A QUEDA DE CONSTÂNCIO

Li no Diário de Notícias de 28/Maio/2009 que a direcção da bancada parlamentar socialista já se conformou com a impossibilidade de continuar a manter Vítor Constâncio à margem dos indícios de que houve uma actuação negligente do Banco de Portugal, ao nível da regulação da Banca.

Oliveira e Costa, ao ser ouvido na comissão de inquérito da Assembleia da República e apesar de aparentemente ter conferido algum folgo a Vítor Constâncio, ao afirmar que o Banco de Portugal controlou o BPN até em excesso, acabou por confirmar que tudo está em desmoronamento.

Numa clara contradição que já ninguém pode levar a sério, é por demais evidente que o Banco de Portugal falhou a toda a linha. Se houve excesso de controlo do BPN pelo Banco de Portugal, como foi possível ter aquele banco chegado ao ponto a que chegou?

Muito para além das contradições expressas, o mérito da audição de Oliveira e Costa salda-se pela demonstração daquilo que já se sabia. Tanto Dias Loureiro como Victor Constâncio não tinham condições para continuar nos cargos que ocupavam!

Dias Loureiro, em prenúncio de um calvário que tem pela frente e em nome da dignidade, teve a hombridade de se demitir, enquanto Vítor Constâncio, feito um náufrago, se mantém agarrado com unhas e dentes a um tronco à deriva. Pelos vistos a hombridade que teve Dias Loureiro está a faltar a Vítor Constâncio e segundo os dados disponíveis até já a própria bancada parlamentar socialista, tardiamente, começou a ver que não é possível sustentar o insustentável.

A história tem razões que a razão desconhece, ou, como diz o povo, «tem coisas do arco da velha»! Constâncio, que num claro favor ao Partido Socialista, no início da actual legislatura, profundamente criticado por excesso de rigor pela questão das décimas, por ter elaborado um relatório sobre as contas do Estado e que serviu de fundamentação ao mais duro pacote de restrições à classe média, por parte de um governo na história recente de Portugal, vê-se agora a braços com a perda de credibilidade até junto daqueles que mais lhe devem por falta de rigor.

É Obra!

ACABAR COM A TORTURA?

Alguém fez questão em me enviar uma cópia do acórdão de 22 de Maio de 2009, referente ao julgamento que opunha Leonor Maria Domingos Cipriano, conhecida como a mãe da Joana, a quatro ex-elementos da Polícia Judiciária.

No referido documento, pode ler-se: «Nas instalações da Polícia Judiciária de Faro, por forma não apurada, a assistente Leonor Maria Domingos Cipriano foi agredida por um ou mais agentes da polícia judiciária (cuja identidade não foi possível apurar) que a atingiram (com intenção de a magoar) em diversas partes do corpo, designadamente, na zona da cabeça, tronco e membros superiores.» Ou seja, o tribunal deu como provado que a queixosa foi efectivamente agredida.

Muito para além de outras questões que se levantam e que não permitiram a condenação de ninguém pelo crime de agressão, maus-tratos, tortura, tratamentos cruéis e desumanos, mas sim pelo crime de falsificação de documento e omissão do dever de denúncia (…), interrogo-me sobre o que leva um ou vários indivíduos, que fizeram um juramento e se comprometeram a respeitar sempre o princípio da legalidade, a agredir de forma brutal uma mulher completamente indefesa por mais criminosa que seja e por mais bárbaros que tenham sido os crimes praticados!

Não se percebe como é que uma qualquer amostra recolhida no local do crime tenha que ser sujeita a um rigoroso protocolo sem que nunca seja quebrada a cadeia de custódia, exigindo-se um registo sistemático de quem e por quanto tempo esteve na posse do vestígio, e se vá a um estabelecimento prisional buscar um recluso para interrogatório e não exista um registo sistemático de quem, por quanto tempo esteve em contacto com o recluso e a fazer o quê?

Enfim…falhas que continuam a permitir que Portugal seja referenciado em relatórios internacionais pelos piores motivos.

Claro que todos somos humanos, e na realidade a tradição de se torturar para obter uma confissão acabou apenas há pouco mais de trinta anos. Parece que há uma herança que perdura e não é credível que se extinga tão rapidamente quanto o desejável.

Tendo conhecimento desta inevitabilidade, não existe hoje qualquer outra alternativa para se combater tais práticas totalmente ilegais e inaceitáveis, à luz do direito português e internacional, que não seja a colocação de câmaras de videovigilância em todas as instalações policiais onde se fazem interrogatórios. Sempre que alguém esteja privado da liberdade tem de haver um rigoroso protocolo de registo e procedimentos para que não existam dúvidas.

