esquerda, na medida em que tradicionalmente desculpabiliza o delinquente e centra na sociedade a explicação para o comportamento criminal. Ora Marques Mendes traiu os princípios ideológicos da direita ao defender também uma posição menos punitiva para o delinquente.

Pelo que se sabe nada está ainda decidido embora tanto o governo como a oposição vejam com bons olhos uma menor aplicação, por parte dos tribunais, da pena de prisão, o que garante à partida a sua consecução. Sem que estejam assegurados outros mecanismos que garantam a não reincidência sobretudo dos delinquentes ligados à toxicodependência que ultrapassa os 50% do total da criminalidade praticada, não cremos que colectivamente a sociedade esteja preparada para lidar com a prática reiterada de determinados crimes sem que o indivíduo seja privado da liberdade.

É recorrente ouvir-se, com alguma indignação popular, que «as Polícias perderam a autoridade» ou «as Polícias prendem os criminosos e os juízes libertam-nos». Com as alterações sugeridas, será muito mais difícil um indivíduo ser preso pelos crimes que mais atormentam a população e mais afectam o sentimento de segurança.

É óbvio que sobretudo por desinvestimento no parque prisional, as prisões não são centros de reeducação e de reintegração dos delinquentes, todavia, sem que tenham surgido outras alternativas, continuam a ser a melhor garantia de que um determinado indivíduo que cometeu um crime, pelo menos enquanto está preso, veja reduzida a sua propensão para a prática criminal.

Tememos que algumas das alterações anunciadas resultem do discurso vingado de que existem demasiados presos preventivos em Portugal. Tal premissa é falsa e deve-se predominantemente a uma questão meramente conceptual, na medida em que países como a Inglaterra consideram um indivíduo preso preventivo apenas até ser alvo da primeira condenação, passando a ser condenado independentemente do direito ao recurso de que possa dispor. Em Portugal, considera-se preso preventivo um indivíduo que, por exemplo, já foi alvo de três condenações, mas como ainda tem um recurso no Tribunal Constitucional, continua a ser preso preventivo. Para reduzir o número de presos preventivos, basta alterar o conceito.

Já aqui por diversas vezes nos manifestámos a favor da justiça restaurativa, ou seja, da mediação penal e também a favor de uma crescente humanização das penas. Todavia é necessário encontrar-se um equilíbrio para que a comunidade não consciencialize que se generalizou a impunidade e que se culpabilize ainda mais as Polícias e os Tribunais pela inércia!

2) O caso do envolvimento de elementos da PSP na comercialização ilegal de armas de fogo não pode deixar de merecer uma nota de reparo na forma como todo o caso foi divulgado e dissecado pelos diferentes órgãos de comunicação social, diga-se em abono da verdade em parte por culpa de quem investigou e divulgou alguns dos resultados da operação.

Para bem da imagem da PSP é bom que tudo se clarifique, mas através da leitura das medidas de coacção aplicadas aos arguidos após primeiro interrogatório na sequência de uma investigação que, segundo foi divulgado, levou vários anos, ou muito nos enganamos ou este vai ser mais um daqueles processos que não vai dar em nada principalmente, pelo protagonismo de se ter feito crer ser o que não era! Guardem o que fica escrito neste texto para mais tarde verem se tínhamos ou não razão...

3) Quanto ao aproveitamento do caso da comercialização ilegal de armas para o governo desenvolver uma campanha para aqueles que possuem armas ilegais as entregarem voluntariamente às Polícias sem serem alvo de responsabilização criminal, dá vontade de rir! Que diabo, podemos estar mal mas não somos propriamente um país da América Latina...Com um pouco de sorte, talvez o governo consiga recuperar a arma de alguma triste viúva que por herança o finado lhe deixou, entregando-a a medo numa qualquer esquadra policial. Quanto às armas que estão na mão dos delinquentes, se não forem as Polícias a deitar-lhes a mão, não tenham ilusões porque aqueles fogem a sete pés das instalações policiais!

4) Não podemos deixar de felicitar Rogério Alves, o nosso ilustre professor de Direito Penal, na pós-graduação em Ciências Criminais, no Instituto Superior de Ciências da Saúde- Sul e actualmente bastonário da Ordem dos Advogados, pela forma sublime como demonstrou a José Miguel Júdice, sem equívocos como funciona uma Ordem dos Advogados num Estado de Direito Democrático. Já aqui nos havíamos insurgido por diversas vezes contra os comportamentos intoleráveis de José Miguel Júdice! Na realidade a sede de protagonismo tem limites...

