UM PROBLEMA SÉRIO...

Os mais antigos vestígios, que comprovam o consumo de bebidas com teor alcoólico, contam já 9.000 anos, num território onde se confinam as fronteiras da actual China, demonstrando que se trata de um comportamento milenar.

Como todos os comportamentos milenares, que chegaram até aos nossos dias, o consumo de bebidas alcoólicas está envolto por um conjunto de mitos e crenças, em boa parte, totalmente opostos sem que seja motivo para as pessoas deixarem de acreditar em tais propriedades. No caso açoriano, os 55% da população que consome com regularidade bebidas alcoólicas fá-lo para ter prazer (45,5%), para se refrescar (19,5%), para se desinibir (10%), para ter mais força (2%), para ter coragem (1%), mas também consome para esquecer (2,3%), para não sentir frio (1,2%), para relaxar (1,2%), existindo ainda 17,3% que afirma fazê-lo por outro motivo diverso.

Se, fruto das campanhas de sensibilização, interiorizámos que o consumo de bebidas alcoólicas em excesso é prejudicial à saúde, existem estudos que têm procurado demonstrar que o consumo moderado de bebidas alcoólicas pode ser benéfico, como, por exemplo, o de Fátima Ismail (2003) que defendeu ter o álcool propriedades que ajudam a prevenir problemas cardiovasculares, depressões, ansiedade e até poder reduzir a incidência da Diabetes tipo II.

Sem querermos alimentar qualquer discussão em torno dos prejuízos ou benefícios do consumo de bebidas alcoólicas, ao nível da saúde, diz-nos o bom senso que os comportamentos moderados, evitando-se os excessos, são sempre os mais aconselhados.

Porém, quando um determinado comportamento nos dá prazer e satisfação, há uma tendência inata para procurar usufruir dele cada vez mais.
Se num determinado comportamento houver um ou outro excesso não é significativo, no caso do consumo de bebidas alcoólicas a situação é bem mais complexa porque as quantidades aconselhadas pela Organização Mundial de Saúde são muito baixas, ou seja, 1 mililitro de álcool por cada quilo de peso do organismo, por dia, o que facilmente é ultrapassado por quem tem o hábito de consumir.

Um dos problemas associados ao consumo de álcool prende-se com a possibilidade de o consumidor se tornar dependente, consistindo simplesmente na necessidade de consumir e, caso não o faça, sente-se perturbado, ansioso, em síntese, sente-se mal.

Dificilmente tal indivíduo assumirá que é dependente, sendo frequente afirmar, falsamente, que consegue passar sem consumir. Apenas quando o quadro de dependência assume contornos graves ao ponto de afectar as suas relações sociais, familiares e profissionais é capaz de assumir a dependência.

Portanto, estamos perante um cenário tendencialmente evolutivo, que se vai agravando, com implicações profundas nas suas relações familiares ao ponto de em média disporem de cerca de 40% de todos os rendimentos auferidos em bebidas alcoólicas, contribuindo para o arrecadar de receitas significativas por parte de quem as comercializa. No caso de Ponta Delgada, só os dois hipermercados Modelo e Solmar vendem aproximadamente 6 milhões de euros por ano de bebidas alcoólicas, o que corresponde a mais de 17.000 salários mínimos. Na ilha Terceira, o hipermercado da Praia da Vitória e o de Angra do Heroísmo vendem mais de 2,5 milhões de euros por ano.

Os valores apresentados são uma pequena fracção daquilo que é consumido pela população açoriana, na medida em que aquelas bebidas são consumidas apenas nos domicílios, havendo ainda a contabilizar os consumos nos cafés, bares, tabernas, restaurantes e outros que possuem diferentes redes de abastecimento.

São consumidos, por cada pessoa, em média, por ano, 10,8 litros de álcool puro, correspondendo tal valor a 250 garrafas de litro de vinho, sendo mais significativa a propensão para o consumo diário de álcool nos agregados familiares mais numerosos, sendo também nestes onde se regista uma maior propensão para a prática de comportamentos violentos, violência repetida e disfuncionalidades conjugais e familiares.

