MOMENTOS DE VIRAGEM...

Classificar um determinado acontecimento como um momento de viragem consiste em considerar que existe uma transformação, uma alteração nos comportamentos e atitudes. Consoante a dimensão do dito acontecimento poderemos estar perante transformações na vida de uma ou duas pessoas, de um grupo mais ou menos alargado, de uma nação, sendo mesmo possível falar-se de acontecimentos cuja dimensão e impacto os torna planetários.

Se para um ou dois indivíduos o casamento pode ser um momento de viragem, para um grupo será um momento de viragem a constituição de uma associação com a persecução de um ou vários objectivos e para um país poderá ser um momento de viragem a mudança de governo ou a implementação de uma nova política. Embora as decisões políticas de cada um dos países tenham de observar as tendências e estratégias internacionais, apenas pode ser considerado um momento de viragem à escala planetária quando os acontecimentos tiverem uma dimensão capaz de perturbar o normal curso da história.

Não basta arbitrariamente classificar um determinado momento de viragem. É essencial que efectivamente se assista a uma mudança. Ocorre-nos a propósito classificar o actual momento que vivemos em matéria de combustíveis como um momento de viragem à escala planetária, mas, para que tal classificação se materialize, é condição primordial que a esperada transformação ocorra. De contrário será uma oportunidade desperdiçada!

Têm-se multiplicado as cimeiras, conferências e seminários a nível internacional sobre as questões ambientais e inevitavelmente mais ou menos assumidas a questão dos combustíveis. Quase todos afirmam estar de acordo com a necessidade de se ter de fazer algo, mas na realidade, sobretudo por interesses económicos não se têm encontrado consensos a nível mundial.

Os problemas arrastam-se irremediavelmente com consequências cujo impacto de momento se desconhecem e quando forem mensuradas de muito pouco valerá o esforço porque os danos provocados possuem uma escassa probabilidade de reparação.

O mundo é hoje excessivamente dependente de petróleo, embora se trate de uma fonte altamente poluente e como tal prejudicial ao ambiente a escala planetária com a agravante de imperar a tendência de manutenção do actual quadro, principalmente devido à persistência do poder e dos interesses económicos que não têm considerado motivador pesquisar e explorar energias alternativas, eficientes e menos poluentes.

Fruto de erros políticos estratégicos de não se ter apostado nas ditas energias alternativas, o mundo está hoje prisioneiro dos países produtores de petróleo e por ironia do destino o desejado mundo estável está dependente da região mais instável do planeta! Os conflitos no Médio Oriente não dão sinais de abrandarem. A instabilidade política em tais países é constante.

A Venezuela, outro dos grandes produtores de petróleo, embora fazendo parte do continente americano, também conhece a instabilidade política e social, ameaçando não garantir com a regularidade desejada o abastecimento de combustíveis. Por questões diplomáticas os Estados Unidos da América foram ameaçados pelo presidente venezuelano, Hugo Chavez, de que o fornecimento de petróleo à maior potência do mundo poderá ser posto em causa.

Os países produtores de petróleo há décadas que se aperceberam da crescente dependência dos países não produtores e fruto dos lucros fáceis e das facilidades concedidas têm beneficiado em exclusivo apenas alguns sectores sociais e os grupos detentores do poder. Os lucros obtidos com o petróleo nos países produtores não têm potenciado sociedades solidárias, bem pelo contrário. Ali o fosso entre ricos e pobres é mais acentuado do que nas demais regiões do planeta. Ali a dimensão da pobreza é mais ampla sendo difícil encontrar paralelo nas demais regiões.

Se os países não produtores de petróleo enfrentam problemas graves em consequência dos preços em alta dos combustíveis, os países produtores não se apresentam socialmente a beneficiar das oportunidades de investimento dos lucros colhidos. Uma parte significativa de tais lucros são utilizados no financiamento dos conflitos que ali grassam beneficiando directamente os países produtores de armamento.

Do ponto de vista político e social as irracionalidades são profundas tanto nos países produtores como nos não produtores e com a globalização a intensificação dos antagonismos são uma ameaça.

Por tudo isto a actual crise energética pode muito bem ser um momento de viragem. Para tal acima de tudo é necessário privilegiar a abertura à inovação, ao investimento e à investigação, quadro este extremamente dependente da coragem política (conforme já nos habituámos) infelizmente: – coisa rara!

Há situações verdadeiramente incompreensíveis, em matéria energética, e só interesses obscuros e monopólios mais ou menos encapotados justificam a sua existência. Apesar de dispormos de recursos próprios, continuamos a oferecer resistência às centrais nucleares com os mais variados argumentos, temo-las ali em Espanha bem junto das nossas fronteiras! E mais ridículo ainda é o facto de importarmos de Espanha a electricidade produzida. Obviamente que o nuclear contém riscos, como há riscos em tudo e em todas as partes. Diariamente corremos o risco de morrer na estrada, mas também corremos o risco de morrer na cama. No nuclear como em todo o resto é necessário o rigor e o controlo permanente da situação!

