CONFIAR EM QUEM?

Esta é porventura uma daquelas semanas em que sobejam os motivos para se escrever uma crónica. De tamanha abundância o assunto praticamente se resolvia apenas com o enumerar de hipotéticas temáticas a abordar e de imediato ficaria para a história (se é que alguém, algum dia, se vai interessar pela balbúrdia em que vivemos actualmente) um autêntico catálogo de más práticas, ou dito de outra forma uma verdadeira crónica de maus costumes.

Não vamos falar sobre o definhar das finanças públicas, com uma quebra de receitas e um aumento da despesas, cujo diferencial entre o dever e o haver, esta semana, assumidamente já ultrapassou os 8%.

Não vamos falar do desemprego que semana após semana atinge os maiores valores de sempre ultrapassando de forma avantajada o meio milhão de portugueses.
Não vamos falar do Ministro da Economia nem do Ministro da Defesa que quem sabe em nome do Primeiro-Ministro, ou melhor, em nome da defesa do Primeiro-Ministro, se atiraram à Justiça acusando-a de fazer «espionagem política».

Não vamos falar da politização da justiça nem tão pouco da judicialização da política como agora está tão na moda.

Vamos falar de algo bem mais elementar que fica a meio caminho entre tudo isto e que elegemos como demonstrativo dos tempos conturbados vividos recentemente numa autêntica deriva em que o país mergulhou em diversos sectores entre os quais o da segurança, sem que ninguém seja capaz de assumir o que quer que seja. Se não, vejamos.

A Procuradoria Geral da República através de um relatório que tornou público através do seu site veio esta semana desmentir o Relatório Anual de Segurança Interna de 2008 (RASI), aprovado na Assembleia da República, em Março de 2009. O referido RASI diz, na página 80, que a criminalidade denunciada, em 2008, cresceu 7,5%, em relação a 2007. Agora o Relatório da Procuradoria diz que a criminalidade denunciada em 2008, em relação a 2007, cresceu 16,1%, ou seja, houve mais 77.462 crimes atingindo os 557.884 crimes.

O RASI, através de uma nota, em aditamento, da responsabilidade do Gabinete do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, diz que a delinquência juvenil «entenda-se os actos criminosos praticados por menores de 16 anos de idade», em 2008, o «fenómeno observou um decréscimo acentuado, relativamente ao ano de 2007, registando-se um total de 2.510 participações, o que corresponde a uma diferença percentual de -43,5% (menos 1.930 casos participados). Agora o relatório da Procuradoria-Geral da República vem dizer que no âmbito da delinquência juvenil em 2008, em relação a 2007, registou-se um aumento da ordem dos 5%, mais 452 casos atingindo os 9.159 casos (quase quatro vezes mais que o número apresentado pelo RASI).

É evidente que por detrás do que aqui denunciamos fica nas entrelinhas a existência de sérias dúvidas sobre o denominado funcionamento regular das instituições. Dito de outro modo, ficam sérias dúvidas sobre se as pessoas que estão à frente das instituições citadas à semelhança de muitas outras estão conscientes das respectivas missões? Ou se apenas ali estão a materializar a confusão generalizada que se instalou com as nomeações fundamentadas na confiança política em detrimento das nomeações fundamentadas na competência técnica, onde tudo pode ser feito em nome do pagamento de um favor?

Seja como for, o que nos parece é que cada vez mais temos menos pessoas em quem confiar…

CHAMADA DE ATENÇÃO!

Acredito piamente que ninguém está a agir de má-fé. Nem nada nos move contra ninguém em particular! Longe de nós tal intenção! Contudo, há tempos que ando a pensar no assunto e por isso acho que chegou o momento de partilhar convosco, um pouco ao jeito de uma simples chamada de atenção, mas, se acharem que a razão não nos assiste, amigos na mesma…

Há anos que o simpático Pedro Moura pela manhã nos brinda com a sempre boa disposição do seu popular programa com muita informação à mistura.

O Bom Dia tem sido sobretudo uma oportunidade de promoção e divulgação de eventos regionais no âmbito do verdadeiro conceito de serviço público. Constitui mesmo um espaço regional único que a não existir muito daquilo que culturalmente se faz nas nove ilhas e nos dezanove concelhos ficaria confinado ao espaço e aos intervenientes.

