A NOVA MENTALIDADE AGRÍCOLA

Tornou-se público que a linha de crédito disponibilizada por iniciativa do Governo Regional ao sector agrícola com a finalidade de o ajudar a fazer face a eventuais dificuldades, resultantes da existência de uma putativa crise, não atraiu o público alvo a avaliar pela baixa procura registada.

Longe vai o tempo da construção de representações sociais de que os lavradores eram pessoas muito pouco esclarecidas, facilmente ludibriáveis e que poucos conhecimentos detinham para além dos saberes relacionados com a actividade, passados de pais para filhos.

Longe vai o tempo da desprestigiante acusação de os agricultores viverem à custa dos apoios estatais, de viverem acima das suas possibilidades e de utilizarem apoios concedidos para a mecanização das explorações na compra de jeep’s e de outros bens identificadores de um certo estilo de vida.

Quando os agricultores se encontram confrontados com a perda de rendimentos, resultante da desvalorização consecutiva do preço em particular do leite e da carne ao nível da produção, tudo fazia adivinhar que a agricultura vivia dias negros.
Na sequência da ideia profundamente veiculada de que a agricultura açoriana se encontrava numa enorme crise, era razoável pensar-se que a facilitação de uma linha de crédito para fazer face sobretudo a dificuldades de tesouraria seria uma medida apreciada pelo sector. Pura ilusão!

Seria assim se o sector agrícola continuasse a ser composto por pessoas com um perfil coincidente com a representação social. O sector agrícola mudou muito. Pelos vistos a população agrícola nos últimos 20 anos transformou-se completamente. Hoje é composta por uma população muito mais informada, muito mais esclarecida e logo muito menos ludibriável. Só assim se compreende que tenha dito «não, obrigado!» à dita linha de crédito.

Como é evidente, quando uma actividade não é rentável e não consegue produzir o suficiente para fazer face às despesas correntes, contrair empréstimos é o pior que se pode fazer na medida em que a médio prazo a situação ver-se-á agravada com o pagamento de juros. Uma coisa é um empréstimo para melhorar o exercício da actividade, tendo em vista um aumento da produtividade/ rendimento; outra coisa é obter um empréstimo para fazer face a despesas imediatas.

Ora foi precisamente isto que os agricultores demonstraram saber distinguir. Confrontados com a impossibilidade de aumentar a produtividade, devido à existência de excedentes de produção, em vez de contraírem empréstimos para folgar a tesouraria optaram por racionalizar as despesas. Ao contrário daquilo que o Estado tem feito…

Que grande lição de economia deu o sector agrícola à classe política! Nem o mais ilustre professor catedrático faria melhor!

INTERPRETAÇÕES A GOSTO…

A Universidade Fernando Pessoa tornou público um estudo de opinião sobre as representações sociais em torno da actuação da Polícia de Segurança Pública.

Foi ampla a divulgação e multiplicaram-se os comentários e interpretações em particular por parte das associações sindicais. Pena foi que as leituras não tivessem sido mais rigorosas e que até tivesse havido alguns aproveitamentos e reivindicações indevidas.

Não deixa de ser curioso que já em 2004 um estudo realizado nos Açores, intitulado «Cartografia dos Medos», tenha permitido chegar na região às mesmas conclusões a que agora chegaram em relação ao continente. Portanto, chegamos lá seis anos antes e nesta matéria estamos à vontade porque o nosso estudo foi publicado e está inclusivamente disponível em PDF na internet. (Basta uma simples pesquisa pelo título.)

Seis em cada dez inquiridos defenderam que a Polícia de Segurança Pública deveria fazer mais uso da força/autoridade. Já em relação às acções de fiscalização em matéria de circulação rodoviária, os inquiridos maioritariamente disseram-se satisfeitos.

Tanto lá como cá a leitura de tais dados não pode ser conotada com a maior ou menor falta de meios, nem tão pouco com a desadequação da legislação em vigor. O problema reside sobretudo na representação que cada um dos inquiridos possui de si próprio e dos outros.

Na realidade, por norma, cada um de nós acha-se sempre cumpridor, residindo nos outros o desrespeito pelas normas e por todo o tipo de incivilidades. Assim, se os outros é que são os infractores, as Polícias têm que ser mais duras, inflexíveis e recorrer mais à força para fazerem cumprir a lei. Neste contexto, as pessoas não são capazes de representar a possibilidade de a força policial ser utilizada contra elas, mas sim contra os outros, por isso não espanta que maioritariamente achem muito bem o aumento do uso da força.

Idêntica leitura se pode fazer em relação ao desejo de não ser intensificada a acção policial fiscalizadora em matéria de circulação rodoviária. Como em matéria de trânsito as pessoas têm maior facilidade em assumir os seus «pecados» e como sabem que o resultado de tal acção tem maior probabilidade de as afectar, então o melhor é não desejar a intensificação do trabalho policial.