O que demonstra o episódio descrito é mais uma vez a falência do próprio Estado que, querendo punir um suspeito da prática de um crime inqualificável, permite que representantes pagos por esse mesmo Estado pratiquem crimes igualmente inqualificáveis, exclusivamente, com o propósito de brilhar!

É uma atroz ignorância desconhecer-se os ditames científicos que demonstram ser bem mais fácil obter-se uma confissão através da assertividade do que através da agressividade. Mas, disso, falaremos mais tarde…

LIÇÕES PERDIDAS

Na sequência de um evento ocorrido na Ilha Terceira, foi mais uma vez anunciado pelo Governo Regional que não haverá mais bairros sociais nos Açores. Apesar de, já no final da anterior legislatura, o Secretário Regional, José Contente, ter anunciado tal decisão, o assunto foi repetido até à exaustão na comunicação social regional.

Fiquei mesmo com a impressão que já ninguém se lembrava de tal promessa.

Tal como na altura saudei, saúdo novamente pelo mérito que a iniciativa encerra. No entanto não posso deixar de afirmar ter a convicção, a menos que a vida me pregue uma partida, que ainda irei assistir à construção de muitos mais bairros sociais.

Quem se preocupa com estas problemáticas sabe que a denominada Sociologia Ecológica, cuja referência maior é Robert Park, pertencente à Escola de Chicago, demonstrou como o ordenamento espacial condiciona os hábitos e práticas daqueles que o habitam.
Com quase cem anos que tal saber se tornou público apenas se pode lamentar que se continue a persistir nos mesmos erros.

Depois da experiência falhada que foi, em Ponta Delgada, o bairro social das Laranjeiras, ainda no tempo da vigência dos Governos de Mota Amaral, muitos outros bairros se multiplicaram por quase todos os concelhos açorianos na última década.

Quando assistimos, através da televisão, aos graves problemas de insegurança na Amadora, Loures, Setúbal, entre outros, incluindo pessoas com armas em punho aos tiros nas ruas e deslocações massivas de polícias dos corpos especiais para reposição da ordem pública, talvez muitos pensem que tais cenários são impossíveis nos Açores.

Puro engano. As sementes estão lançadas e podemos perfeitamente vir a ter de enfrentar no futuro problemas idênticos com grandes alterações da ordem pública. Por isso, é de todo conveniente que se evite tais possibilidades, porque certamente todos recordamos as dificuldades que surgiram para se controlar as graves alterações da ordem pública de 1996, em S. Miguel, com vários elementos policiais feridos e viaturas completamente destruídas, a propósito do preço do leite pago aos produtores.

Se o que melhor caracteriza os bairros sociais é o demérito de fazer com que os indivíduos que os habitam tenham mais dificuldade em se inserir socialmente e de melhorar as suas condições pessoais e familiares, na realidade, não faz qualquer sentido continuar-se a realojar pessoas em massa em tais espaços.

Em nome da racionalidade e da rentabilização dos recursos, com todas as demonstrações existentes, é de esperar que chegue a hora de se privilegiar a qualidade em detrimento da quantidade. No entanto, a experiência aconselha-me a esperar sentado, porque uma coisa é o que se diz, outra é o que se faz!

O PROBLEMA DOS MENORES

A delinquência juvenil, entendida como o conjunto de comportamentos tipificados pela lei como crime e cometidos por menores entre os 12 e os 16 anos de idade, é tida como um problema em quase todas as sociedades ocidentais, nas últimas décadas, tendo vindo a assumir particular visibilidade e preocupação. Sem margem para dúvidas que existe em todo o país uma grande desconformidade entre aquilo que são as intervenções jurídicas ao abrigo da Lei Tutelar Educativa, por via dos casos denunciados, outra coisa são as reais práticas da criminalidade.

Não deixa de ser curioso que, por um lado muitos dos comportamentos delinquentes sejam na maior parte das vezes ignorados pela comunidade, e ao mesmo tempo, conforme o estudo que realizámos em 2004, nos Açores, com uma população alvo de 1.590 pessoas, 42% dos inquiridos tenham considerado que a responsabilização criminal dos menores, com a possibilidade de aplicação de penas de prisão, deveria ser a partir dos 14 anos em vez dos actuais 16 anos, o que demonstra uma profunda contradição.

Os estudos internacionais demonstram que no mundo ocidental a prática de comportamentos delinquentes entre os adolescentes é muito elevada. Segundo Maurice Cusson (2007) mais de 80% dos adolescentes praticam pelo menos um delito por ano, o que é bem elucidativo da dimensão real do fenómeno em relação à dimensão daquilo que é denunciado. Existe uma certa «normalidade» no acto de delinquir. É uma forma de afirmação. Claro que na maior parte dos casos, após a prática de um delito, os menores após serem repreendidos pelos adultos/educadores tendem a não voltar a reincidir. O que representa um problema social são os menores que de forma mais ou menos sistemática vão repetindo os delitos com uma tendência crescente para praticarem delitos cada vez mais graves.