A verdade é que não podemos continuar dependentes do petróleo e da vontade de cartéis... Temos de nos libertar porque não se explica que Portugal, um país que usufruiu de potencialidades ímpares, em matéria de energia solar, as desperdice sendo residual a utilização de painéis solares!

Como se explica que o país e em particular os Açores e a Madeira dispondo de mar e das potencialidades de obtenção de energia através das ondas as desperdice? Como se explica que no caso concreto dos Açores com a abundância de ventos, sobretudo em pontos mais elevados, durante todo o ano se desperdice toda esta energia? Como se explica que a exploração da geotermia continue a ser residual?

É preciso compreender que é aproveitando as oportunidades que se constroem os momentos de viragem...

VÍTIMAS...

Comemorou-se esta semana, no dia 22 de Fevereiro, mais um Dia Europeu da Vítima. Creio ser daquelas datas que o comemorado (neste caso quem é ou já foi vítima) não tem nada para comemorar! Confesso que as actividades que normalmente são desenvolvidas na data de muito pouco servem a uma qualquer vítima... seja de que tipo for e por sinal há-as de muitos tipos! Normalmente fruto da acção mais ou menos oportunista desta ou daquela instituição, acabamos, no Dia Europeu da Vítima, a falar até à exaustão da vítima de violência doméstica...

Obviamente sem esquecer a vítima de violência doméstica que de nós merece todo o apoio e rápida intervenção para minimização do seu sofrimento, não podemos esquecer todas as vítimas que estão para além da esfera doméstica e que igualmente necessitam do nosso apoio. Por isso nesta data queremos recordar todas as vítimas! – As de violência física, de violência psicológica, de violência sexual, de negligência, de abuso de autoridade, mas também a vítima da escravidão, a vítima de corrupção, a vítima de exploração, a vítima da entidade patronal, a vítima da administração pública, a vítima da burocracia do Estado, a vítima de roubo, a vítima de furto, a vítima de abandono, a vítima de especulação, a vítima da máquina fiscal, a vítima da incúria do poder político, a vítima de negligência médica, a vítima da incompetência própria ou alheia, a vítima de promessas não cumpridas, a vítima de burla, a vítima das polícias, a vítima dos tribunais, a vítima dos advogados, a vítima de sequestro, a vítima de rapto, a vítima dos mentirosos, a vítima dos cobardes, a vítima da fome, a vítima da guerra, a vítima da doença, a vítima da inveja, a vítima..., a vítima...

O grande problema é que apesar do dia dedicado à vítima em que se procura alertar para esta ou para aquela situação mais evidente, embora exista uma Decisão-Quadro a nível Comunitário que obriga os Estados Membros a adoptarem medidas de protecção das vítimas, quase tudo continua por materializar para além de um ou outro acto mais ou menos mediático. Por exemplo, continuamos a ter uma lei de protecção de testemunhas que poderia pelos menos em alguns pontos servir perfeitamente para proteger vítimas das mais variadas situações, mas infelizmente praticamente não é aplicada! Por outro lado muito pouco se tem feito para se combater a vitimização secundária que, segundo os estudos, é a situação que tem o dom de ser autêntico prolongamento do abominável sofrimento!

As vítimas continuam a ser obrigadas a reviver todos os seus traumas, ao terem de contar vezes sem conta as flagelações a que foram sujeitas. Continuam a ter de se expor à Polícia, ao médico, ao advogado, aos peritos da avaliação psicológica, ao Ministério Publico, ao juiz e sabe-se lá a quem mais com a agravante de por vezes o terem de fazer duas e três vezes a este ou àquele interveniente no processo.

Por outro lado as vítimas que optam por denunciar a sua situação continuam a sofrer na pele a lentidão da justiça. Do anda, do não anda e do faz que anda! Da falta de informação sobre a situação do seu processo e em consequência as agruras, as chantagens e as perseguições dos agressores com a cumplicidade de quase toda a comunidade.

Na realidade, normalmente é muito pouco o que é feito e com a agravante desse pouco ser feito por associações de voluntárias que infelizmente por vezes muito pouco têm para dar para além do seu voluntariado... É motivo para afirmar que o Estado continua a achar que a vítima não merece mais do que um apoio amador e quase por caridade. Nesta matéria, os anos têm passado iguais entre si com a certeza de ano após ano serem aos milhares as novas vítimas a necessitarem de apoio!

PULSEIRAS NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA...

Foi esta semana anunciada, quase de forma despercebida entre nós, a intenção de o Ministério da Justiça lançar mão das pulseiras de vigilância electrónica para ajudarem a combater a violência doméstica. Segundo se leu em alguns poucos órgãos de comunicação social, a medida será aplicada a agressores sobre os quais pende a obrigatoriedade de não se aproximarem das vítimas.

Dito de outra forma: face a um determinado indivíduo que, em contexto familiar, agrida o cônjuge de forma reiterada, o tribunal, ao ter conhecimento dos factos, pode, ao abrigo da legislação em vigor, decretar o afastamento do agressor do espaço familiar, impondo-lhe a proibição através de despacho escrito de se aproximar da vítima.