Em matéria de avaliação da acção policial como na maior parte das avaliações as pessoas acabam sempre por espelhar as representações, os valores, e, claro, os interesses individuais, por isso há que haver racionalidade nas leituras e não atribuir um valor excessivo àquilo que não o tem. Assim, independentemente das vontades, acima de tudo é preciso haver equilíbrio e actuação de acordo com o princípio da legalidade.

PAGAMENTOS COM JUROS? Deve ser verdade!

Está aí a obrigatoriedade do Estado de ter de pagar juros de mora a fornecedores, prestadores de serviços e a cidadãos em geral de igual modo aos mesmos cidadãos que já há muitos anos estão obrigados a pagar ao Estado quando se atrasam nos pagamentos.

A medida é justa. A medida do ponto de vista sócio-jurídico não merece qualquer reparo, o mesmo não se poderá dizer em relação à sua aplicação prática. Mais uma vez convém nunca esquecermos que existe uma profunda diferença entre a letra da Lei e a sua aplicação concreta.

Já quando se começou com a contabilização do tempo médio da morosidade dos pagamentos efectuados pelos municípios e a elaboração dos respectivos rankings como forma de se combater os constantes atrasos, cedo houve quem se entreteve a subverter a medida.

Os responsáveis de alguns organismos públicos, que se esforçavam por pagar a tempo e horas, continuaram a fazê-lo, como pessoas de bem, mas aqueles que por norma não cumpriam, em vez de diligenciarem para o pagamento atempado das suas dívidas, enquadrados na típica «arte de ser português», começaram a encurtar o tempo através de expedientes, como, por exemplo, acordar com o fornecedor ou prestador de serviços a emissão de uma requisição provisória não podendo ser emitida factura até à chegada da requisição definitiva.

Resultado: conseguiu-se encurtar o tempo de mora visto que apenas é contabilizado o tempo que medeia a emissão de factura e a sua liquidação. Como a requisição definitiva só é emitida quando há dinheiro para liquidar a despesa, alguns conseguiram passar a dizer que pagam até a menos de trinta dias quando na prática chegam a levar por vezes um ano ou mais.

Sabendo nós o que se ousa por cá, não valerá muito a pena alimentar esperanças que a obrigatoriedade do Estado em pagar juros de mora se efectivará nos tempos mais próximos. Será pura ilusão…

Tudo não passará da criação de mais um desconformismo entre os ditames normativos e a prática corrente, isto para o lado do Estado, porque os cidadãos continuarão obrigados a pagar juros sem nada lhes valer a reclamação…

É assim, somos fantásticos na arte do contorno e da subversão normativa!

A PROPOSTA

Depois de muito se ter dito e escrito nos últimos tempos sobre corrupção e sobre possíveis formas de a combater, eis que, do seio do Partido Socialista pela boca de três dos seus doze vice-presidentes, surgiu uma proposta de «tudo ou nada», ou seja, nada mais nem nada menos que tornar públicos os rendimentos brutos de todos os cidadãos através da internet.

Desconhece-se a verdadeira autoria da medida, tendo sido encarada como uma autêntica bomba atómica, no seio do próprio PS ao ponto de Francisco Assis garantir que, enquanto líder da bancada socialista, a dita proposta nunca passará disso mesmo.

Parece-nos evidente que a medida, apresentada de forma avulsa sem uma articulação sustentada entre o sistema fiscal e o sistema judicial, de pouco ou nada serve. Ou melhor. Vai servir sobretudo para encher páginas de jornais em particular em períodos de carência noticiosa a julgar pelo apetite voyeurista voraz da sociedade portuguesa e que constitui mesmo um dos nossos traços identitários.

Dentro da velha máxima de «quem não deve não teme» até se pode usar o argumento de que a publicação de rendimentos auferidos apenas pode constituir uma preocupação para quem tem algo a esconder. Nesta lógica, a publicação dos rendimentos de cada um de nós através da internet até poderia na realidade ser um contributo para o aumento da transparência desde que houvesse coragem para que fossem criados mecanismos de fiscalização eficazes para que todos os casos suspeitos sejam investigados.

Diz-nos a história que somos excelentes a identificar problemas e a criticar inactividades, mas muito rapidamente perante um qualquer esforço de fiscalizar transformamos o infractor em vítima e o agente fiscalizador em infractor. Ora, é precisamente aqui que a proposta defendida por alguns dos responsáveis pelo PS é de eficácia bastante duvidosa e os valores jurídicos sacrificados podem ser bem mais valiosos que os valores jurídicos acautelados.