Segundo os dados que são públicos, referentes à última década, têm sido remetidos anualmente aos tribunais, nos Açores, cerca de uma centena de novos casos tendo sido o ano de 2007 o que registou o valor mais elevado com 121 casos. Com pequenas oscilações de ano para ano, os furtos (32%), os danos (32%), os comportamentos violentos (agressões físicas, ameaças e injúrias) (24%) e a condução ilegal de veículos sem carta ou licença (12%) são os delitos mais frequentes.

Há um consenso alargado entre os estudiosos do fenómeno da delinquência que os dados estatísticos existentes são de muito baixa qualidade. Infelizmente continuamos a não ter hábitos de realização de inquéritos periódicos de delinquência auto-revelada que nos poderiam caracterizar com mais segurança a evolução do fenómeno.

Por tudo isto, depois de o Ministro da Administração Interna ter anunciado a necessidade de se agilizar a possibilidade de os menores serem internados em centros educativos, talvez faça mais sentido pensar-se no estudo prévio dos hábitos, práticas, tendências e códigos de conduta formais e informais dos menores delinquentes antes de se fazer mais um disparate!

DIGNIDADE PRECISA-SE

Tornaram-se públicas algumas das conclusões do inquérito de averiguações sobre a possível existência de pressões sobre os magistrados que têm a cargo a investigação do processo Freeport. Uma coisa parece certa. Algo que não deveria ter acontecido terá mesmo acontecido daí que o Inspector do Ministério Público, Victor Santos Silva, responsável pelo referido inquérito de averiguações, tenha considerado «muito graves» os factos apurados propondo a suspensão do presidente da Eurojus, Lopes da Mota.

Perante a evidência dos factos, impôs-se a instauração de um processo disciplinar a Lopes da Mota, tendo já um conjunto de personalidades defendido a demissão do cargo que ocupa desde 2007.

Diz-me a experiência que muitos factos que parecem evidências, em sede própria, quer a nível disciplinar, a nível civil, ou penal, num ápice, invertem-se claramente e o que parecia ser esfuma-se e nem uma sombra persiste (ainda recentemente aqui escrevia sobre um desses casos). No entanto, aquilo que é já do domínio público é demasiado grave e em nome do princípio constitucional da independência da justiça em relação ao poder político não há qualquer espaço para que tudo fique como estava.

Para além do apurado no inquérito de averiguações citado, fico ainda mais preocupado quando me recordo das declarações do antigo bastonário da ordem dos advogados, Pires de Lima, a um dos canais nacionais de televisão sobre Lopes da Mota.

Independentemente dos interesses políticos em jogo num ano profundamente marcado por acesas «guerras» eleitorais, levando uns a defenderem a demissão e outros a continuidade de Lopes da Mota, na Eurojus, entendo que depois das referidas declarações de Pires de Lima e agora com as conclusões do inquérito não há qualquer espaço para a continuidade daquele magistrado como presidente da Eurojus.

Estamos, mais uma vez, perante uma questão de dignidade e de credibilidade de todo o sistema de justiça português. Neste momento, em nome da racionalidade, e em nome do princípio da independência da justiça, não pode existir o mais pequeno espaço para a subsistência de dúvidas.

Em nome dessa mesma dignidade, por iniciativa do próprio magistrado Lopes da Mota, já se deveria ter dado o seu afastamento do cargo tendo em conta que se trata de um processo que envolve a articulação e cooperação entre dois Estados europeus directa ou indirectamente dependente do visado.

Incompreensivelmente já só o Partido Socialista defende a continuidade de Lopes da Mota, quando, no fim da linha, nada é mais prejudicial para a imagem do próprio José Sócrates!

ANIMAR A MALTA!

Declarações do actual Ministro da Administração Interna, Rui Pereira, sobre algumas das questões criminais que têm alimentado a comunicação social nos últimos tempos remetem-nos para a necessidade séria de realização de uma profunda reflexão sobre o que tem sido feito nesta matéria e o que efectivamente importa fazer.

Para não falar nos tópicos do costume, chavões que todos sabem de cor e salteado, acho particularmente pertinente a leviandade com que são proferidas algumas declarações.

Se o assunto não fosse demasiado sério, atrever-me-ia a afirmar que algumas coisas são ditas apenas para entreter, ou, como alguém disse: «para animar a Malta», porque isso é o que faz falta!