É fundamental que as pessoas tenham presente que o consumo diário de álcool em interacção com a envolvente contextual pode quadruplicar a probabilidade de o indivíduo ter um comportamento violento, vendo também aumentada a probabilidade de se tornar vítima de agressão, normalmente levada a cabo por outro indivíduo também consumidor regular de bebidas alcoólicas. Nos Açores, existem mais de 38.000 pessoas (16% da população) que já foram vítimas de violência, praticada por indivíduo que no momento do acto estava sob influência de álcool, sendo de salientar que 80% de tais vítimas são do sexo feminino.

A ilha Terceira tem a particularidade de registar um dos mais elevados consumos ocasionais de bebidas alcoólicas a nível Açores, os quais estão associados à característica particular que o terceirense possui e que se prende com o gosto pelos festejos e convívios como mais ninguém nos Açores. Embora o consumo ocasional seja um consumo desvalorizado e tolerado, não deixa de ser preocupante pelas ligações à sinistralidade rodoviária, sinistralidade laboral e violência doméstica em que, aos fins-de-semana, feriados e no dia imediatamente a seguir, apresentam índices mais elevados.

As pessoas que habitam os meios urbanos apresentam uma maior prevalência de consumo regular de bebidas alcoólicas do que as residentes em meios rurais, todavia os padrões de consumo são bastante diversificados por as pessoas do meio rural que consumem o fazerem todos os dias, enquanto as que habitam nos meios urbanos o fazem preferencialmente com regularidade semanal ou ocasional.
Sendo os jovens entre os 15 e os 25 o grupo populacional que apresenta maior propensão para o consumo de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas é preciso acreditar que é possível travar-se uma luta, embora se saiba que será titânica, porque o pior de tudo é nada fazer.

O grupo de pessoas anónimas que emergiu na comunidade Terceirense com a preocupação de lutar contra o consumo excessivo de bebidas alcoólicas entre os jovens, procurando que sejam impostas regras apertadas na comercialização de álcool durante as festas e em particular nas Sanjoaninas, tornaram-se uma referência a imitar pelo mérito de já terem conseguido uma visibilidade significativa, pondo diversas entidades envolvidas a pensar em alternativas desde logo de financiamento das festas.

Por tudo isto já estão de parabéns!

EXPLORAÇÃO DOMÉSTICA!

Cada vez mais as famílias vão sentindo a necessidade de se socorrerem de pessoas assalariadas para executarem uma parte das tarefas domésticas, anteriormente confinadas à mulher, mãe e dona de casa. Fruto de uma nova organização familiar, em que no mesmo agregado homens e mulheres trabalham fora de casa, os filhos permanecem cada vez mais tempo na escola, estão a alterar-se as necessidades, os hábitos e as distribuições de tarefas.

Dependente da capacidade económica e da possibilidade da dita distribuição de tarefas dentro dos agregados está a possibilidade de as famílias se socorrerem das chamadas empregadas domésticas. A emergência da procura de tais trabalhadoras, para cumprirem parte das tarefas domésticas, tem potenciado, também, na Região Autónoma dos Açores, o aparecimento de um conjunto de empresas que prestam serviço doméstico ao domicílio.

Ainda bem que assim é! Demonstra que as leis do mercado estão a funcionar e que a própria sociedade está a produzir respostas para as novas necessidades que emergem. O problema é que, quase como em tudo o que diz respeito à espécie humana, há sempre as que são honestas, as que são assim, assim e as oportunistas, exploradoras com uma tendência, como diria Cesare Lombroso, inata para a prática de comportamentos censuráveis.

Escrevo a este propósito por dois motivos: por respeito e solidariedade para com as trabalhadoras domésticas e por outro lado para denunciar o que quase toda a gente sabe, mas finge não saber.

Enquanto algumas entidades empregadoras tudo cumprem, outras há, porém, que, sem escrúpulos, com o intuito de obterem vantagem indevida, contratam trabalhadoras domésticas para prestarem serviço em casas particulares, empresas e nas mais diversas instituições, pagando-lhes à hora valores inferiores a metade dos cobrados a quem são prestados tais serviços, num perfeito acto de exploração. Não efectuam qualquer desconto para a segurança social, não pagam subsídio de férias, subsídio de Natal.