Se a publicação dos rendimentos na prática fosse acompanhada de mecanismos de investigação de todas as suspeições, seria bem vinda, mas como neste país, na realidade, nada é feito a sério, tal publicação iria criar um profundo lamaçal conspurcando e consumindo muitos cidadãos impolutos, enquanto os do costume se desenfiariam entre os meros pingos da acção fiscalizadora do Estado do costume!

Enquanto não houver coragem para uma luta a sério à corrupção, à fuga ao fisco e ao enriquecimento ilícito o melhor, na realidade, é a dita proposta continuar a ser o que é sem passar disso mesmo!

P.S.: Caros leitores e amigos, ao longo de mais de um ano tive a oportunidade, concedida por este verdadeiro jornal regional, de convosco partilhar semana após semana preocupações e reflexões. Foi com muito gosto que o fiz, mas questões de ordem profissional e académica não me permitem, pelo menos nos tempos mais próximos, continuar a colaborar com assiduidade. Fica o meu agradecimento pela compreensão e a promessa do reencontro.

VALHA-NOS OS TRAVÕES QUANDO FALHAM OS SINAIS!

Uma recente alteração à circulação rodoviária, entre o fim do Ramalho e o início da Estrada Regional da Relva junto do acesso à via rápida Aeroporto – Ponta Delgada, na minha presença, já levou à ocorrência de dois acidentes.

Confesso que depois da alteração, eu próprio, a primeira vez que ali passei, tive de travar a fundo e não fosse eu um típico condutor «congruente assertivo!» teria engrossado as estatísticas regionais, com mais um acidente de viação.

Sou tentado a eleger o exemplo como a melhor demonstração das barbaridades que se cometem ao nível da sinalização. Ou se preferirem de outra forma, o exemplo demonstra a mais profunda falta de formação de alguns daqueles que têm a incumbência de sinalizar as vias desta região, senão atente.

Quem tradicionalmente circulava no sentido Relva – Ponta Delgada, para entrar na via rápida Aeroporto – Ponta Delgada, tinha um stop. Provavelmente, devido a alguns congestionamentos verificados o stop foi removido e colocado na via contrária no sentido Ponta Delgada – Relva. Até aqui tudo bem!

O primeiro problema, menor por sinal, resultou do facto de quem circular na via com a configuração de recta passou a ter de parar a favor de quem se cruza na via pela esquerda. O segundo problema é que o sinal stop, violando as regras, foi colocado no lado esquerdo em vez de no direito. (Bom, na realidade até podia ser colocado na esquerda, mas desde que em simultâneo fosse colocado outro na berma do lado direito.) O terceiro problema resulta do facto de terem sido postas no pavimento as marcas de stop, talvez para poupar tinta, apenas na intercepção das vias, sem qualquer sinalização prévia.

A junção dos vários pequenos problemas descritos produz uma autêntica armadilha aos que ali circulam a avaliar pelo número de acidentes e muitas mais travagens a fundo.

Pessoalmente diligenciei para que se procedesse à correcção da situação sugerindo que fossem colocadas bandas sonoras para indicar a proximidade de um sinal de stop e levar os condutores a reduzirem a velocidade, obviamente além da colocação de mais um sinal de stop no lado direito, ou na falta de mais um sinal, a simples troca daquele que se encontra do lado esquerdo para o lado direito, conforme regulamento estradal.

No tempo que medeia a escrita da presente crónica e a sua publicação, talvez o problema já tenha sido corrigido, no entanto fica a abordagem em jeito de apelo para o futuro, aos responsáveis pela sinalização das vias públicas da região para que, por favor, não atentem contra a segurança rodoviária. Num período em que tanto se está a investir em novas vias panorâmicas e no seu embelezamento não se pode ignorar a segurança. Pior que não colocar sinalização é colocá-la de forma errada!

POR QUE NOS METEM OS POLÍTICOS?

Penso que cada vez é mais difícil encontrar pessoas que ainda perdem tempo a reflectir sobre a motivação de os políticos, sobretudo no poder, possuírem uma propensão acrescida para não nos falarem verdade.

São inúmeras as demonstrações. Se bem se lembram, e para pegar num exemplo recente, durante a campanha eleitoral para as legislativas que decorreu em 2009, o então candidato a Primeiro-Ministro, José Sócrates, por sobejas ocasiões afirmou que tinha posto as contas públicas em ordem. Com a apresentação do orçamento para 2010 acabamos por saber que o deficit em 2009 se fixou nos 9,3%. Ora, pelos vistos, na nossa história democrática, nunca as contas públicas estiveram tão em desordem.

Nas minhas quatro décadas de existência, não me lembro de nunca nenhum Primeiro-Ministro ter sido tão apupado e apelidado dos mais diversos epítetos fazendo referência à sua tendência para faltar à verdade.