Por tudo isto está de parabéns a RTP-Açores, o nosso amigo Pedro Moura e toda a equipa que, com esforço e dedicação notáveis, diariamente, nos presenteiam. Atrevo-me mesmo a sugerir que esta ideia e estes intervenientes devem ser reconhecidos num próximo 6 de Junho pela dedicação à causa pública, nomeadamente, na divulgação e preservação da identidade cultural, ou em síntese da açorianidade, como apelidou Vitorino Nemésio.

O reparo a fazer prende-se com o facto de ciclicamente um proprietário de uma determinada livraria local ser convidado a divulgar os livros que, na sua opinião, com os seus critérios, e quem sabe com os seus interesses legítimos como comerciante, devem ser divulgados. Parece-nos que a ideia não é particularmente feliz e é mesmo discriminatória.

Em nome da igualdade de oportunidades, não deveria ser privilegiado um único comerciante de livros com a oportunidade de promover os livros que obviamente possui para vender, na medida em que existem muitos outros comerciantes que a nível regional se dedicam à comercialização de livros. (Pessoalmente só em Ponta Delgada conheço 12 estabelecimentos comerciais que vendem livros além das três Estações dos Correios.)

Bem sabemos que todos os comerciantes são livres de publicitar os seus produtos ou serviços a expensas próprias. Todavia, para se continuar com a actual estratégia de divulgação de livros do Bom Dia, deveria ser dada a oportunidade, de forma rotativa, a todos os comerciantes, ou então à semelhança da RTP-1, a pessoas que nada têm a ver com a comercialização de livros, como é caso de Marcelo Rebelo de Sousa, entre outros, aliás como a própria RTP-Açores fazia em tempos ao convidar personalidades da sociedade açoriana para aconselharem a leitura dos livros que entendessem.
Fica o reparo e a nossa consideração!

UFA! QUE TORMENTA…

A coisa esteve difícil! A coisa foi mesmo muito difícil!

Depois da decepção de 1998, tal como milhões de portugueses, demos a coisa quase como perdida. O país ficou mesmo à beira de um ataque de nervos…

A excelência da campanhas de 2004, 2006 e 2008 elevaram o nosso ego, fizeram diminuir a criminalidade nos meses das grandes decisões e levaram-nos a interiorizar que, sendo bons como somos, não podemos ser postos de lado tal como se faz com as espinhas por mais saboroso que seja o manjar. Há meses que se sentia no ar um nervoso miudinho de tanto se pensar que poderíamos ser postos de lado.

Felizmente de um momento para o outro o mundo começou a sorrir-nos, e o ar fétido dos nervos estorricados num qualquer Cabo das Tormentas começou a ser substituído pelo cheiro da terra quente do Cabo da Boa Esperança. Alguém tentou acalmar-nos sussurrando ao nosso ouvido que já cheirava a África do Sul…

Nada disso! De perto se tinha tornado longe, «ai, tão longe daqui», como diz o outro, e claro a esperança por todo o lado era espremida pela tormenta. Mas, como sempre, «até ao lavar das cestas é vindima» e de calculadora em riste lá fomos fazendo contas e mais contas, construindo e destruindo cenários até que por fim o sol lá espreitou por entre as prenhes nuvens de negro.

Foi difícil! Foi muito difícil! A malta aguentou-se e sem bandeiras nas janelas, nas chaminés e nas antenas dos carros, como noutros tempos, por fim lá conseguimos respirar de alívio. Tudo mudou… Aquelas «bestas», que quase nos envergonhavam, deixando-nos mergulhados na mais profunda depressão colectiva, afinal são geniais!

Conseguem fazer coisas fabulosas… Conseguem construir jogadas inigualáveis… Caramba! Afinal somos mesmo bons. Para além do melhor «treinador teórico do mundo», do CR7 e/ou do CR9, temos os melhores jogadores do mundo e já estamos novamente mergulhados ali algures entre a esperança e o cume da euforia.

Acabou! Não nos vamos importar mais com ninharias… O que interessa que andem por aí uns gajos a roubar? O que interessa andarem por aí uns gajos a comprar e a vender favores? O que interessa que tenhamos sabido esta semana que atingimos a maior marca de sempre, desde que há estatísticas, no número de desempregados? O que interessa que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, mais o Procurador-Geral da República, mais o Bastonário dos Advogados, mais um Juiz de Aveiro e uns outros quantos não se entendam?