5) Dando por bem empregue o tempo dedicado à leitura, sobretudo quando temos diante de nós aquilo que podemos designar de um bom livro, o mínimo que podemos fazer, ou melhor, o que devemos fazer, entendendo-se o «devemos» no sentido jurídico da obrigatoriedade da acção, é divulgá-lo e permitir que outros tenham acesso ao seu conteúdo.

Sabendo por experiência própria que a maior dádiva para quem escreve um livro é saber que existe alguém que o leu, a qualidade de Criminologia, de Maurice CUSSON, (2006), da editora Casa das Letras com a excelente tradução de Josefina Castro, obriga-nos não só a divulgá-lo como a recomendá-lo a todos quantos se preocupam com as questões criminais.

Embora existam outras obras de referência em matéria criminal como Criminologia Comparada, de Herman MANNHEIM, (1985), Vol. I e II, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa ou Criminologia – O Homem Delinquente e a Sociedade Criminógena, de Jorge de Figueiredo DIAS e Manuel da Costa ANDRADE, (1997), da Coimbra Editora, nenhuma outra obra de forma tão deslumbrante discute as principais teorias criminológicas. Ler Criminologia de Maurice CUSSON significa tornarmo-nos mais instruídos e também mais defensores dos princípios do humanismo realista. Por isso vale a pena lê-lo!

COMBATER O AZAR!

Desde sempre, o Homem deu mostras de querer conhecer e de querer controlar os acontecimentos, dos mais simples aos mais complexos. Foi assim no passado, é assim hoje e tudo está programado para garantir que assim seja amanhã...

O homem, por indicação da mulher, quis conhecer o sabor das «coisas boas», por isso sujeitou-se a comer o fruto proibido. Do acto resultou o conhecimento da sua nudez e por conseguinte das suas limitações e fragilidades. Desde esse momento o Homem tem trilhado uma via de procura incessante do conhecer e do saber de modo a que tenha sempre uma explicação até para o inexplicável.

Quando é possível explicar um fenómeno por via da demonstração racional, o ser humano com mais ou menos dificuldade curva-se perante o saber científico, pondo de lado o conhecimento comum e vulgar. A grande questão prende-se com a necessidade permanente de se preencher um vazio que a todo o custo não pode existir ainda que para tal tenha de adoptar uma explicação mítica ou sobrenatural.

A explicação dos fenómenos por via do sobrenatural tem sido recorrente e em alguns casos está de tal forma interiorizada que nem nos apercebemos da dimensão em que nos situamos.

Os séculos têm passado e com eles avança o progresso tecnológico, mas continuamos inexoravelmente a mover-nos e a situar-nos ora na dimensão real ora na dimensão metafísica, ou, se preferirmos, mais concretamente num limbo situado entre o real e o imaginário, povoado por alquimistas, bruxos, cartomantes e ao mesmo tempo por videntes, ídolos, santos e deuses.

Vêm-me estas ideias a propósito da forma como nos automóveis somos capazes de deixar transparecer as crenças, mitos e representações de cada um de nós quando ali transportamos ferraduras, figas, cornos, terços, imagens de santos, crucifixos, mas também dentes de alho, recipientes de terebintina ou de água benta, ramos de oliveira ou de alecrim benzidos, patas de coelho, sal, miniaturas de elefantes, terra de cemitério e outros de que o leitor já terá ouvido falar ou terá visualizado com os olhos que a terra há-de comer!

Toda a panóplia de objectos descritos, independentemente da sua natureza e dimensão, possuem a mesma função: – proteger do azar, nomeadamente, da possibilidade de ocorrência de um acidente rodoviário!

Em cada um de nós, enquanto condutor, existe uma perfeita consciência das causas de sinistralidade rodoviária, na Região Autónoma dos Açores, no país e no mundo. Porém existe uma dimensão causal, a mais profundamente relacionada com as culpas e responsabilidades individuais, que não cabe na esfera da nossa racionalidade, motivo pelo qual, não hesitámos em remetê-la para outro nível da compreensão humana. É aí que reside o azar, o mau olhado, a inveja, a bruxaria, a sorte ou falta dela, o castigo e a benção divina!

Todos quantos conduzimos temos a probabilidade de ter um acidente rodoviário. Esta é uma realidade irrefutável embora cada um tenha a capacidade de reduzir ou elevar essa probabilidade.

Não assumir as nossas incompetências, limitações e irresponsabilidades obriga-nos, ainda que inconscientemente, a transferir para a falta de sorte ou para o azar a culpa de termos um acidente e por isso faz sentido transportarmos no nosso veículo a motor amuletos e outros objectos. Quem o faz acredita que assim conquista a sorte, quando na realidade para a conquistar basta ter mais calma e conduzir mais devagar...