Senão reparem! Quando inquirido sobre o aumento de 10,8% da criminalidade violenta e de 7,5% da criminalidade geral, a nível nacional, em 2008 em relação a 2007, Rui Pereira, como forma de minimizar a situação, respondeu: «durante o Verão houve um aumento da criminalidade, sobretudo a violenta e grave, mas no último trimestre houve uma quebra pronunciada [graças à] resposta dada [através de uma] presença massiva, visível e forte das forças de segurança no terreno».

Muito bem! Posso e quero acreditar nisto! Todavia, sou também obrigado a acreditar no que qualquer cidadão pode descodificar na sequência daquela explicação. Ou seja, se a criminalidade no quarto trimestre de 2008 diminuiu devido à intervenção das forças de segurança no terreno, então é legítimo pensar-se que o aumento da criminalidade nos primeiros três trimestres de 2008 foi devido à falta de intervenção dessas mesmas forças de segurança!

Se assim é, por que motivo foi necessário decorrerem três trimestres com a criminalidade a aumentar para se tomar medidas eficazes só no quarto trimestre? Quem foi afinal o responsável por isto?

É inacreditável a forma como «reputados especialistas» nos brindam com explicações tão simplistas para a evolução da criminalidade, no caso, até foi responsável pela mais recente reforma das leis penais.

No meio de tudo isto, há apenas uma dúvida calamitosa que não me sai da cabeça: se para se controlar o fenómeno criminal as medidas são assim tão fáceis e tão simples, para que precisamos de Ministros inteligentes?

DESAFIAR A REINCIDÊNCIA

O Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, em articulação com os responsáveis máximos das diferentes forças e serviços de segurança, está a desenvolver esforços para que a libertação de presos preventivos, bem como as saídas precárias e condicionais, passem a ser controladas de modo completamente diferente do até aqui.

A ideia parece simples. O órgão de polícia criminal responsável pelo inquérito (investigação), que levou o indivíduo à prisão, fica com a incumbência de o controlar nas referidas saídas dos estabelecimentos prisionais, embora a força ou serviço de segurança mais próximo da área de residência do recluso também possa ter um papel a desempenhar.

A medida parece perspicaz e pode efectivamente ter impacto ao nível da redução das «malditas taxas de reincidência» que constituem o maior dos problemas e ao mesmo tempo o maior dos desafios em matéria criminal. Se conseguíssemos ter um efectivo controlo da propensão para a reincidência, conseguiríamos uma redução de cerca de 50% do total dos crimes.

Ou seja, dos 1154 crimes que por dia chegaram ao conhecimento das autoridades no território nacional, em 2008, passaríamos para qualquer coisa como 577 crimes diários, o que libertaria os efectivos com funções policiais para intervenções mais de cariz preventivo, bem mais do agrado do cidadão comum e claro mais adequadas à construção de um verdadeiro sentimento de segurança.

Dito desta forma tudo parece pacífico e simples de implementar. Todavia a experiência dita-nos que existem problemas estruturais profundos ao nível da organização e da articulação das diferentes forças e serviços de segurança. Continuamos a ter, fruto do modelo segmentado e descontínuo em vigor, problemas gravíssimos ao nível da troca de informações e da cooperação.

A continuidade do actual modelo não irá nunca permitir um eficaz controlo dos percursos e carreiras criminais dos indivíduos referenciados pelo sistema. Negar esta evidência é uma revisitação à «alegoria da caverna». É preferir ver a sombra do que a imagem real.

Ainda me lembro, enquanto polícia, e não foi uma nem duas vezes, de ter andado a fazer investigações para descobrir o paradeiro de indivíduos procurados pela justiça portuguesa quando se encontravam presos à ordem do mesmo tribunal de comarca apenas diferindo de juízo. Com níveis de comunicação destes como se conseguirá todo o resto?

Sejam bem-vindos ao mundo real!

PARABÉNS SR.ª PROFESSORA!

Chegou ao fim, esta semana, o processo judicial que envolvia uma professora da Escola Canto da Maia e uma mulher de 26 anos, familiar de uma aluna que frequenta aquele estabelecimento de ensino.

Na sequência dos factos apurados durante o julgamento, a juíza não hesitou em condenar a arguida a uma pena de multa de 600 euros e ao pagamento de uma indemnização de 500 euros à vítima.

Para além das expectativas que a vítima, seus familiares e demais pessoas próximas pudessem ter do que poderia ser a decisão final do tribunal, ou mesmo para além das representações sociais existentes sobre o que deveria ser a pena a aplicar à arguida, foi feita a justiça possível!