O discurso da principal candidata da oposição, Manuela Ferreira Leite, perante as evidências, pensando ter descoberto um filão, centrou-se no lema «falar verdade aos portugueses». Resultado. Perdeu as eleições!

Perante o cenário descrito parece que estamos perante uma profunda contradição, mas ao mesmo tempo estamos perante a demonstração de que a representação social consciencializada da classe política pelos portugueses mudou e hoje, mentira e política são faces da mesma moeda, sendo mesmo impossível dissociá-las.

Qualquer reflexão sobre a seriedade da classe política apenas nos pode alertar para o perigo crescente de afastamento dos cidadãos a par de uma crescente perda de legitimidade dos políticos. Há mesmo quem afirme que já se atingiu o «grau zero»!

Não posso deixar de confessar a descrença de que se tenha atingido o nível mais baixo, até porque como diz o povo «é sempre possível vir pior»! Mas, pela conformação e indiferença às incongruências, a mim dá-me a sensação que não resta muito espaço para se descer ainda mais baixo.

Estamos mesmo perante a materialização da história de Pedro e o Lobo. De tanto se mentir e enganar tragou-se a verdade. Por isso, chego mesmo a pensar que ao mais comum dos cidadãos é indiferente que este ou aquele político falte à verdade na medida em que, na política, apenas nos resta a verdade da mentira!

No fim de contas, ainda bem que já muito poucos se importam com estas questões, pois de contrário as convulsões sociais seriam muito mais frequentes…

O COMBATE À ABSTENÇÃO

Têm estado a ser discutidas as possíveis formas de se combater a abstenção eleitoral nos Açores. Pelos vistos sem consenso entre os diversos partidos com assento na Assembleia Regional.

Não é admitido por todos os politólogos que das elevadas taxas de abstenção apenas se possam fazer leituras negativas. Tem-nos sido mesmo transmitido que as elevadas taxas de abstenção são um sinal de maturidade democrática. Por isso, os actos eleitorais mais participados são os primeiros a seguir a rupturas nos sistemas políticos como aconteceu em Portugal após o 25 de Abril de 1974.

Sabemos hoje que, quando estão em causa questões cruciais, assiste-se a um reforço da coesão social, levando a que a comunidade se mobilize e participe em massa. Pelo contrário, quando se adivinham resultados e não estão em causa questões cruciais, assiste-se a um certo conformismo e a baixas taxas de participação.

Para além dos cenários descritos somos hoje levados a pensar que a questão das elevadas taxas de abstenção é bem mais complexa e muito menos linear que no passado. Acreditamos que hoje traduzem sobretudo um certo desencanto para com os Partidos políticos, bem como para com os comportamentos de grande parte dos eleitos.

Hoje, muito mais do que conferir um cariz de obrigatoriedade participativa aos actos eleitorais, é crucial uma nova ética republicana. Hoje muito mais do que distribuir nas escolas documentação aos jovens sobre o Estatuto Político-Administrativo exige-se aos Partidos maior transparência na elaboração de listas de candidatos. Hoje muito mais do que transmissões em directo dos debates políticos nos órgãos de comunicação social, exige-se aos políticos uma maior representação dos representados. Hoje em vez de posturas autoritárias, de falta de humildade ou de pretensiosas demonstrações de que se sabe tudo, precisa-se que os representantes estejam mais acessíveis aos representados. Precisa-se que os representantes nunca deixem de ter presente que o poder é efémero. Precisa-se que os representantes tenham hombridade e não se desdobrem em esforços de manutenção no poder a todo o custo em particular através de jogos de bastidores. Precisa-se que os representantes não interiorizem que sem eles segue-se o caos. Precisa-se que os representantes possuam dignidade para servir em vez de servir-se e para que outros possam suceder-lhes na definição do interesse geral.

Se tais princípios forem acautelados, a par da proibição de sondagens durante as campanhas eleitorais, não haverá motivos para se temer as taxas de abstenção eleitoral e sem margem para dúvidas os representados ver-se-ão melhor defendidos pelos representantes.

A PRODUTIVIDADE MÉDICA

Foram recentemente divulgados dados estatísticos sobre a produtividade dos médicos no ano de 2008. Através deles conclui-se que os médicos do Sistema Regional de Saúde dos Açores possuem taxas de produtividade bastante mais baixas do que as do Sistema Nacional de Saúde. Enquanto nos Açores cada médico nos centros de saúde ou hospitais realizou 950 consultas a nível nacional foram realizadas 1518, ou seja, mais 40%.