Ufa! Tudo são ninharias…Nada disso interessa! Nada é tão importante como estarmos no Mundial de 2010 na África do Sul e o nosso talismã é o Comandante da SATA que, com a Selecção Nacional a bordo em direcção ao sítio do nosso contentamento, fez escala na Bósnia.

Obrigado, Comandante! A sua próxima missão é, depois de escalar a África do Sul, em 2010, trazer de regresso a casa os Campeões do Mundo!

JURE QUE EM DEZEMBRO SÓ VAI DAR AFECTO!

Dezembro é tradicionalmente o mês da Restauração da Independência, da Imaculada Conceição, da Padroeira de Portugal, das montras (por cá), das prendas, do Natal, da Família e tristemente um dos meses marcados pelas mais elevadas taxas da prática da violência.

Há anos, décadas, talvez até há séculos que a nossa história colectiva se escreve assim! E é pena é que durante outro tanto tempo, decisores, instituições e a comunidade em geral tenham ignorado esta dura realidade.

Não é fácil aceitar que, no período em que nos tornamos mais generosos, em que olhamos mais para o próximo, em particular para os mais pobres e indigentes, não sejamos capazes de abdicar da agressividade e da prática da violência sobre aqueles que nos são mais próximos e com a agravante de, segundo as estatísticas, em cada dois casos de prática de violência entre cônjuges ou pessoas em situação análoga, uma dessas práticas seja presenciada por quem é o centro da quadra natalícia – as crianças!

De que serve consumirmos tudo e mais alguma coisa? De que serve gastarmos as nossas poupanças em prendas? Em roupas? Em comidas? Em bebidas? Em perfumes? Em livros? Em discos? E sei lá que mais se não formos capazes de dar um abraço de afecto, de ternura e de jurarmos que não mais precisamos de fazer uso da prática da violência em particular sobre aqueles para com quem temos em primeiro lugar o dever de amar?

No ano passado, registou-se, em média, nos Açores, cem agressões mensais entre familiares. Uma agressão a cada sete horas. Paradoxalmente no mês de Dezembro registaram-se 160, ou seja, uma agressão a cada seis horas. Perdoem-me a intromissão, mas isto não faz sentido! Há qualquer coisa que está a falhar na formação e consciencialização da população açoriana.

Bem sei que o ano de 2009, nos Açores, ficou marcado pelo arranque do maior esforço de consciencialização de sempre para a não violência. Contudo, é muito pouco em relação ao efectivamente necessário. É preciso fazer muito mais! É preciso dar ainda mais abrangência a tal esforço! Por que não rentabilizamos o potencial que a RDP e RTP-Açores possuem no âmbito do serviço público nesta luta contra a violência? Por que não colocamos nos pacotes do leite, da manteiga, do açúcar, nas kimas de maracujá, nos rótulos das cervejas e demais bebidas alcoólicas, (…), mensagens de apelo à não violência? (…)

São poucas as áreas de intervenção social nos Açores com maior amplitude que a luta contra a prática da violência. É importantíssimo que a comunidade se consciencialize de que esta região do país não está condenada a ser aquela em que existe a maior propensão para a prática da violência.

Em nome de um verdadeiro Natal, nada faz sentido se não formos capazes de compreender este problema que colectivamente temos entre mãos!

UM DISPUTADO SEDUTOR

Dominic Baronet tornou-se esta semana mundialmente conhecido pela proeza conseguida. Engravidou 12 mulheres que conheceu ao longo dos últimos tempos, tendo todas em comum o facto de terem sido descobertas pelo viril sedutor na internet.

Bom! Até nem se pode dizer que a coisa seja assim tão grave quanto isso… O jovem em causa já tem 26 anos e pelo que se sabe todas as grávidas são também maiores e pelos vistos «vacinadas» e a única estratégia utilizada para o efeito foi a arte da sedução. Depois a Inglaterra também tem um problema de envelhecimento da população pelo que o autor da proeza até deu um contributo a que os comuns dos mortais ingleses já não se atrevem...

As mulheres acabaram por descobrir a teia de alcova de que foram vítimas e acabaram por combinar encontros entre elas embora não se saiba com que finalidade. Será que para se entre-ajudarem? Para criarem alguma associação de mulheres enganadas através da internet? Para enfrentarem desmascarando o disputado sedutor? Para o obrigar a assumir a paternidade e exigir a respectiva pensão de alimentos? Para assumirem uma estratégia mais ou menos radical que inviabilizará qualquer esforço do sedutor prosseguir os seus intentos? Não se sabe, mas é pena porque assim teríamos ficado a saber algo mais sobre os sentimentos e a sensibilidade daquelas mulheres!