Digo a justiça possível, porque, independentemente da gravidade da pena e do valor da indemnização, nunca será anulado o efeito de vitimização em particular a humilhação vivenciada no momento da prática do crime, no período subsequente e mesmo durante todo o processo por sujeitar a vítima à exposição e à denominada vitimização secundária provocada pela obrigatoriedade de reviver vezes sem conta todo o episódio.

Digo a justiça possível, porque foi o mínimo que pôde ser feito para dar um sinal claro à arguida e à comunidade em geral de que comportamentos destes não podem ser tolerados em circunstância alguma. Isto nas escolas ou em qualquer outro local. Nada justifica a berraria, a agressividade e a violência. Chego mesmo a pensar que esta mensagem nunca fez tanto sentido como na actualidade! (Continua a haver por aí quem pense que tudo se pode resolver com gritarias, pontapés e outros actos intimidatórios para silenciar os outros…)

Conforme foi divulgado e é comum nestes processos o julgador, neste caso a julgadora, deu oportunidade às partes para chegarem a um acordo. Perante tal hipótese a professora terá recusado qualquer possibilidade com a justificação de que não tinha feito nada para fazer acordos!

Para mim, neste processo, nada foi mais marcante que a coragem, a persistência e a determinação desta professora em levar o caso até às últimas consequências materializadas na consciência de que nada tinha feito que pudesse servir de pretexto para o comportamento da arguida.

É esta coragem, esta determinação e esta persistência que têm faltado noutros casos em que as pessoas, nomeadamente os professores, têm sido indignamente tratados. É esta coragem, esta determinação e persistência que por vezes tem faltado no sentido de dar um sinal claro sobre a forma como as pessoas se devem relacionar pautando as suas condutas pelos mais basilares princípios do respeito mútuo.

Por isso, parabéns, Sr.ª Professora! A comunidade está-lhe grata!

«C…, ESTOU LIXADO, NÃO PAGO NADA»

Embora me possam acusar de corporativista, não resisto a escrever sobre o caso do magistrado do ministério público que foi interceptado por um elemento policial quando falava ao telemóvel enquanto conduzia a sua viatura.

O magistrado ao ser confrontado pelo agente com a possibilidade de autuação terá dito: «C…, estou lixado. Não pago nada, apreenda-me tudo. C…, estou a divorciar-me, já tenho problemas que cheguem. Não gosto nada de me identificar com este cartão, mas sou procurador. Não pago e não assino. Ai você quer vingança? Ainda vai ouvir falar de mim. Quero a sua identificação e o seu local de trabalho.»

O agente não esteve com meias medidas, e bem, participou os factos à Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa. Esta com certeza e com grande celeridade decidiu da seguinte forma: «Estamos em crer, sem margem para dúvidas, que a matéria comunicada não constitui qualquer ilícito penal ou disciplinar.»

Em tempos um agente que junto de uma cancela evitava que o trânsito circulasse numa via ao verificar que na outra extremidade da rua alguém desviou a outra cancela existente e havia condutores a circular indevidamente abordou um dos infractores. Acabando por se exaltar disse qualquer coisa do género: «há pessoas que são como os touros quando marram para um sítio…». O condutor em causa participou os factos e o agente, claro, acabou punido com uma pena de cinco dias de multa!

Se o Direito fosse uma ciência em que o rigor e a objectividade fossem reais postulados, a probabilidade de situações como as descritas suscitarem entendimentos tão diferenciados seria bem mais diminuta do que se verifica na realidade.

A questão que se coloca é se o facto de uma pessoa se estar a divorciar é motivo para excluir a ilicitude da conduta materializada pelo procurador em causa. Entendo que não, tal como o facto de o agente estar farto de calcorrear a rua e desesperado com os condutores a desrespeitar a cancela lhe permite dizer o que disse.

O problema é que tal como tinham concluído K. Sessar, W. Steffen, e K. Gössel, nos longínquos anos 60 do século passado, todos os sistemas de justiça discriminam as vítimas e os agressores em função dos papéis e funções sociais, em função do poderio económico, até em função da aparência física, apesar do esforço em demonstrarem o contrário.

«Estamos em crer, sem margem para dúvidas», de vez em quando a Justiça ajusta-se… e claro, envergonha-nos!!

GUERRAS E CUMPLICIDADES…

As comemorações dos 35 anos sobre o 25 de Abril de 1974 e os episódios recentes, que envolvem o Primeiro-Ministro e diversos jornalistas portugueses, relançaram o debate em torno da bem fadada liberdade de imprensa.

Conforme rezam as crónicas, são já nove os jornalistas que foram processados civil e criminalmente por José Sócrates por este se ter sentido difamado. O mais recente episódio desta novela de cordel foi «a declaração de guerra» do Primeiro-Ministro à TVI, durante a entrevista em directo à RTP1 que teve como resposta uma «declaração de guerra» por parte dos dirigentes da TVI ao Primeiro-Ministro.