Como sempre, os dados estatísticos são o que são e, claro, desprovidos de explicações, propiciam sempre as mais diferentes leituras. Pessoalmente não nos parece que os médicos nos Açores sejam menos trabalhadores e menos dedicados que a nível nacional. Parece-nos que a principal explicação para tal diferença reside entre a disponibilidade dos médicos para o exercício da actividade privada e obviamente o maior recurso da população aos cuidados médicos privados em detrimento dos cuidados médicos do serviço público. Fundamenta tal leitura o facto de ser precisamente em Ponta Delgada e Angra do Heroísmo, onde existe o maior número de médicos a exercer a actividade privada, que se registam as taxas de produtividade mais baixas.

Sabendo-se também que os tempos de espera por uma consulta médica ou por uma cirurgia, em geral, no Sistema Regional de Saúde dos Açores são mais baixos que a média nacional e que os valores cobrados pelos médicos pelas consultas na actividade privada por cá, são mais altos que a média nacional, levanta-se uma grande questão: Por que motivo estão os açorianos a preferirem a medicina privada em detrimento da pública a ponto de resultarem diferenças tão acentuadas na produtividade dos médicos da região?

Inúmeras hipóteses podem ser avançadas, para explicação da realidade, a começar por uma menor confiança no sistema público, por uma maior capacidade financeira por parte dos pacientes para suportarem os encargos com as necessidades de cuidados médicos, ou uma menor disponibilidade daqueles para esperarem pelo acesso a tais cuidados, entre outras.

Seja qual for a explicação mais viável para todo o cenário descrito, não há dúvida que de acordo com as determinações constitucionais em que todos devem ter acesso a cuidados de saúde prestados pelo Sistema Nacional de forma tendencialmente gratuita o desafio que se coloca ao Sistema Regional de Saúde dos Açores, num período em que na Administração Pública tudo deve ser gerido por objectivos, é o de fazer aumentar a produtividade dos médicos a par de um necessário aumento do grau de satisfação da população com os cuidados prestados.

Fica o desafio!

DADOS SEM EXPLICAÇÕES PRECISAM-SE!

No primeiro dia do ano, fui convidado pela RTP-Açores para em directo, no telejornal, explicar a melhoria de resultados ao nível da sinistralidade rodoviária no país e nos Açores em particular. (Mas parece que já muito poucas pessoas vêem a nossa televisão.) Recordo que poucos dias depois escrevi aqui um artigo de opinião insurgindo-me contra um oficial da GNR que à comunicação social tinha reivindicado para aquela instituição o mérito dos resultados conseguidos.

Sempre afirmei que, nesta matéria, nenhuma instituição policial ou outra pode reivindicar para si o mérito dos resultados de uma qualquer estratégia. Bom! Em rigor até pode porque como diz o povo «presunção e água benta, cada um toma a que quer», contudo, em nome da sua própria credibilidade, se o fizer, quando os resultados não lhe forem favoráveis terá também que o assumir publicamente.

O que vai fazendo escola também por cá, infelizmente, é não faltar quem se apresse a usar as estatísticas para demonstrar eficiência e resultados de desempenho, sendo de lamentar que com a mesma rapidez não apareçam noutras situações menos favoráveis.

Aproxima-se mais uma quadra natalícia e logo mais um final do ano, períodos propícios a balanços em particular sobre a sinistralidade rodoviária. São sempre tantos os comunicados que os mais desatentos até podem pensar que nestes períodos existe uma maior propensão para a ocorrência de acidentes, o que ainda ninguém conseguiu demonstrar e não será fácil que alguém o consiga, porque além da contabilização do número de acidentes era preciso contabilizar-se o número de viaturas a circular nas estradas, o número de quilómetros percorridos e outras práticas associadas à quadra...

A questão da sinistralidade rodoviária é influenciada por tantas e tão díspares variáveis que qualquer tentativa de explicação de melhoria ou não de resultados estará sempre mais próxima do erro e do engano do que propriamente da verdade. Esta é uma daquelas áreas em que os intervenientes prestavam um melhor serviço à comunidade se nas suas intervenções se circunscreverem à apresentação dos números sem quaisquer outras observações remetendo para os estudos, para as abordagens científicas as explicações.

Sem dúvida que estamos perante uma problemática também profundamente condicionada pelas representações individuais e sociais subjacentes. É bem ilustrativo do que digo o caso de uma campanha que há vários anos tem estado a ser realizada na região, numa rádio local, na qual se pode ouvir: «Senhor condutor previna o acidente, se conduzir não beba»!

Ora cá está uma representação baseada num falso pressuposto. Pois conforme o mais recente relatório sobre a sinistralidade em Portugal, em apenas 5% dos acidentes registados, os condutores estavam sob o efeito do álcool, apontando mais uma vez a velocidade como a principal causa da sinistralidade. Perante isto, mais palavras para quê?