Até à presente data, a eficácia e cumprimento da decisão judicial dependia sobretudo da capacidade da Polícia, após ter conhecimento da presença do indivíduo junto da vítima, de o interceptar em flagrante delito para o deter pelo crime de desobediência qualificada a uma ordem judicial, conduzindo-o novamente ao tribunal em tempo útil a fim de lhe ser aplicada nova medida judicial. Assim, «num jogo do gato e do rato», tudo se processava até que o referido agressor optasse pelo cumprimento da imposição legal, ou até que o juiz o mandasse para o estabelecimento prisional para serenar os ânimos.

Quando não se verificava o flagrante delito, poderia a polícia lavrar um auto-de-notícia, dando conta ao tribunal do comportamento do visado, mas o resultado normalmente era de valor restrito, acabando o agressor por usufruir de uma certa impunidade enquanto continuava a fazer a «vida negra» à vítima com a complacência de todos!

Com a introdução das pulseiras de vigilância electrónica, o agressor, além de ser alvo do respectivo despacho do tribunal, é «enfeitado» com uma pulseira, na mão ou na perna, com a finalidade de garantir, permanentemente, o controlo do visado, de modo a que este não disponha de espaço de manobra para desrespeitar a decisão judicial. Se o fizer, é accionado um sinal de alarme no Instituto de Reinserção Social (IRS) ou na Polícia de Segurança Pública, no caso das ilhas açorianas, onde não existe nenhum técnico do IRS.

Com a utilização da pulseira de vigilância electrónica, em síntese, o agressor passa a ser controlado 24 horas por dia. Reduz-se a probabilidade de a vítima ser incomodada presencialmente pelo propenso agressor. Garante-se a eficácia e o cumprimento do despacho judicial e reduz-se a intervenção dos elementos policiais, libertando-os para outras actividades de visibilidade e de tranquilização da comunidade.

Ganha a vítima, ganha a Polícia, ganha a Justiça e ganha o próprio agressor porque vê reduzida a motivação para continuar a cometer crimes num período de grande instabilidade afectiva e emocional que por norma atravessa aquando de tais conflitos familiares.

Em Espanha, o esforço de combater a violência doméstica foi mais longe ao apetrechar as mulher propensas à vitimação grave com um dispositivo com GPS controlado pelas assistentes sociais que as acompanham. Em caso de emergência, a vítima pode accionar o dispositivo permitindo a imediata localização e respectiva prestação de apoio.

Não fomos tão longe quanto os espanhóis, mas a medida anunciada pelo Ministério da Justiça é também uma boa medida de racionalização de recursos e de maximização de resultados, máximas estas tão em voga neste período de crise económica, financeira e social. Por vezes pequenas medidas podem gerar grandes resultados. É preciso sobretudo que as pessoas estejam dispostas a inovar e não se amarrem a ancoradouros que não conduzem a destino nenhum!

SOCIEDADES DE CONTROLO...

Embora os aparelhos dos Estados se esforcem em apregoar a existência de um maior espaço de intervenção individual e social, na realidade é cada vez mais limitada a possibilidade de cada um de nós intervir em aspectos e decisões importantes com capacidade de condicionarem a nossa própria vivência.

As competências existentes no passado de uma livre escolha, desde logo de uma simples actividade profissional, desapareceram remetendo-nos para as oportunidades geradas pelas novas sociedades, ditas de desenvolvimento. Grande parte das decisões que faziam parte da esfera do domínio privado foram expropriadas pelo Estado e tornaram-se esferas de domínio colectivo ou comum.

Segundo os politólogos, o comunismo capitulou com a queda do muro de Berlim, a 09 de Novembro de 1989. Francis Fukuyama, a propósito, até afirmou que se atingiu o fim das ideologias e com elas «o fim da história e do último homem». Porém, do ponto de vista ideológico nem tudo capitulou, tendo-se mesmo assistido à materialização de alguns dos princípios mais fortemente defendidos pelos partidos ditos de esquerda.

Prendem-se tais afirmações com o facto de as correntes liberais, ditas de direita, sempre terem defendido que competia a cada um dos cidadãos escolher a forma como poderiam ser úteis à sociedade, enquanto as correntes de esquerda faziam a apologia de pertencer ao Estado o direito de dizer a cada um dos cidadãos o que dele pretende e qual o papel que a cada um reserva.

Nesta matéria, venceu irremediavelmente a esquerda e assistimos hoje a uma solidificação de tais princípios, tendo-se descentralizado tais poderes do Estado para as mãos do aparelho do Estado e para as corporações quer de carácter empresarial quer comunitário, embora as corporações em sentido restrito sempre tenham conseguido manter os seus poderes e estatutos.

O cidadão comum, filho de um Deus Qualquer, deixou de livremente ser e fazer o que supostamente pretendia ou ambicionava, para passar a fazer e a ser o que o Estado, a comunidade e as corporações ditam, disponibilizando esta ou aquela oportunidade que o cidadão se vê obrigado a agarrar como soía dizer: – com unhas e dentes!