Tais trabalhadoras domésticas não têm direito a férias remuneradas e ficam com a responsabilidade de ter de fazer os descontos, como trabalhadoras por conta própria para poderem usufruir de abono de família ou de assistência médica.

Tais trabalhadoras chegam a trabalhar doze horas por dia e são remuneradas com montantes à hora iguais, quer trabalhem quatro, oito ou doze horas diárias. São iludidas com valores aparentemente acima do que afeririam se fossem trabalhadoras por conta de outrem, com um vínculo normal. São iludidas com discursos de que quanto mais trabalham mais ganham. Em bom rigor, perdem dinheiro e, contribuindo para o enriquecimento indevido de outros, são exploradas sobretudo porque, infelizmente, muitas delas mal sabem fazer contas. As necessidades que possuem são tais que se sujeitam a aceitar o pouco que lhes é dado, quase por esmola. Se protestam ou se reclamam, logo ouvem uma resposta prenhe de demagogia pronta para ser atirada à cara. Vai-te embora! Se tens quem te dê mais...Se não queres, não falta quem queira...

Alguns destes exploradores são pessoas de bem e pavoneiam-se nas nossas praças, ostentando evidentes sinais de riqueza à custa das mais desgraçadas vítimas. É necessário que a fiscalização actue e não vale a pena continuar a fazer-se o discurso da falta de meios...É preciso intervir com urgência e proteger tais pessoas que têm sido sistematicamente esquecidas, talvez por prestarem um serviço considerado menor, quando no fim de contas menor é a protecção que o Estado lhes dá!

MALDITA SEDE DE PODER!

Depois de uma semana em que o Procurador-Geral da República esteve debaixo de fogo de uma forma que roça o que de mais vil se tem feito neste país, desconhecendo-se ainda o resultado de tudo isto, não podemos calar a indignação, sobretudo por deduzir que tudo irá dar em nada!

Torna-se difícil apontar nomes de pessoas que tenham vindo a público pronunciarem-se com laivos de racionalidade, desde a publicação da notícia sobre as disquetes do processo Casa Pia, no jornal 24horas, no passado dia 13 de Janeiro. Ouviu-se de tudo, das menores às maiores barbaridades, tendo quase sempre como traço pôr em causa uma única pessoa: - José Adriano Machado Souto de Moura!

É óbvio e público que, por vontade do Partido Socialista, ainda com Ferro Rodrigues, o Procurador-Geral já teria sido afastado do cargo. Talvez num hipotético ajuste de contas! Recentemente saltou para a praça o nome de Rui Pereira, ex-director do SIS, para o substituir e tornou-se igualmente público que, não fosse a intervenção perspicaz de Jorge Sampaio, tudo já se tinha consumado.

Vai fazer seis anos que Souto de Moura, sob proposta de António Guterres e pela mão do Presidente da República, tomou posse, substituindo Cunha Rodrigues que se conseguiu manter no cargo 12 anos, e, não fosse a nomeação para o tribunal Europeu, para espanto de todos, talvez ainda estivesse no cargo. Provavelmente já quase todos se esqueceram das peripécias de Cunha Rodrigues, das guerras com Fernando Negrão, na altura director da Polícia Judiciária que acabou com queixas-crime recíprocas. Já quase todos esqueceram o caso do microfone escondido no gabinete de Cunha Rodrigues e de tantos outros casos próprios de uma novela de cordel.

A questão do funcionamento da justiça em Portugal é uma questão antiga e convém que as pessoas não tenham memória curta e que recordem momentos fulcrais em que deveria ter funcionado e não funcionou sem que nada de extraordinário tivesse acontecido.
José Adriano Machado Souto de Moura, nascido no Porto, há 55 anos, magistrado desde 1974, exerceu funções em Ponte da Barca, Vila do Conde, Ponta Delgada, Porto e Setúbal, além de ter dado aulas no Centro de Estudos Judiciários, de ter feito parte do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral como vogal, e de ter sido nomeado pelo Governo como perito para colaborar nos trabalhos do Conselho da Europa na área penal e processual penal. É sem qualquer dúvida um dos mais distintos magistrados deste país. Os ataques de que tem sido alvo, apenas podem ser classificados de pueris e com o mérito exclusivo de desprestigiar todos quantos os têm proferido.