Vou de férias! Bom Natal e até para o Ano!

UM CORPORATIVISTA MEDIEVAL

Foi esta semana anunciada a abertura de mais um curso de medicina resultante de uma parceria entre a Universidade de Aveiro e a Universidade do Porto, através do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, que irá criar mais 40 novas vagas para medicina e que pode ir até às 120.

José Sócrates, Mariano Gago e Ana Jorge decidiram anunciar a decisão precisamente na comemoração do 36.º aniversário da Universidade de Aveiro. Procurou-se dar alguma solenidade ao evento, o que foi em nosso entender acertado sobretudo pelo valor simbólico da decisão.

Se na anterior legislatura o discurso de tomada de posse de José Sócrates ficou marcado pelo anúncio da venda de fármacos nas grandes superfícies, dando um sinal da disponibilidade do Governo para combater os lóbis e os corporativismos, pena foi que na actual ninguém se lembrou de rentabilizar o potencial que tinha anunciar-se a criação de mais vagas para medicina.

Não existe em Portugal nenhum exemplo de melhor demonstração do poder das corporações, ao ponto de terem estrategicamente conseguido reduzir o número de vagas nos cursos de medicina nas décadas de 80 e 90, e até segundo as acusações do próprio Sindicato Independente dos Médicos, terem conseguido manter desactualizadas as listas de médicos para que os rácios médico/população fossem idênticos aos europeus.

Como era de esperar, o bastonário da Ordem dos Médicos, numa atitude típica de corporativismo medieval, veio a terreiro discordar da decisão do Governo ameaçando com a possibilidade de num futuro próximo haver médicos no desemprego. Nem vale a pena perdermos tempo com o que diz tão douta personalidade, porque como diz o povo «cego é o que não quer ver»! Como é possível afirmar-se que não há falta de médicos em Portugal e em particular nas especialidades de medicina geral e familiar?

Ainda bem que entre os Sociólogos não existe nenhuma Ordem para não haver a hipótese de aparecer um bastonário capaz de ver o que mais ninguém consegue ver. Se o país perante aquilo que todos vêem está como está, imagine-se o que não seria se só um ou dois fossem capazes de ver, e todos os outros estivessem vergados pela cegueira?

Depois de ter sido dado um passo idêntico em relação à Universidade de Faro e segundo as mais recentes avaliações está a ser um sucesso, a decisão do Governo foi acertada e só peca por tardia e por não ter ido ainda mais longe em número de vagas.

Contudo, estamos certos que a coisa não ficará por aqui, a menos que neste país as Ordens continuem a mandar mais do que os governos.
Bom, vou de férias! Bom Natal e até para o Ano!

RICARDO RODRIGUES DEVE PARAR PARA REFLECTIR!

O meu primeiro contacto com o agora deputado Ricardo Rodrigues foi já nem sei há quantos anos, eu na condição de polícia, e ele na condição de advogado de defesa de um qualquer arguido que já nem sei quem foi.

Sempre o achei muito cortês, muito respeitador, cumprimentador de todos com igual deferência e como advogado recordo-o como sendo um profissional lutador, pronto a esgrimir argumentos sem se deixar intimidar pelas situações.

Por obra do acaso, do destino, por vontade própria ou por influência de pares dedicou-se à política primeiro do lado de cá e depois novamente, por obra do acaso, do destino, por vontade própria ou por influência de pares (não importa) do lado de lá.

Como cidadão sigo com regularidade a actividade política de cá e de lá e, claro está, perante o que foi dito não me espanta a visibilidade que Ricardo Rodrigues teve na anterior legislatura e que nesta continua a ter. O mesmo não posso afirmar em relação a algumas posturas a roçar a irracionalidade como se verificou em algumas situações em relação ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, valendo-lhe querelas com o Presidente da República por questões que qualquer indivíduo minimamente esclarecido sabia que eram inconstitucionais como se veio a verificar após intervenções do Tribunal Constitucional.

A sua intervenção primeiro como interveniente directo, na reforma penal de 15 de Setembro de 2007 e depois como defensor, mais uma vez pecaram por irracionalidade quando teimava em não ver o que muitos viram antes e durante e que agora o Partido Socialista e ele próprio já admitiram ter de ser revisto.

Esta semana, após uma sua intervenção mais uma vez a tentar condicionar o Presidente da República para que tome parte numa querela política que cabe sobretudo ao PS revolver, por culpa própria, na sequência da perda da maioria absoluta e que agora está obrigado a ter de negociar sobretudo com pelo menos um dos maiores partidos da oposição, foi desautorizado publicamente por Francisco Assis na condição de líder da bancada socialista.