No passado, tinham acesso à formação e a carreiras de sucesso aqueles que pertenciam a genealogias e castas privilegiadas. Com a democratização do ensino e o consequente aumento de pessoas qualificadas, em síntese muito pouco se alterou, porque continuam a ter acesso a carreiras de sucesso e a carreiras de gosto, ou seja, àquelas carreiras que se deseja e se ambiciona atingir, aqueles que pertencem a genealogias e às novas castas previligiadas. Hoje não basta ter mais formação, ser mais capaz e ser mais competente para aceder a este ou àquele cargo. É fundamentalmente necessário que pertença às novas castas emergentes.

Outro exemplo demonstrativo das transformações operadas, mais recente por sinal, prende-se com o facto de a pretexto da segurança terem sido desencadeados profundos atropelos a direitos e liberdades que se julgavam profundamente consciencializados. Criaram-se sistemas de informações, serviços secretos e ultra secretos, guardas pretorianas, procedimentos de vigilância e contra-vigilância, de busca, de revista e contra-revista tudo em nome da segurança. Caminhamos inexoravelmente para as sociedades do controlo total, inseridas em autênticas redes globais de controlo.

Todos estes processos têm-se desencadeado com a cumplicidade dos mais diversos quadrantes que constituem as nossas sociedades com a agravante de, numa escala global, tais cumplicidades tenderem a ser cada vez mais universais e sem limitação de fronteiras, fruto da dominação hegemónica de uma única nação. É neste ponto, obviamente sem o tolerarmos, que compreendemos o terrorismo internacional!

Os dois exemplos apresentados: a simples escolha de uma profissão numa dimensão individual, e as questões securitárias, numa dimensão colectiva, são duas demonstrações da forma como todas as relações interpessoais se alteraram nas últimas décadas. Todavia no essencial tudo se reduz à manipulação e gestão dos medos como forma de dominação.

Tornou-se recorrente a exploração e a gestão dos medos, predominantemente dos novos medos, com a particularidade de tudo se processar de forma obscura e pouco transparente. No passado, e dizemos passado porque hoje já não atinge tal profundidade, a Religião Católica explorou de forma exemplar o medo do inferno e do purgatório, transmitindo a ideia da existência de um Deus vingativo que condenava ao fogo eterno os próprios filhos e que se «alimentava» do sofrimento e dos sacrifícios de animais e até de pessoas. Condicionando os comportamentos, foi explorada durante séculos a ideia de um Deus implacável, temido e a temer pelos Homens.

Hoje os Estados, através da manipulação do medo, exploram e gerem novas formas de condicionamento dos comportamentos dos Homens ainda com maior força e maior capacidade de intervenção do que a religião, com a agravante de, enquanto à religião não somos obrigados a aderir, ao poder do Estado não podemos escapar.

Nas sociedades ocidentais, o medo mais explorado pelos Estados é o medo da exclusão social, na actualidade, depois do medo da morte, o mais temido de todos os medos. Quem não se rende à ameaça de ser condenado à exclusão social?

Apesar de os Estados se esforçarem por demonstrar que estão apostados em combater a exclusão social, manipulando os mecanismos de segurança e o acesso às oportunidades individuais, são os próprios Estados os principais agentes instigadores da exclusão social...

MALDADES...

Quando saem da fábrica, dá gosto vê-los a brilhar. Os motores afinados e reluzentes saem da linha de montagem sem uma única mancha de gordura. Trabalham com o rigor e a precisão de um qualquer relógio suíço! Os vidros límpidos, sem mácula de pó, nada escondem e tudo põem a nu aos olhos dos potenciais observadores. Os pneus, apesar da negritude, não conseguem esconder o esplendor. Cintilantes lembram-nos os raros diamantes negros. Com todas estas potencialidades e atributos são entregues num stand que para rapidamente o vender, exponenciam todas as suas propriedades...

Na condição de compradores, rendidos às evidências, com orgulho predispomo-nos a um sacrifício para adquirir um exemplar! Depois exibimo-lo aos familiares, amigos e colegas de trabalho. Durante semanas sonhamos com ele! Preocupados em preservar a sua beleza, sonhamos que sobre ele recaíram desgraças, machucões, mossas, amolgadelas, riscos e outras coisas mais. Tranquiliza-nos apenas o acordar ao sabermos que tudo não passa da fantasia de tenebrosos pesadelos.

Sempre que podemos, esmeramo-nos em mantê-lo límpido e reluzente até ao dia em que alguém por maldade, por vingança ou talvez não, nos fere a alma com um primeiro risco, por sina, profundo trespassando o verniz, a tinta, o primário e chega à chapa vincando-a. Uma autêntica facada na alma! Apenas queremos saber o porquê de tal acto? O que ganhou o autor de tamanha atrocidade?

Seguem-se dias de má disposição, noites mal dormidas! Montam-se e desmontam-se teorias conspirativas no sentido de descobrir o autor da perversidade...Só queremos saber quem fez aquilo! Não nos cansamos de exclamar...

Os dias iguais vão passando até que nos conformamos com a dor. Descuramos o brilho, esmorecemos tendo como argumentação a defesa da integridade física do carro. Quanto mais reluzente mais chama a atenção e maior é a probabilidade de voltar a ser alvo de um golpe baixo de um qualquer invejoso. Sim invejoso, porque entretanto já abandonamos a tese da vingança e da conspiração: – não fizemos mal a ninguém! Porque haveriam de se querer vingar?