Era bom que o principal actor desta nova novela tivesse boa memória para evitar cair nos mesmos erros que outros não souberam evitar. Depois de uma outra guerra com a TVI e o governo de então, que levou ao afastamento de Marcelo Rebelo de Sousa daquele canal televisivo e respectiva transferência dos seus comentários domingueiros para a RTP1, com as consequências políticas que o episódio teve e que são conhecidas, parecem ter razão os que defendem que na realidade a história se repete no tempo, embora com actores diferentes!

Todos temos presente os contornos que levaram à queda do governo de Santana Lopes e à consequente maioria absoluta de José Sócrates e em especial o peso decisivo que a comunicação social teve. Na realidade Santana Lopes valia bem mais do que a comunicação social fez crer na altura e pelos vistos José Sócrates vale bem menos do que a maioria absoluta que arrecadou com a prestimosa ajuda da comunicação social.

Na última campanha eleitoral para as presidenciais, os ataques do candidato Mário Soares à comunicação social, mais uma vez, puseram em evidência a certeza de que ninguém consegue ganhar eleições sem conquistar os órgãos de comunicação social. Também sabemos que ninguém chega a cargos de poder, de relevo se tiver a comunicação social contra si.

Perante as evidências, depois da comunicação social se ter tornado o primeiro poder, com os tristes episódios que de forma mais ou menos directa condicionam a livre circulação da informação, ou José Sócrates inverte a sua estratégia de relacionamento com os jornalistas ou então que se prepare para as derrotas políticas que aí vêm. Não sou determinista, mas que há coisas inevitáveis, lá isso há!

LABORATÓRIO SEXUAL

Um laboratório de investigação em sexualidade humana ligado à Universidade de Aveiro resolveu fazer um estudo sobre os comportamentos sexuais das pessoas. Para tal resolveu anunciar a necessidade de dispor da colaboração de 100 voluntários, dos quais 50 homens e 50 mulheres com idades compreendidas entre os 18 e os 50 anos.

Tendo em conta que a sexualidade a par da morte constitui o agrupamento dos dois maiores tabus da humanidade os quais, de forma paradoxal, estão intrinsecamente ligados, porque não há morte sem vida e não há vida sem sexo, talvez por isso a ideia tenha despertado o interesse em massa da comunicação social a avaliar pela ampla divulgação.

A segunda-feira última foi o dia escolhido pelo laboratório para aceitação das candidaturas de voluntários para participarem na dita experiência. Curiosamente ainda durante a referida segunda-feira foi divulgado, pela mesma comunicação social que divulgou a iniciativa, que não valia a pena mais ninguém se candidatar porque já todas as vagas estavam preenchidas!

Fui forçado a pensar no que teria levado tantas pessoas em tão pouco tempo a aderir a tal projecto. Ocorreram-me milhares de justificações, mas obviamente nenhuma validada cientificamente, porque, como o estudo é inédito, é evidente que nunca ninguém estudou o motivo de tantas pessoas estarem disponíveis para participar como voluntários em experiências de cariz sexual…

Ainda que correndo o risco de meramente estar a especular, o quadro de motivações além da mera satisfação sexual associada em primeiro lugar ao prazer que a todos agrada, com tantas invocações a apontar para a crise económica como justificação, também não me ocorre nada melhor. Ao mesmo tempo e sem que seja incongruente ocorreu-me que foi encontrada uma solução pelo menos para minorar o impacto da crise.

Assim, em nome do avanço científico e do choque tecnológico, é conveniente que se promulgue de imediato um decreto-lei que incentive a multiplicação de projectos similares ao desenvolvido pela Universidade de Aveiro, traçando como meta a ocupação dos cerca de cinco milhões de portugueses de ambos os sexos com idade compreendidas entre os 18 e 50 anos.

É muito provável que de tão ocupadas as pessoas deixem de se preocupar com a crise e de culpabilizar o governo!

FUNDAMENTAÇÃO PRECISA-SE!

O clínico Luís Mendes Cabral, conforme foi divulgado esta semana que agora finda, enviou uma carta aberta ao presidente do governo regional a denunciar que a medida de colocar desfibrilhadores em locais públicos para serem utilizados em caso de alguém ter uma paragem cardíaca, nos moldes em que foram colocados, é uma falácia em termos de utilidade prática.

Depois de a decisão da região adquirir os referidos desfibrilhadores ter sido amplamente anunciada, o que veio a público demonstra que estamos perante uma situação caricata na medida em que é passado um atestado público de incompetência a um decisor político que antes de decidir a forma de gastar o dinheiro público, no mínimo, deveria pelo menos fundamentar a sua decisão sustentada em pareceres técnicos.