Foi um autêntico tiro no pé que Ricardo Rodrigues desferiu e sob pena de revelar total perda de racionalidade e até uma eventual obsessão contra o Presidente da República. Por isso deve reflectir profundamente sobre o seu papel como deputado na Assembleia da República e claro pelo menos como representante dos eleitores açorianos que o elegeram.

Numa altura em que a classe política se encontra tão desprestigiada e tão desacreditada, conforme dados dos mais recentes estudos de opinião, seria bem mais útil que o Vice-Presidente da bancada socialista Ricardo Rodrigues colocasse toda a sua inteligência e capacidade de luta ao nível da negociação parlamentar em nome da governabilidade do país e não na procura de conflitos institucionais nos quais parece querer mostrar que possui dotes!

TEORIAS…

Não me lembro de se ter falado tanto de corrupção como na actualidade. Não me lembro de ver tantas pessoas profundamente habilitadas a dissertar sobre o assunto, algumas das quais são mesmo detentoras de receitas milagrosas para combater o problema… Ouso mesmo dizer que está na moda falar-se em corrupção, embora o mesmo não se possa dizer sobre a vontade do seu combate.

Na realidade o debate não nasceu cá, já tem mais de cem anos e até a velha guarda marxista se deteve sobre o assunto, defendendo uma das mais esclarecedoras teorias explicativas. Hoje, sem se considerarem marxistas, pelos vistos muitos são os que a tomam por referência, não porque a conhecem, mas porque o tempo se encarregou de demonstrar as evidências.

Se recuarmos no tempo até 1804, data em que, por força de Napoleão Bonaparte foi estatuído o chamado Código Napoleónico (Código Civil), ficou registado para a história que aquele ordenamento jurídico representava sobretudo os interesses da classe burguesa francesa ao separar o casamento civil do religioso, ao garantir o direito à propriedade privada, entre outros.

Ora, é precisamente aqui que reside o fundamento sociológico assimilado e amplamente difundido pelos marxistas. As normas de controlo social são construídas por quem detém o poder, logo, quem detém o poder ao definir as normas fá-lo no sentido de se proteger contra quem constitui uma ameaça, ou seja, contra as massas.

Assim, as normas, embora em tese tenham de ser abstractas e universais, na prática produzem efeitos diversos e invariavelmente, num sentido único. Mas, será que tais fundamentos têm alguma aplicabilidade no sentido de ajudar a compreender os contornos do debate que se está a travar na sociedade portuguesa?

Se o leitor acha que sim, então terá de aceitar que afinal o nosso sistema de justiça não é assim tão diferente de outros sistemas que vigoram nos demais países desenvolvidos. Na realidade as nossas taxas de produtividade, de pendência e morosidade processual não são muito diferentes dos demais países europeus. Leiam os relatórios!

Se existem casos que foram julgados com celeridade noutros países também os há por cá. Se existem erros judiciais por cá, também os há lá. Bem sei que defender isto não é popular. Nem tão pouco é popular afirmar que os nossos maiores problemas residem nas dificuldades de comunicação do sistema de justiça com os órgãos de comunicação social e nas dificuldades de o poder político se relacionar com o poder judicial, sobretudo por culpa do primeiro que não tem resistido à tentação do mediatismo e do populismo denegrindo a própria justiça!

Chega! Ouçam os Verdadeiros Magistrados para saberem o que atrapalha o funcionamento da justiça em vez de colocarem lobistas a fazer reformas atrás de reformas judiciais!

PULVERIZAÇÃO ESTATÍSTICA

Recordo que em tempos, a propósito de um incidente com um navio, na Ilha do Faial, Carlos César fez questão de frisar que tudo quanto acontece nos Açores interessa aos açorianos.

Todavia, sem que diga o contrário, a Constituição da República precisa que determinadas áreas de intervenção são reservadas ou da exclusiva responsabilidade de órgãos da Administração Central, sendo o caso da Justiça, da Segurança Interna, entre outras.

Apesar de serem áreas de intervenção da Administração Central, é frequente antes de se legislar pedir-se às Regiões Autónomas pareceres sobre as matérias em apreço.

Trata-se de um princípio basilar em nome do regular funcionamento das instituições.
Aliás, é este princípio que conferiu (e continua a conferir) legitimidade a Carlos César para que tenha dito e reafirmado que tudo quanto acontece nos Açores interessa aos açorianos.

Se quanto foi dito é verdade, não é menos verdade que a Região, quando instada a emitir pareceres, tem de deter um conhecimento mínimo da situação sob pena de defender posições inquinadas ou feridas na fundamentação.