Com o tempo, se formos cumpridores do código da estrada e da demais legislação rodoviária e tivermos a coragem de inverter a tendência da moda, resistiremos a carregá-lo com apetrechos, inovações e lâmpadas de mil cores por baixo e no interior. Resistiremos a furá-lo para colocar umas colunas mais potentes que até fazem estremecer os vidros. Resistiremos a furá-lo para a colocação de mais umas palas e umas asas sobre a bagageira. Com coragem seremos capazes de preservar a sua integridade física a menos que, por culpa «dos outros», nos aconteça uma desgraça, obrigando-nos com lágrimas nos olhos a despedirmo-nos deles por nada ou a troco de 25 euros pagos por um qualquer sucateiro.

Sendo o carro um fiel amigo que tantas emoções e recordações proporciona, para já não falarmos naqueles engates e naqueles acontecimentos sensuais que sem ele não teriam tido materialização, espanta a enormidade das maldades que sobre eles recaem. Basta recordar que por aí os vemos todos sujos, transformados em depósito de escória de pardal ou cobertos de lama. Como se não bastassem todos os ultrajes descritos, de quando em vez um qualquer transeunte que, por norma, não sabe o que é ter um carro, com o dedo no vidro escreve: – lava-me porco!

DESBUROCRATIZAR...

O governo de Sócrates anunciou que está fortemente empenhado na desburocratização. É sem dúvida uma boa medida, talvez uma das mais aguardadas. Já Cavaco Silva, então Primeiro-Ministro, se havia empenhado nesta luta, tendo começado pela extinção do então papel selado e depois nada mais se soube...

Também António Guterres se esforçou por desburocratizar e pelos vistos deixou obra, pelo menos em matéria criminal não encontramos paralelo na história de Portugal no tocante ao aumento da burocracia! Basta recordar que, até 1999, para a Polícia deter um indivíduo pela prática de um pequeno furto, a situação resolvia-se com um único documento em quadriplicado. O esforço de desburocratização de Guterres foi de tal monta que quadruplicou o número de documentos a elaborar para se fazer a tal detenção. Isto já para não falar de uma detenção por condução sob influência de álcool, cujos documentos a preencher passaram a atingir as vinte folhas de papel. Foi ou não obra de marca?!

Ensinam-nos as experiências vividas no passado que, cada vez que um Governo se predispõe a combater a burocracia, a situação paradoxalmente agrava-se. Estamos confiantes que, com o Governo de Sócrates, isso não irá acontecer...O chefe do Governo está mesmo empenhado em combater a burocracia e simplificar a vida à malta!

Pelos vistos desta vez vai ser mesmo a sério! Desta vez é que as perdas de tempo vão ser chutadas para bem longe... Mas o que vai ser dos vãos de escadas das repartições públicas onde tantas horas esperávamos para resolver um qualquer assunto? É motivo de preocupação o deixarmos de fazer a declaração anual de IRS. Nem dá para imaginar a chatice que vai ser não termos de passar uma manhã ou uma tarde na fila da repartição de finanças local? É motivo de preocupação muitas das escrituras até então obrigatórias deixarem de ser necessárias. Nem dá para imaginar o que vai ser da malta se não ficar uns meses à espera de tão solene acto? Começamos a ficar aborrecidos porque vamos deixar de ir aqui e acolá para nos porem um carimbo ou para nos dizerem que este documento está conforme o original, ou para o Estado passar uma declaração a dizer que não devemos nada ao Estado para o Estado nos poder pagar aquilo que nos deve!

Nem dá para imaginar o não termos de ir à Junta de Freguesia para atestarem a nossa residência, ou para nos passarem uma declaração a troco de 2,50€ a dizer que o bezerro que pretendemos abater no matadouro se destina ao consumo do nosso agregado familiar. Isto vai-se tornar enfadonho porque vamos deixar de ter com quem discutir por sermos mal atendidos, por quererem mais um papel, mais um documento ou mais uma diligência.

Pelos vistos, em Ponta Delgada, vai restar-nos a tranquilização conseguida com os cuidados de saúde que vão continuar a ser-nos prestados. Vamos continuar a esperar pelo atendimento e vamos continuar a ter com quem discutir exigindo ser bem atendidos porque pagamos os nossos impostos, a avaliar pelo esforço que foi feito ao concentrar o SAU junto das Urgências do Hospital Divino Espírito Santo com o propósito de atenderem melhor os utentes. No passado, quando não era urgente, conforme as recomendações, íamos ao SAU para evitar o congestionamento indevido das urgências do hospital. Agora vai tudo para a triagem das urgências e depois vamos para o SAU. Na realidade, tudo se simplificou, a diferença resulta do facto de no passado, em 30 minutos, sermos consultados; agora são necessárias duas horas. É a desburocratização e a simplificação a que já estamos habituados. É caso para dizer: – Haja saúde!

PARABÉNS PONTA DELGADA!