Pelo que também se tornou público, Dominic Baronet já tinha estado preso durante quatro anos devido ao tráfico de droga e só depois de cumprir a prisão se tornou fã e utilizador assíduo da internet ao ponto de ter usado todo o potencial da mesma para conseguir os faustosos resultados.

Em tempos foram divulgados os resultados de uma tese de doutoramento realizada em Inglaterra cujo autor tinha chegado à conclusão que a melhor estratégia de ressocialização dos autores de práticas criminosas consistia em incentivá-los a conquistar o coração de alguém e levá-lo ao altar.

Não sei se Dominic Baronet foi ou não incentivado pelo instituto de reinserção social inglês, mas tudo indica que o mesmo se desdobrou em esforços de materializar a proposta que já Travis Hirshi nos anos setenta do século passado nos tinha indicado através da «teoria dos laços sociais». Para além de tudo quanto se possa dizer, o presente caso tem sobretudo o mérito de demonstrar que ao fim e ao cabo todas as pessoas são boas em alguma coisa e por vezes precisam é apenas que as ajudem a descobrir…

COMO FOI POSSÍVEL?

Deveríamos estar muito felizes! Deveríamos sentir-nos os seres humanos mais felizes à superfície terrestre. Temos mesmo motivo para lamentar o facto de milhões de portugueses não serem capazes de reconhecer a enormidade da abundância da felicidade que nos rodeia. É mesmo de lamentar ver-se tantas pessoas cabisbaixas de nariz quase rente ao chão. Chega a ser confrangedor ver-se desvalorizada toda esta torrente de felicidade.

O problema maior parece residir no facto de as pessoas ainda não terem tido consciência do quão iguais nos direitos vamos passar a ser. Caramba! Isto é digno de ser celebrado e de nos deixarmos tomar pela alegria.

Finalmente alguém de um momento para o outro descobriu o que estava verdadeiramente a fazer falta a toda esta gente deprimida, cinzenta e constantemente a irradiar tristeza. Caramba! Alegrem-se e preparem os vossos fatos domingueiros para que ninguém falte à celebração.

Finalmente vamos ter ao vivo e a cores casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Já pensaram bem na importância deste facto? Na realidade nos tempos que correm não se consegue encontrar paralelo entre tudo quanto eventualmente faz falta à sociedade portuguesa. Desculpem qualquer coisa! Ponham lá de parte esse problemazito que há tempos vos atormenta. Isso não é nada quando comparado com o facto de as pessoas não poderem casar com outras do mesmo sexo.

Há uma tendência profundamente enraizada na sociedade portuguesa para acharmos sempre que o nosso problema é o maior de todos os problemas. Pura ilusão! Tudo não passa de um sentimento mesquinho de pensarmos que somos o centro do mundo e que tudo passa por lá…

Desenganem-se! Deixem de se lamentar! Questões como o desemprego, a corrupção, o péssimo funcionamento da justiça, a dificuldade no acesso aos cuidados de saúde, as baixas taxas de sucesso escolar, a falta de idoneidade de uma parte considerável dos nossos políticos, entre outras, são ninharias desprezíveis quando comparadas ao sofrimento experimentado por pessoas do mesmo sexo por não poderem casar.

Bem sabemos que pessoas do mesmo sexo já podiam viver em união de facto. Bem sabemos que já podiam apresentar as declarações de IRS em conjunto e até usufruírem de benefícios fiscais. Mas, caramba! Isso não é nada quando comparado com a felicidade que resulta do facto de as pessoas poderem casar.

Por tudo isto não se percebe como foi possível, com novecentos anos de história, termos esperado até ao século XXI para permitirmos o casamento entre pessoas do mesmo sexo?. Como foi possível termos perdido tanto tempo com coisas sem importância nenhuma e nos termos esquecido do filão da felicidade que é o casamento de pessoas do mesmo sexo?