Ocorre-nos tudo isto a propósito de a UMAR ter anunciado recentemente que este ano de Janeiro a Novembro registou 130 denúncias de violência doméstica, ou seja, 10,5% do total dos crimes de violência doméstica, ou 1,1% do total da criminalidade denunciada nos Açores ao Ministério Público. Recordo que em tempos também a APAV anunciou ter recebido em 2008 quase duas centenas de denúncias de crimes públicos que encaminhou para o Ministério Público. Se no passado todas as vítimas eram encaminhadas para a Polícia a fim de denunciar os crimes de que tinham sido alvo, hoje, e bem, em nome de um melhor acompanhamento às vítimas e tratando-se de um crime público qualquer pessoa ou organismo pode denunciar ao Ministério Público poupando exposição e sofrimento às vítimas.

Ora por aquilo que é público, sendo importante continuar-se com tal esforço em nome de uma melhor protecção às vítimas, estamos e vamos continuar a assistir a uma pulverização de dados estatísticos que no passado estavam concentrados na PSP e agora estão dispersos concentrando-se apenas, no fim da linha, no Ministério Público.

A nível do Ministério Público o tratamento de dados é feito pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa e publicados trimestralmente de forma agrupada. Embora muito fiáveis, tais dados não permitem conclusões aprofundadas para além dos indicadores grosseiros como o aumento ou diminuição da criminalidade geral, ou o aumento ou diminuição dos crimes agrupados por títulos.

Assim, é crucial, a nível regional, haver um organismo que faça um tratamento mais fino dos dados para os divulgar, bem como para se apurar tendências que permitam fundamentar futuros pareceres sob pena de andarmos todos a enganarmo-nos uns aos outros, prejudicando planeamentos e reivindicações legítimas junto da Administração Central.

UMA DOENÇA PROTEGIDA POR TABUS

Comemorou-se no passado dia 1 de Dezembro mais um Dia Mundial de Luta Contra a Sida. Por sinal não falta fundamentação para se continuar a comemorar a efeméride e sobretudo para individual e colectivamente nos envolvermos nesta causa.

Desde 1983 já morreram, por terem sido infectados, 25 milhões de indivíduos em todo o mundo. Ou seja, duas vezes e meia a população portuguesa. Já foram infectados 60 milhões dos quais 34 888 só em Portugal, onde se gasta anualmente em tratamento dos infectados 200 milhões de euros.

Foram inúmeros os debates e as iniciativas em torno da problemática a que assistimos por estes dias. Ficou-me na retina a dúvida de um dos intervenientes numa das acções. Dizia-se: – Como é possível que decorridos 26 anos de informação e consciencialização da opinião pública, continuem a existir tantas ideias enviesadas e estigmatizantes em torno da Sida? Há quem ainda ache que o VIH/Sida se transmite através da saliva expelida com a fala ou através de um simples cumprimento!

É um facto que foi feita muita consciencialização e que foram gastos muitos milhões de euros, mas tudo isso é muito pouco quando comparado com o poder exercido sobre cada um de nós através dos dois maiores tabus da humanidade: O SEXO E A MORTE!

O VIH/Sida como nenhuma outra doença foi-nos dado a conhecer com uma ligação directa ao sexo e ao prazer pecaminoso que, resultante de uma certa crença na existência de um mundo justo, tinha como preço a própria vida consumida rapidamente pela morte.

Se a humanidade sempre teve tanta dificuldade em falar sobre sexo bem como sobre a morte não se pode estranhar que o VIH/Sida, imerso nestes dois tabus, cause tantas dificuldades de compreensão e tantos comportamentos estigmatizantes para com quem padece.

Dito de outra forma. Como desde o início ficou a ideia que se tratava de uma doença frequente entre consumidores de droga por via endovenosa e entre homossexuais e que causava a morte em pouco tempo, no subconsciente das pessoas ficou uma falsa fundamentação subjacente ao conceito de justiça e que por uma questão óbvia de conveniência perdurou.

O tempo encarregou-se de demonstrar os mitos que ajudaram a fazer perdurar os tabus e a propagação. O Sida passou a ser considerado uma doença crónica em que os pacientes quando tratados podem durar, 20, 30 ou quem sabe 40 ou mais anos. Se o maior grupo de infectados continua a ser o dos consumidores de droga por via endovenosa (42,5% do total), a transmissão maioritária por via de relação sexual homossexual passou a ser quase a excepção visto que hoje representa apenas 12,3% dos casos, enquanto a transmissão por via heterossexual passou a constituir uma frequência de 40% e 5,2% por via diversa.

Em termos de evolução, não deixa se ser irónico o sentido de justiça subjacente à propagação da doença. Os que acreditaram e se protegeram tiveram ganhos, ao passo que aqueles que persistiram, fundamentados pelo erro e/ou a ignorância, estão hoje muito mais ameaçados.