Não quero acreditar que a aquisição dos desfibrilhadores foi meramente uma decisão política como foi, por exemplo, a decisão de se construir um lar de idosos na ilha do Corvo, onde ainda hoje, passados vários anos, se desespera na procura de um utente para ocupar aquelas digníssimas instalações.

Pela argumentação científica do clínico Luís Mendes Cabral, em relação à prestação de emergência médica e mesmo em relação à organização do 112, onde apenas ficou esquecido que existe um outro intermediário no sistema (é um polícia que atende todas as chamadas para o 112 e só depois reencaminha para os bombeiros,…), ficou claro que nesta matéria alguém ousou dizer que «o rei vai nu»!

Talvez estejamos perante uma daquelas discussões sobre o que nasceu primeiro «a galinha ou o ovo?», ou seja, qual deveria ter sido a primeira decisão: a constituição de equipas de cuidados médicos avançados dotadas de um médico ou enfermeiro como, por exemplo, acontece no continente com as equipas do INEM, ou a compra de desfibrilhadores cuja utilização nos actuais moldes pode ser inconsequente para o paciente?

Neste como noutros casos o importante é que haja humildade para se assumir as falhas e corrigir o que deve ser corrigido, sendo de extrema importância que não impere aquela tentação por posturas arrogantes que por vezes sobressaem entre os que pensam saber tudo e que podem bastar-se a si próprios!

DÁ VONTADE DE RIR!

José Sócrates, de viva voz, mais uma vez, recusou uma proposta do PSD para transformar em crime o denominado enriquecimento ilícito, tendo anunciado, sem mais, que só aceita a inversão do ónus da prova após a condenação de um arguido.

Qualquer pessoa minimamente inteligente perante os argumentos de José Sócrates por pouco que ainda o leve a sério apenas pode ficar estarrecida. Não passa de uma postura completamente incongruente com o que um governo dito de esquerda deve defender. Este mesmo governo durante a actual legislatura foi já responsável pela publicação de legislação relacionada com as auto-estradas em que permitiu a inversão do ónus da prova. Pelos vistos não houve qualquer preocupação com as possíveis inconstitucionalidades só para combater a corrupção que grassa em Portugal e que nos envergonha nos rankings internacionais é que os ditames constitucionais suscitam preocupação.

Quando a criminalização do enriquecimento ilícito já se faz em diversos países europeus aos quais não damos lições de democracia e de respeito pela dignidade humana, é curioso que tenha sido o PSD a apresentar a proposta de lei pela segunda vez e pela segunda seja chumbada por decisão de José Sócrates.

Em bom rigor em termos ideológicos a medida referida tem também subjacente a justa repartição da riqueza, preocupação fulcral e de forma recorrente apresentada como bandeira dos partidos de esquerda. Por isso os contornos que circundam as tentativas da criminalização do enriquecimento ilícito apenas nos remetem para a leitura nas entrelinhas das estratégias dos dois maiores partidos políticos portugueses e por sinal com maiores responsabilidades na matéria.

É natural que o PSD saiba quem pretende atingir com a proposta, na mesma medida que o PS há-de saber quem pretende proteger com a rejeição liminar da proposta que por ironia do destino teve como pai um dos mais ilustres quadros do Partido Socialista.

Tudo isto não passa de uma comédia com vários actos cujo resultado não tem sido outro que não a manutenção de um sistema jurídico que favorece a prática da corrupção.

Digam o que disserem, argumentem com o que quiserem, façam-nos rir à vontade, mas uma coisa é certa: enquanto não se inverter o ónus da prova em relação à criminalidade económico-financeira, por mais polícias, por mais investigação criminal que se faça, nunca haverá um verdadeiro combate à corrupção em Portugal e manteremos a nossa reputação internacionalmente manchada!

SPREAD’S E «VENDA DE PRODUTOS»

Esta prática de reflectir, estudar e escrever sobre questões associadas à segurança tem feito com que de modo recorrente sejamos abordados na via pública no sentido de nos questionarem sobre este ou aquele assunto directa ou indirectamente relacionado com o tema, às vezes, passando até só por um simples desabafo.

Claro que nem sempre temos disponibilidade, porque estamos atrasados, porque temos um compromisso, mas lá se tem gerido as abordagens de modo a que se consiga satisfazer minimamente os anseios das pessoas; como compreenderão nem sempre é fácil.

Por vezes as abordagens são bastante interessantes em termos reflexivos, dando a oportunidade de se ver o problema através do próprio olhar da pessoa vendo-se o que está para além da superfície captável através do simples olhar do observador.