Caramba! Deixem-nos ser felizes que de resto pouco ou nada importa…

A POLÉMICA DE SARAMAGO

Dá vontade de rir! É o mínimo que se pode dizer sobre tudo quanto já se disse e se escreveu em torno das declarações de José Saramago, na apresentação do seu novo livro. Não há dúvida de que estamos a assistir a uma demonstração de falta de racionalidade por todos os quadrantes, incluindo o próprio…

De certa forma já deveríamos estar habituados às estratégias normalmente bem sucedidas por parte de Saramago na publicitação da sua obra. (Só encontro paralelo em Madona.) Tal como já tinha usado a fórmula, Saramago repetiu-a e novamente pretensos defensores da Igreja não resistiram e caindo na armadilha contribuíram de forma sublime para a publicitação de «Caim».

Todos sabemos que a Igreja Católica não é propriamente um poço sem fundo de virtudes. A afirmação constitui mesmo uma banalidade. Inventada pelos homens não poderia deixar de ser imperfeita tendo cometido ao longo de séculos erros abissais.

Por isso o Papa João Paulo II se encarregou de pedir perdão à humanidade e em nome dos mais basilares princípios do humanismo devemos perdoar e colectivamente esforçarmo-nos, sem outros interesses, para que idênticos erros não sejam cometidos no futuro em nome da religião, da teoria, ou de uma qualquer ideologia.

José Saramago, o português galardoado com o Nobel da Literatura, cujo reconhecimento é por muitos questionado quando comparado com a obra de Vergílio Ferreira ou de Lobo Antunes, não é seguramente um ser perfeito e omnipotente.

Todos sabemos que José Saramago é alguém que não esconde uma aura de arrogância e muita, muita dificuldade em lidar com a diversidade, a identidade e até a opinião dos demais. Todos se devem recordar da forma como lidou com um jornalista da SIC porque um seu colega tinha antecipado a divulgação do seu discurso. Todos nos recordamos das suas palavras ameaçadoras de não voltar a Portugal se Durão Barroso ganhasse as eleições. Todos nos recordamos da ameaça de recusar a nacionalidade portuguesa se… entre tantos outros dislates a troco de protagonismo fácil em que todos embarcam. Com tantas demonstrações e ameaças não cumpridas, todos já deveríamos estar habituados a não levar a sério os espasmos de alma de Saramago.

Independentemente de acreditarmos ou não, independentemente de gostarmos ou não, independentemente de perfilharmos esta ou aquela ideologia a grandeza de um homem nunca se medirá pelos prémios ou pelo mediatismo que conseguir, mas sim pela humildade e pela capacidade de respeitar a diferença. Nisto José Saramago, para meu desgosto, tem sido muito mais pequeno que a dimensão da sua obra! Por tudo isto o melhor é «não dar mais para este peditório»…

MAIS UM…

O presidente da Associação Sindical dos Juízes, António Martins, em recente entrevista a um jornal diário regional, com todas as letras e com a frontalidade que o caracteriza, assumiu que a estrutura orgânica da Justiça na Região não é a adequada às necessidades e especificidades dos Açores, devendo por isso ser repensada.

É mais uma voz, de mais um sector, que, por imposição constitucional depende em exclusivo da Administração Central, põe em causa as respostas que são dadas aos anseios das populações locais.

A história está cheia de demonstrações da forma tardia como sectores da exclusiva responsabilidade da Administração Central são regulados na Região. Infelizmente sempre foi assim. São demasiados os exemplos da desconformidade de funcionamento, na Justiça, nas Forças de Segurança e nas Forças Armadas, resultante de uma certa representação cristalizada de que por cá não acontece nada relevante para além de chover todos os dias…

Por isso concordo com tudo o que António Martins disse e para além de quanto tenho dito, acrescento ainda a denúncia da Administração Central por se ter esquecido da Região em relação à criação dos Julgados de Paz e em relação à Mediação Penal que, atendendo às especificidades regionais muito marcadas pelas abundantes bagatelas penais, poderiam ser meios com forte impacto e com resultados mais relevantes que os conseguidos nas diversas regiões do continente em que foram implementados.

Da análise dos Relatórios de Segurança Interna dos últimos anos bem como dos estudos sociológicos que têm sido realizados conclui-se que existe por cá uma criminalidade caracterizada por ser «baixa criminalidade», mas intensa em particular em Ponta Delgada, Ribeira Grande, Lagoa e Angra do Heroísmo.

Fruto da proximidade entre a população e as forças policiais, as taxas de identificação/detenção dos agressores contra as pessoas e/ou património são bastante significativas quando comparadas com outras regiões, porém a referida intensidade criminal demonstra que parte significativa dos crimes aqui ocorridos precisam ser resolvidos de forma bastante mais célere e com muito menos impacto no sentimento de segurança...