O cargo de Procurador-Geral, em Portugal, é sem dúvida um dos mais difíceis de desempenhar. Tem a particularidade de ser alvo de uma exposição forçada e facilmente atacável. É compreensivelmente um daqueles cargos em que se é atacado quando se faz e igualmente atacado quando não se faz! Quando se fala e quando não se fala! Por isso, infelizmente não podem ser levadas muito a sério as críticas veiculadas quer em sentido construtivo ou destrutivo. A postura de Souto de Moura ao longo dos quase seis anos em que se encontra no cargo, com tantas dificuldades que foi obrigado a enfrentar, objectivamente, apesar dos apesares, é positiva e tem demonstrado coragem e determinação. Outros deixariam cair o que Souto de Moura segurou. Nesta matéria, estou certo, um dia será feita justiça...

O caso das disquetes com as listas de chamadas de algumas figuras do Estado, incluindo as do próprio Procurador-Geral, independentemente do desfecho que vier a ter, ficou marcado pelas reprováveis intervenções de todos quantos aproveitaram para assumir alguns protagonismos. Sobressai deste lote a deplorável intervenção de José Miguel Júdice, ex-bastonário da Ordem dos Advogados. Depois das atoardas que enquanto bastonário desferiu ao Procurador-Geral, após a tomada de posse de Rogério Alves, prometeu, como era tradição assumida pelos ex-bastonários, remeter-se ao silêncio e deixar Rogério Alves desempenhar o seu papel.

José Miguel Júdice ainda não se calou um único momento! Tudo tem feito para demonstrar estar agarrado a um cargo que já não é seu e numa sede abominável de protagonismo; já pouco lhe falta fazer para se manter na ribalta...O que é que José Miguel Júdice fez enquanto bastonário para bem da classe? E para bem da justiça? Basta! Haja bom senso!

Os ataques ao Procurador-Geral da República têm sido do mais inqualificável e ignóbil. Salva-se Jorge Sampaio por ter conseguido manter o discernimento e segurado Souto de Moura no cargo, evitando saneamentos políticos e «lavar de roupa suja». É paradoxal que os maiores ataques de que tem sido alvo o Procurador-Geral tenham sido proferidos pelas pessoas que foram. Porque será?

A espuma de alguns discursos foi tão obtusa que até ouve quem exigisse o fim das escutas telefónicas, misturando-se as coisas mais diabólicas que se possa imaginar. Até a juíza Fátima Mata-Mouros achou que era oportuno ditar uma «sentença» às escutas telefónicas, pondo em causa a forma como são realizadas, alegadamente, pelo facto de o juiz que as autoriza as não controlar durante a recolha. Isto... ninguém se entende! Mas, quem é que proíbe um juiz de controlar as escutas telefónicas que autoriza? A Polícia Judiciária? Valha-me Deus!!!

Recentemente um grupo de dezassete deputados da Assembleia da República visitou o departamento da Polícia Judiciária responsável pela realização de escutas, na Gomes de Freire, em Lisboa. No final da visita, foram unânimes em afirmar que tudo se realizava com o máximo rigor. Questionaram o controlo dos dados recolhidos depois de entregues no tribunal. Agora assiste-se ao questionamento, por Fátima Mata-Mouros, do modo como são realizadas as escutas. É caso para se dizer: – Isto... já ninguém se entende!

O mal deste país e que o deixa à beira da necessidade de internamento compulsivo, num manicómio, prende-se com um desejo devorador de tragar, de triturar e até de se espezinhar caso seja necessário para ter protagonismo, para ter mais poder...Maldita sede de poder!

UM COMBATE ESSENCIAL...