Berta Cabral está de parabéns por ter conseguido reunir, no passado dia 06 de Fevereiro de 2006, o Conselho Municipal de Segurança, sentando à mesma mesa, os principais responsáveis pela implementação das políticas securitárias em Ponta Delgada. Por acreditarmos ser um órgão de capital importância em matéria de segurança e dada a sua tão reduzida utilização em praticamente todo o território nacional e em especial nos Açores, só pelo facto de ter sido possível reuni-lo, todo o concelho está de parabéns! Sem que tenhamos de nos conformar com a sina que sobre nós pende, embora de alguns quadrantes se saiba que apesar das promessas de envolvimento não é de esperar grande coisa, é de saudar a iniciativa e desejar que se reúna mais frequentemente.

Segundo cremos saber (alguém me corrija se estiver enganado), o Conselho Municipal de Segurança de Ponta Delgada reuniu pela quarta vez durante toda a sua existência. O facto poderá ter duas leituras: ou as questões securitárias não têm sido preocupantes ou não se acredita grandemente nas potencialidades de tal conselho.

Como nos ensinaram Eça de Queirós, Teixeira de Pascoaes, entre outros e mais recentemente José Gil, é um traço cultural que identifica os portugueses a não crença na partilha e na cooperação, apesar dos discursos afirmarem o contrário.

Teimamos em viver fechados dentro das nossas quintas e ninguém está disposto a abdicar seja do que for com medo de perder poder a menos que consiga colher alguns benefícios, de preferência, directos e imediatos. Estamos condenados... Diria José Gil: – É a vida!

Não estive lá, o que sei li na imprensa regional. Por isso desconheço em absoluto a motivação de participação de cada um dos membros, no entanto sabemos que é coisa rara os responsáveis das mais diversas instituições públicas se sentarem à mesma mesa, com uma vontade incondicional de, em conjunto, fazerem mais e melhor, sem que acabem a garantir que estão a fazer tudo o que é possível... Na realidade ninguém é bom juiz em causa própria!

Minimizando as suas potencialidades, temos ouvido, com alguma frequência, ser o Conselho Municipal de Segurança um órgão consultivo com competência legal para emitir pareceres. Dito desta forma parece que não serve para coisíssima nenhuma para além de entreter e queimar tempo...Não é bem assim! Ou melhor, apenas será assim se não houver capacidade de dirigir e de rentabilizar as potencialidades de tais conselhos.

Segundo a legislação que os criou (Lei n.º 33/98 de 18 de Julho), no seu artigo 2.º, diz, em sentido amplo, que, para além da natureza consultiva, têm a função de articulação, informação e cooperação. No artigo 3.º, vai mais longe ao definir que constituem objectivos do referido conselho « a) Contribuir para o aprofundamento do conhecimento da situação de segurança na área do município, através da consulta entre todas as entidades que o constituem; b) Formular propostas de solução para os problemas de marginalidade e segurança dos cidadãos no respectivo município e participar em acções de prevenção; c) Promover a discussão sobre medidas de combate à criminalidade e à exclusão social do município; d) Aprovar pareceres e solicitações a remeter a todas as entidades que julgue oportunos e directamente relacionados com as questões de segurança e inserção social.»

Sem nos querermos alongar em muitas mais transcrições, diz-se no artigo 7.º que «o conselho reúne ordinariamente uma vez por trimestre, mediante convocação do Presidente da Câmara Municipal.» Depois dos pontos aqui citados, não existirão dúvidas! Afinal as coisas não são bem como nos têm tentado fazer crer!

Os conselhos municipais são um instrumento à mão do poder autárquico para acompanhar com permanência as preocupações da comunidade em matéria de criminalidade. Os responsáveis pelas forças policiais com assento devem ser instados, cada vez que ali participam, a fazerem um ponto da situação criminal indicando as taxas de criminalidade, o número e tipo de ocorrências criminais registadas e acções desenvolvidas no período em análise. Devem indicar ao conselho quais os pontos citadinos mais sensíveis em matéria criminal e que justificam intervenções multidisciplinares prioritárias.

Os cidadãos de reconhecida idoneidade até ao limite máximo de 20 com assento no Conselho devem ser elos de ligação com a comunidade. Devem levar até ao conselho as preocupações da comunidade e devem levar do conselho até à comunidade as deliberações daquele. Por isso na escolha dos referidos cidadãos deve haver o cuidado de se incidir sobretudo em pessoas com capacidade de disseminação da informação e com conhecimento do fenómeno criminal para que não se deixem enganar com uma ou outra argumentação gratuita.

O conselho tem poder para solicitar à tutela o reforço do efectivo policial ou a melhoria de instalações, podendo até eventualmente assumir uma postura de predisposição à negociação para ver satisfeitas algumas reivindicações, mas para isso é necessário que reúna com regularidade. Se uma determinada reivindicação não foi satisfeita, três meses depois é necessário voltar a reivindicar até à sua solução. Se o aço quebra por fadiga, os decisores também hão-de quebrar!
É fundamental em primeiro lugar que os intervenientes acreditem nas potencialidades do conselho municipal de segurança e acima de tudo que reúna uma vez por trimestre, como define a lei.