Assim, era importante que fosse aumentado o grau de exigência da Região para que a resposta por parte da Administração Central fosse mais adequada às necessidades regionais e em tempo útil. A intromissão regional crescente em tais sectores só traz benefícios e há que não ter medo. Se, por exemplo, ao nível da formação profissional a Região não se tivesse autonomizado jamais teria sido possível obter os resultados que se conseguiram nos últimos 10 anos.

PARIDADES…

Se actividades há, nomeadamente no ensino, na saúde e na justiça em que as mulheres já conquistaram os respectivos espaços, ultrapassando nalguns casos os homens, materializando a denominada feminização, sectores há em que as mulheres continuam a ser relegadas para segundos, terceiros e quartos planos…

O exercício de funções de chefia em geral e em particular na política são disso exemplos, quando apenas se tinha a ganhar que as mulheres os assumissem, como têm demonstrado os inúmeros estudos. As mulheres são mais assertivas, mais respeitadoras da ética e da deontologia, mais cumpridoras das normas e mais afectuosas que os homens. Por isso, a assunção de cargos de chefia por mulheres garante à partida uma humanização do cargo, o que não pode ser desperdiçado.

O problema é que, apesar dos avanços, continuamos a possuir uma sociedade profundamente machista que reserva às mulheres papéis subalternos. E quanto a isto, ai amigos, ai amigas, estamos perante um mecanismo com o poder de uma herança genética que nem à força da lei se altera!

Em nome duma suposta igualdade entre os sexos, ou como agora se usa dizer, em nome da igualdade de género, os recentes actos eleitorais foram os primeiros que em Portugal se realizaram com observância à chamada lei da paridade.

O princípio subjacente à referida lei não merece qualquer reparo, na medida em que, a bem do desenvolvimento da espécie humana e das sociedades, é fundamental que homens e mulheres, em igualdade de circunstâncias, se possam dedicar às mais variadas actividades. Porém, uma coisa é a teoria, outra bem distinta é a prática. As últimas eleições são a mais acabada materialização de tal facto.

Com a lei da paridade a vigorar, o resultado é que a Assembleia da República, nesta nova legislatura, tem menos mulheres do que na anterior. De que serve ter uma lei que obriga, na elaboração de listas, à existência de tantas mulheres como homens se as mulheres são estrategicamente colocadas em lugares que não são elegíveis?

O grande problema é uma parte significativa das nossas instituições serem covis de personalidades eternizadas em cargos e em poderes que a todo o custo afastam todos quanto são capazes de fazer sombra, todos quantos, em nome da racionalidade, são capazes de questionar decisões e de apresentar alternativas.

A não aceitação de que todo o poder é efémero e que muitos outros há que são sempre capazes de fazer ainda melhor do que nós é o nosso grande problema e um dos maiores entraves ao desenvolvimento da comunidade.

Tenham dignidade e deixem-se de tentativas de eternização porque a finitude é a nossa condição e a igualdade à oportunidade um imperativo da ética republicana.

QUEM ASSUME A RESPONSABILIDADE?

Conforme aqui denunciámos, passado o período eleitoral, de modo estratégico, foram divulgadas as conclusões do estudo encomendado pelo governo ao Observatório Permanente da Justiça (OPJ).

As conclusões, como facilmente se adivinhava, na sequência da decisão de terem sido mantidas em segredo até agora, não poderiam ser piores e ao mesmo tempo tão evidentes. Estou perfeitamente à vontade para afirmar de novo (do mesmo modo que o fiz em 2007 ainda antes da entrada das leis em vigor, basta que releiam o que escrevi a propósito) que a maior parte das alterações às leis penais foram um enorme disparate e custa a acreditar como foi possível que alguns supostos entendidos as tivessem defendido fundamentando com méritos que só eles conseguiam ver.

Pior ainda é que, se perguntassem a opinião (sem insultar ninguém) ao mais ignorante dos cidadãos em matéria de Direito sobre alguma das alterações então introduzidas, seria difícil que não fosse capaz de identificar o que agora o OPJ identifica como resultados indesejáveis.

Entre inúmeros exemplos, uma dessas alterações que o OPJ vem agora denunciar é o facto de a prisão preventiva não poder ser aplicada aos indivíduos que praticam furtos qualificados, entre os quais aqueles que fazem do furto modo de vida. Mas era necessário ser o OPJ a dizer isso? Qualquer cidadão deste país digno do nome aceitava que um indivíduo, apanhado vezes sem conta pelas polícias a apropriar-se indevidamente do trabalho dos outros, não fosse privado da liberdade como forma de fazer cessar os seus ímpetos?