Na semana passada, quando aqui denunciava a exploração doméstica a que estão sujeitas muitas das trabalhadoras que fazem da actividade doméstica o seu magro ganha pão, estava longe de imaginar que a Inspecção Geral do Trabalho, entidade a quem compete intervir em tal matéria, por coincidência, três dias depois, viesse a terreiro com uma declaração de intenção de aumentar a sua acção fiscalizadora em diversos ramos de actividade, entre os quais no sector doméstico.

Sem dúvida que, com enorme dimensão, provocando danos sociais, financeiros e económicos, a situação do sector doméstico, construção civil, seguros, banca e grandes superfícies comerciais é vergonhosa e deplorável. Compreender o fenómeno passa por perceber que a mesma se deve a uma consequência da não operacionalidade da acção fiscalizadora por parte dos organismos do Estado a quem compete fiscalizar.

O facto de um trabalhador ser sujeito a prestar trabalho para além do seu horário normal de trabalho sem ser remunerado é uma exploração que compete ao Estado combater em exclusividade. É necessário que se entenda que esta é uma das vertentes de protecção fundamental que tem de ser assegurada ao trabalhador, tal como supostamente é garantida a protecção na doença ou no desemprego.

Trata-se de uma combate sistémico que visa assegurar ao trabalhador o direito ao descanso e o direito à remuneração. Todavia a protecção daí resultante é ampla e abrangente, indo do trabalhador à protecção da sua família, sendo capaz de favorecer a criação de mais postos de trabalho, além de o Estado poder arrecadar receitas e ao mesmo tempo reduzir despesas.

Um dos problemas no combate de tais situações prende-se com o facto de não se poder contar com grande apoio por parte dos trabalhadores explorados, na medida em que, fruto de uma situação de fragilidade, de medos e receios de perda do posto de trabalho, apenas em situação de ruptura do vínculo laboral será capaz de denunciar.

Nos períodos em que grassam as crises económicas, com índices elevados de desemprego, é conferida uma maior «legitimidade» aos ímpetos exploratórios por parte de tais entidades empregadoras, visto que os trabalhadores se tornam mais vulneráveis, mais sujeitos a pressões e mais receosos com a possibilidade de perderem o pouco que possuem.

Tinha sido anunciada, em 2004, a criação de uma polícia fiscal, pelo então Ministro Bagão Félix. Tal como o Governo de então a ideia caiu por terra e neste ímpeto do Governo de Sócrates de reduzir o número de funcionários do Estado não é previsível que seja aumentado o número de elementos com funções de fiscalização das situações aqui descritas bem como de outras.

Assim, por isso, apenas vemos como solução para um eficiente combate às explorações a que assistimos, a aposta na motivação dos agentes com competência de fiscalização, permitindo que possam usufruir de uma pequena percentagem dos valores das coimas. É uma evidência que as pessoas agem racionalmente, optando por fazer sobretudo o que lhes traz benefícios e evitam o que lhes causa embaraço e prejuízo.

O actual quadro, em que tanto faz fiscalizar como não fiscalizar, ou seja, ganha-se o mesmo produzindo ou não produzindo deve ser combatido com urgência por ter um efeito potenciador da inércia e da indiferença.

Os defensores e principais beneficiários do actual estado da nação dirão que é ilegal que o agente fiscalizador beneficie com a autuação. É verdade! Pois então torne-se legal a bem de todos, sobretudo daqueles que nada têm a temer...

RACIONALIDADE PRECISA-SE!

Ficámos esta semana a saber, através da informação difundida pela Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC), que irá decorrer entre Fevereiro e Abril de 2006, uma vez por mês, uma greve por sectores, realizada pelo pessoal da Polícia Judiciária (PJ).

Os motivos invocados para a realização da greve pela ASFIC poderiam ser invocados por qualquer uma das forças policiais, porque ao fim e ao cabo todas estão no mesmo «barco». São aceitáveis e compreensíveis as motivações para esta greve específica, do mesmo modo que seriam aceitáveis e compreensíveis se usadas para legitimar idênticas acções por parte de outras forças policiais. Se não fossem algumas disputas e ressentimentos do passado, talvez estivessem reunidas as condições para se assistir a uma posição conjunta de todas as forças de segurança...