Se os conselhos municipais não funcionam é por culpa dos presidentes de Câmara que não os convocam ou porque não têm capacidade de mobilização dos demais para cooperarem. Dentro de um consenso e de acções concertadas, se uma ou outra entidade não coopera, não se envolve e não consegue atingir os objectivos há que solicitar a sua responsabilização hierárquica.

Todos estamos demasiadamente cansados de conformismos e dos discursos da falta de meios quando na realidade as pessoas estão é presas a rotinas e não se envolvem verdadeiramente e de forma concertada no acompanhamento de questões tão simples como a iluminação pública, a limpeza dos espaços públicos, a conservação de fachadas, a rápida intervenção nas zonas degradadas e devolutas e as acções policiais estrategicamente planeadas para deslocalizar potenciais antros...

TRANSFORMAÇÕES...

As comunidades mais desenvolvidas, sobretudo aquelas que já se renderam aos «benefícios» das sociedades de consumo, vivem preocupadas com o bem-estar, com o conforto, com o prazer e estão a esquecer e a ignorar aspectos tão importantes como a necessidade de espaços físicos e temporais para as crianças brincarem ao ar livre.

As cidades crescem a cada instante em altura. Áreas que no passado eram utilizadas pelos mais pequenos para todo o tipo de brincadeiras, passando pela satisfação de um natural instinto de delimitação de território (vulgo fazer chi-chi), transformaram-se em imediações de prédios exclusivamente ocupadas por carros estacionados com apenas uma ou outra árvore disseminada por aqui e acolá.

Os novos modelos de sociabilidade e os desafios a que cada um está sujeito desde a nascença, apesar da emergência da era das comunicações e da informação, estão a tornar, paradoxalmente, as pessoas cada vez mais isoladas e as crianças cada vez mais dependentes e incapazes de reagirem e de zelarem pela sua segurança.

Fruto da conquista dos espaços citadinos, outrora públicos, pelos automóveis e pelas urbanizações, apesar da construção de um ou outro parque infantil, reduziu-se drasticamente o espaço para as crianças brincarem ao ar livre. Jogos que pressupunham o esforço físico, como o jogo dos pauzinhos, da apanhada, do esconde-esconde, da cabra-cega e até do peão, desapareceram completamente. As crianças passaram a estar ocupadas com uma infinidade de actividades atrofiadoras e paralisantes entre as quais os jogos de computador que apenas pressupõem a movimentação exclusiva dos olhos e de dois dedos.

As idas para a escola e para as actividades de tempos livres passaram a ser feitas de carro na companhia dos pais. As crianças praticamente deixaram de andar sozinhas na rua, deixaram de brincar na rua. Foram perdendo o afecto pela rua onde vivem e as suas referências. Tais comportamentos estão a contribuir para que as pessoas se preocupem cada vez menos com os espaços públicos, nomeadamente com a segurança e o afastamento de ameaças várias.

As cidades estão a transformar-se em pólos disseminadores de inseguranças, de grandes inquietações, medos e receios, potenciados pelas transformações operadas nos modos de ordenamento e nos modos de vida citadina. A inocência dos comportamentos das crianças está a ser profundamente alterada pelas preocupações e representações dos adultos.

As crianças de hoje, menos predispostas à prática de actividades físicas, mais obesas e mais sedentárias, inevitavelmente, serão adultos ainda mais individualistas, ao mesmo tempo menos autónomos e independentes do que os seus pais, mas dramaticamente mais propensos ao consumo de substâncias psicoactivas. Embora tendam a demonstrar cada vez mais preocupação com a segurança dos seus bens e dos espaços públicos, na realidade estarão cada vez menos disponíveis para colaborar com as causas e interesses securitários comuns.

Em nome da segurança, é fundamental que os pais concedam espaço físico e público de acção e de determinação aos filhos, e que este urbanismo desenfreado, movido por interesses de especulação imobiliária, deixe de expulsar as pessoas das ruas porque são sobretudo elas que garantem a segurança dos espaços onde habitam e circulam.

Naturalmente, muitas das preocupações de hoje, num futuro não muito longínquo, nenhum receio representarão na medida em que o Homem e as novas tecnologias tenderão a resolvê-las. No entanto outras ameaças estão a surgir e sem dúvida que as restrições hoje impostas às crianças estão a provocar transformações.

FINALMENTE COMPREENDI!

Na última semana de Janeiro de 2006, lá se comemorou mais uma abertura do Ano Judicial. Como é da praxe, pompa e circunstância quanto baste estão garantidas ano após ano, mas mesmo assim tais cerimónias apenas têm conseguido demonstrar como as preocupações são efémeras...

Quem não ouviu os discursos da sessão de abertura do Ano Judicial de 2005, após ouvir com atenção os discursos de 2006, apenas pode ficar com a convicção de não ter perdido nada. Está tudo, mas absolutamente tudo na mesma ou pior do que nos anos anteriores!