Outro dos exemplos e que já toda a gente tinha constatado (à excepção dos responsáveis pelas referidas alterações) é que o sistema de justiça português não consegue condenar personalidades detentoras de poder. Mas era necessário um estudo do OPJ para se chegar a esta conclusão?

Recuando no tempo, recordo-me das intervenções que alguns políticos fizeram em defesa das leis penais, entre os quais o deputado Ricardo Rodrigues, um dos representantes da Região Autónoma dos Açores. Seria no mínimo dignificante que perante as evidências viesse a público assumir responsabilidades.

Desperdiçaram-se recursos, perdeu-se tempo e os resultados são agora piores do que até então. O sentimento de segurança da população portuguesa, de acordo com os estudos do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, é bastante pior do que em 2004.

Não se deu ouvidos às muitas chamadas de atenção de que se estava a legislar com base em pressupostos errados entre os quais o de que em Portugal se abusava da prisão preventiva.

Por que motivo não deram ouvidos ao Procurador-Geral da República ou a pessoas como o professor Costa Andrade que tinham estado ligados às anteriores reformas penais? Em nome de quê e de quem se vão fazendo tantos disparates?

Pelos vistos nada disto é grave e para cúmulo só falta mesmo o Sr. Alberto Costa ser reconduzido como Ministro da Justiça, ou quem sabe em alternativa o Sr. Rui Pereira!

A EMERGÊNCIA DA SEGURANÇA PRIVADA!

A deterioração do sentimento de segurança a nível nacional está directamente relacionada com a crescente procura de serviços de segurança privada. Estamos perante dois factos.

O primeiro é demonstrado pelo último estudo de opinião do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, datado de Março de 2009: são já 36,5% os portugueses que se consideram inseguros e 30% os que não acreditam na eficácia das forças de segurança. Curiosamente o mesmo estudo demonstrou que nos Açores o sentimento de segurança é superior à média nacional, atingindo 32,7% os açorianos que se sentem inseguros, mas com a particularidade de serem 36,5% os que não acreditam nas forças de segurança. (Não se percebe muito bem por que motivo os Açores são a região do país onde se acredita menos nas forças de segurança!)
O segundo facto contido no primeiro parágrafo desta crónica resulta da leitura do relatório anual de segurança privada de 2008 no qual consta que são já 38.928 os cidadãos que desempenham funções de segurança privada, actividade esta que representa já 650 milhões de euros/ano.

Embora a segurança privada exercida junto de discotecas e estabelecimentos de diversão nocturna nada tenha a ver com a segurança privada exercida em museus, igrejas, empresas de construção civil, entre outros, quanto ao grau de ameaça, valores jurídicos em causa, modo de actuação e perfil de seguranças e segurados, foram os episódios associados à diversão nocturna no Porto que condicionaram a mais recente alteração da legislação sobre a actividade ao ponto de se ter criminalizado o exercício da actividade de segurança privada sem credenciação.

Como sempre que se legisla sob a pressão de casos concretos o resultado é criar-se legislação desequilibrada, foi exactamente o que aconteceu. Temos actualmente uma lei desajustada à realidade que trata como igual o que é diferente e o resultado foi transformar cidadãos que à partida são aliados da segurança e das forças policiais, cuja missão é guardarem propriedades, edifícios, obras, igrejas, em criminosos e a ter de responder perante a justiça simplesmente porque estavam a evitar que outros cidadãos, esses sim criminosos, se apropriassem indevidamente de bens resultantes do trabalho dos demais.

Nesta matéria como noutras, para além do desfasamento da letra da lei, é fundamental que haja bom senso e que acima de tudo, por parte de quem tem poder de fiscalizar e de julgar, seja assumida uma postura pedagógica e proporcional a cada uma das situações.

Assim é de esperar, tal como no passado com a lei do aborto em que juízes havia que tudo faziam para não condenar as mulheres que abortavam, ou com a lei do consumo de droga em que juízes havia que tudo faziam para não condenarem quem consumia, que tudo se faça para que zeladores, guardadores, vigias, protectores ou outra coisa que quisermos chamar sejam dispensados da condenação em detrimento da regularização.