A justificação de que todos os funcionários públicos, ou equiparados, devem ter o mesmo tratamento por parte do Governo seria legítimo se a todos os funcionários, em situações similares, fosse dado um tratamento idêntico e é aqui que se compreende a revolta dos polícias, a quem é sistematicamente exigida disponibilidade total para o serviço sem que sejam devidamente remunerados como os demais funcionários públicos.

A argumentação, por parte do Governo, de que todos os funcionários devem ser tratados por igual e ter acesso às mesmas regalias não é válida porque na realidade estamos perante situações e missões bastante diferenciadas. No caso das forças policiais, em geral, as exigências têm sido mantidas à custa de sacrifícios, pessoais e familiares, sem as devidas compensações monetárias atribuídas ao comum dos funcionários públicos. É aqui que o Estado falha e perde a sua autoridade e legitimidade!

É necessário que haja racionalidade nas medidas desenvolvidas e que acima de tudo haja justiça, porém convém recordar que justiça não é tratar tudo por igual. Justiça é tratar por igual o igual e diferente o que é diferente.

Apesar da existência de diferenças profundas, inerentes ao cumprimento das missões, não tenho grandes dúvidas em afirmar que salvo honrosas excepções, todos os polícias estariam de acordo com um tratamento rigorosamente igual aos demais funcionários públicos se, por exemplo, todo o trabalho prestado para além das horas normais de serviço fosse remunerado de acordo com as tabelas em vigor para o trabalho suplementar, para o trabalho nocturno ou para o trabalho em período de descanso semanal. Imagine-se o que auferiria um polícia se todas as horas que passa em tribunal durante as suas horas de descanso fossem remuneradas como trabalho suplementar? Seguramente que daria um bom plano de poupança e reforma para se aposentar dez anos mais cedo!

O grande problema a que temos assistido com este ímpeto reformador do Governo prende-se com alguma falta de racionalidade e uma vontade cega de mudar sem saber bem onde e em que direcção. Tem faltado consistência ao discurso de que não há dinheiro quando se assiste à questionável remodelação do luxuoso edifício do Banco de Portugal, em Ponta Delgada, quando noutros edifícios do Estado, há anos, chove no interior! Tem faltado consistência ao discurso de que não há dinheiro quando são anunciados investimentos monstruosos de rentabilização duvidosa...

Segundo foi durante esta semana divulgado pela ASFIC, os cortes orçamentais verificados na PJ, apenas garantem a regularidade do serviço até Julho. Em relação às demais forças policiais ninguém veio a terreiro, mas pelo que é sabido ninguém tem motivos para sorrir! Quem sabe se estas «faltas de dinheiro» vão conduzir à tão almejada reestruturação das forças policiais? Se for verdade, é caso para dizer: - há males que vêm por bem!

MORALIZAÇÃO DA PALAVRA...

Já não vale a pena falar das dificuldades que o país atravessa, porque disso estamos todos fartos, já conhecemos os cenários, até já sabemos de memória as palavras demonstrativas da crise que, artificialmente ou não, vai desaparecer em 2008 para transmitir a ideia de que em 2009 valeu a pena o sacrifício. Em 2010, se estivermos vivos, estaremos novamente mergulhados nesta mesma crise que hoje nos afoga...É assim que, há séculos, vivemos, entre crises e revoluções, e assim vamos continuar... parece ser mais forte do que nós!

A justificação para esta crise que vivemos legitimou um conjunto de medidas que já quase ninguém quer questionar. Todavia não hesito em perguntar se todos os cortes são legítimos e se a população os deseja, do mesmo modo, em todos os sectores do Estado. Parece-me que não!

É conhecida a propensão do Estado para o gasto excessivo e para o desperdício, e quanto mais consegue amealhar, sem grande esforço, mais gasta. Porém é desonesto afirmar que todos os funcionários e que todos os sectores do Estado são despesistas e pecam pela falta de produtividade e eficiência.