Dado o atraso a que, sistematicamente, quem pretende aceder às estatísticas do Ministério da Justiça está sujeito, objectivamente, neste momento não dispomos de dados válidos que nos permitam afirmar com alguma segurança se a situação está melhor ou se está pior, embora, consensualmente, se afirme que a situação da justiça portuguesa está cada vez pior.

A última sessão solene, na linha das anteriores, ficou marcada por alguns factos que justificam a nossa atenção sobretudo para melhor se perceber como a crise que diariamente se vive no sistema de justiça português é alimentada por um insólito corporativismo que só encontra comparação no nosso sistema de saúde português! (Certamente contas de outro rosário...)

Propositadamente ou não, uma das jornalistas de um canal televisivo entre os que fizeram a cobertura do evento, perguntou aos participantes (um por um à saída do salão nobre) o que achavam dos discursos dos intervenientes? As respostas foram unânimes em considerar os diagnósticos traçados entre o muito bom e o excelente... Todos gostaram do que ouviram! Em síntese, todos demonstraram estar de acordo com o facto de, no reino da justiça, o cenário existente não poder continuar! Mas em bom rigor ninguém trouxe nada de novo.

O Presidente da República, no seu discurso, optou por uma posição dual: seguiu uma linha preenchida pelo «claramente evidente» e uma outra linha, composta, bem ao jeito da escola que marcou os seus discursos de outrora, envoltos em mistério, com destinatários não identificados nem identificáveis, materializando autênticos oráculos. Assim, na viva voz de Jorge Sampaio, pudemos ouvir um conjunto de frases a que não resisto citar, deixando um breve comentário e deixando também ao critério do leitor espaço para as suas ilações: «(...) nada é mais gerador de insegurança do que o desrespeito pela liberdade (...)» – Verdade insofismável! Haja alguma coisa neste país em que todos estamos de acordo!

«(...) os últimos três anos trouxeram para o palco da informação um tal catálogo de práticas, seja no domínio dos direitos dos arguidos, seja no da protecção dos direitos das vítimas, seja na intrusão na vida privada e na indiferença pelo bom nome das pessoas (...)»; – E o que aconteceu nos outros sete em que Jorge Sampaio foi Presidente da República? Como o mais Alto Chefe da nação, que magistratura de influência exerceu para que não chegássemos ao ponto a que diz termos chegado?

«(...) as restrições aos direitos e garantias dos cidadãos não podem ser uma estrada larga em que se dê pasto ao alarme social, às insuficiências policiais e ao controlo das instituições judiciárias pela opinião pública (...)»; – Há ou não excesso de garantias? Há ou não insuficiência de meios policiais? Quem mais tem tentado controlar as instituições judiciárias: a opinião pública ou o Poder Político? Se não é o Poder Político, para que serve a recém criada Lei de Política Criminal?

«(...) arrepiar caminho rapidamente, com um catálogo restrito e claro dos crimes graves que podem justificar escutas telefónicas (...)»;– Então o que é que está escrito nos artigos 187.º, 188.º, 189.º e 190.º do Código de Processo Penal (CPP)? O que é o artigo 187.º CPP senão um catálogo restrito e claro dos crimes graves que podem justificar a realização de escutas telefónicas?

«(...) o regime de escutas telefónicas tem de ser excepcional e minuciosamente controlado (...)»; – O que é que dizem os artigos 188.º e 189.º do CPP? Pelo menos segundo a lei em vigor sob pena de nulidade as escutas são excepcionalmente e minuciosamente controladas? Será necessário publicar mais uma lei que obrigue ao cumprimento da lei existente?

«(...) é o que sempre tem acontecido, com a terrível designação de julgamentos na praça pública (...)»; – Devem ou não os órgãos de comunicação social revelar factos apurados? Devem ou não os órgãos de comunicação social ser responsabilizados criminalmente quando violam o segredo de justiça? Devem ou não os tribunais possuir gabinetes de relações públicas que forneçam elementos suficientes à comunicação social para que esta cumpra o seu dever de informar com rigor, isenção e restritamente dentro do legalmente permitido?

Por fim Jorge Sampaio exigiu ao Estado «que poupe em tudo o que seja supérfluo, mas que organize e dote de meios as polícias e os tribunais que actuam na área fiscal, e nas áreas com ela conexas, para que, com a eficácia de maiores réditos e mais alargada punição da criminalidade, seja aliviado o contribuinte cumpridor (...)»: – Não é isto que o Governo de Sócrates tem feito desde que tomou posse?

Então os elogios recíprocos dos discursos da apresentação de cumprimento de Ano Novo entre o Governo e o Presidente da República não eram autênticos? Então o Governo de Sócrates está ou não a fazer tudo bem feito?

Tive dificuldade em lá chegar, mas só depois da mais recente sessão de abertura do Ano Judicial de 2006, através do diagnóstico traçado pelo Presidente da República e dos elogios de que foi alvo, consegui perceber o verdadeiro estado da justiça portuguesa! Finalmente entendi o motivo pelo qual aquele que considero o pior bastonário da ordem dos advogados de sempre (José Miguel Júdice) afirmou que Jorge Sampaio foi o melhor Presidente da República Portuguesa de sempre...