Com a devida vénia para os que produzem com eficiência e a baixo custo, ditam as crónicas que, por esse país fora, multiplicam-se os organismos, institutos e instituições que, para além de sabermos que sabem gastar, poucos de nós sabem o que lá se produz. Muito poucos sabem para que serve a sua existência, para além de assegurar uns quantos postos, bem remunerados, para uns tantos rigorosamente seleccionados. Nestes casos, faz verdadeiramente sentido o seu encerramento. Conforme o Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, dentro de pouco tempo vão começar a fechar as portas!

Não sabemos se as palavras do referido Ministro, no programa «Prós e Contras», são para ser levadas a sério. Por enquanto, são de manter algumas reservas, na medida em que quase um ano depois de este governo ter tomado posse, ainda nenhum foi encerrado.
Já ouvimos promessas do encerramento de tribunais, ouvimos promessas de encerramento de esquadras e postos de polícia, hospitais e até maternidades. Até à presente data, só ouvimos falar do encerramento de instituições que são próximas da população e que prestam um puro serviço de atendimento público de que ninguém parece estar disposto a abdicar.

Presidentes de Câmara há que vieram a terreiro garantir que não aceitam o encerramento do tribunal local, ou da esquadra da polícia. Populares há que vieram a terreiro protestar contra o encerramento do centro de saúde, ou da maternidade. Os serviços prestados podem ser de fraca qualidade, mas, se vão desaparecer, o cenário só pode piorar.

Decididamente parece que não são aqueles os estabelecimentos que as populações querem ver encerrados a menos que lhes consigam garantir que os encerramentos referidos se vão traduzir numa melhoria significativa da qualidade do serviço prestado! O pior é que já ninguém acredita em «milagres» e muito menos em «cheques sem cobertura»!

Se relativamente aos hospitais, centros de saúde, maternidades, esquadras de polícia e tribunais temos ouvido algumas ideias e alguns critérios para encerramento, quanto à extinção dos institutos e de cargos excessivamente remunerados não conhecemos nem uma palavra, nem uma proposta! Mais uma vez, trata-se de dois critérios diferenciados sendo por estas e por outras que já ninguém quer acreditar em nada do que ouve...

Embora todos os serviços e organismos referidos contribuam para a despesa do Estado, tem-se denotado uma dualidade comportamental por parte do Governo da República. Os organismos que servem directamente a população e que fazem parte da lista de encerramento parecem não perturbar grandemente a classe política a julgar pela facilidade com que têm sido anunciados os encerramentos, enquanto sobre os tais organismos e institutos tudo se mantém no «segredo dos deuses»!

As contradições a que temos vindo a assistir, a facilidade com que se promete e se nega remetem-nos para a necessidade de moralização, sobretudo de uma moralização da palavra. É preciso voltar a dar valor à palavra. É preciso que a palavra comprometa a honra de quem a dá. Se necessário for, criminalize-se a falta de palavra. Quem não cumpre a palavra que livremente profere, tem de ser punido!

Se não temos a certeza de conseguir cumprir uma ou outra promessa, para que serve prometer? É necessário criar-se uma nova ética política, para se lutar contra esta ideia dos políticos serem todos uns mentirosos e uns corruptos, a qual se está a cristalizar. Qualquer dia, quando ouvirmos alguém dizer que o político «A» ou «B» é sério e honrado, não teremos outro remédio que não seja sentirmo-nos chocados.

A moralização da classe política deve ser a primeira batalha de reforma do sistema político português. Para tal é necessário, em primeiro lugar, acabar com esta tentação permanente de se prometer para se chegar ao poder para depois tudo se fazer para não o abandonar. É necessário que a nova ética política transmita a ideia de que o exercício do poder é um serviço público e para tal apenas deve ser exercido por quem estiver disponível para dispensar rendimentos, mordomias e regalias que não sejam partilhadas pela população em geral.

É por tudo isto que não deve ser defendido que os políticos portugueses ganham mal e que é necessário aumentar os vencimentos da classe para que os melhores, os mais competentes se sintam aliciados pelo exercício do poder. Defender o aumento das remunerações da classe política é tornar a actividade ainda mais aliciante, ainda mais apetecida aos oportunistas, que não querem saber para nada das dificuldades da população...