Tudo isto para vos dizer que esta semana fomos abordados por duas vezes, por pessoas completamente distintas sobre o mesmo assunto. Depois de uma prospecção bancária para apurarem quem apresentava as melhores condições ao nível da concepção de crédito para a aquisição de habitação própria, optaram por uma determinada instituição. Passado algum tempo foram informadas, através de missiva, de que o empréstimo tinha sido concedido, sem qualquer referência à taxa de juros ou de spread’s. Quando se dirigiram à instituição para dar seguimento ao processo foram informados pelos funcionários que os atenderam da necessidade de subscreverem um Plano de Poupança e Reforma para conseguirem um spread de 0,5, o que os indignou.

Sabendo-se que tais práticas não são permitidas, infelizmente instituições há que não desistem e concedem até prémios aos funcionários em função do número de produtos/serviços vendidos nomeadamente cartões visa, plano de poupança e reforma, seguros (…).

É conveniente que as pessoas não se deixem enganar por aquilo que os banqueiros chamam de práticas de fidelização de clientes, quando deveriam chamar estratégias de marketing agressivo, enganador e a roçar a burla. Nestas situações não se esqueçam de reclamar por escrito pois são de todo comportamentos reprováveis e com uma tendência clara de serem sempre um benefício para a respectiva instituição bancária e não para o cliente.

Fica a promessa de na próxima vez que tiver conhecimento de uma destas situações escrever novamente sobre o assunto neste mesmo espaço, mas divulgando o nome da instituição bancária bem como o nome dos funcionários envolvidos e depois, depois seja o que Deus quiser…

A PERVERSIDADE DA GESTÃO POR OBJECTIVOS

O actual governo transformou a gestão por objectivos numa decisão emblemática que serviu de suporte à reforma da administração pública. Os serviços passaram a ser obrigados a definir objectivos a atingir em cada ano e os funcionários foram sujeitos a um sistema de avaliação anual assente na definição prévia dos mesmos.

Recorrentes têm sido os discursos de que a gestão por objectivos constitui um paradigma de desenvolvimento e inovação, capaz de tudo resolver, e os grupos profissionais que ainda não estão sujeitos à avaliação por objectivos, como os magistrados, os médicos e os polícias, têm sido apontados como os próximos alvos, independentemente de alguns efeitos perversos que o sistema possa vir a desenvolver.

Como desde os bancos da universidade fui alertado para as teorias inerentes à gestão por objectivos, para as devidas vantagens e inconvenientes, por motivos óbvios tenho acompanhado todo este processo de generalização de regulação de praticamente toda a actividade humana através dos bem «fadados objectivos»!

Devo confessar que sempre fui avesso a verdades absolutas e a panaceias e por questões profissionais sempre fui igualmente avesso a quem as quer dar ou vender, por isso, sabendo o que sei, tive sempre reservas quanto às virtudes da generalização do sistema.

Em nome da gestão por objectivos têm sido produzidas autênticas aberrações, em especial no tocante à avaliação dos funcionários do tipo: definição de objectivos em Novembro e Dezembro do ano em curso, com desempenhos muito bons e excelentes, entre tantas e tantas outras que não tenho disponibilidade de caracteres para as descrever. Como a melhor demonstração do que escrevo, aponto aquilo em que deu a gestão por objectivos e a atribuição de prémios aos funcionários e em particular aos gestores/chefias nos grandes grupos económicos!

A gestão por objectivos não passa de uma gigantesca falácia, cheia de perversidades e sujeita a manipulações. Se assim não fosse, como seria possível que um gestor, no prosseguimento da consecução de objectivos, levasse uma empresa à falência e mesmo assim conseguisse reunir condições para ser premiado de forma milionária pelos objectivos conseguidos? Mais palavras para quê?

Viva a avaliação por objectivos em nome da reforma da administração pública!

CUIDADO!!!

Tal como havia preconizado Spencer, as sociedades são evolutivas, dinâmicas e possuem vidas próprias e diferenciadas. As problemáticas que enfrentam em cada momento são distintas embora não estanques. É possível encontrar-se num determinado momento e numa determinada sociedade novas problemáticas a coexistirem com problemáticas mais ou menos antigas.

A criminalidade é, entre os fenómenos sociais, um dos mais demonstrativos da evidência enunciada. Da análise da criminalidade de uma determinada sociedade podemos identificar o estádio de desenvolvimento em que se encontra, as práticas do passado, bem como a tendência de evolução no futuro.

É recorrente dizer-se, e eu próprio já várias vezes o referi neste espaço: tudo o que acontece nas demais regiões, mais tarde ou mais cedo chega aos Açores!

Esta semana, o episódio da ocorrência de uma tentativa de assalto a uma caixa de multibanco na cidade da Horta é bem demonstrativo da materialização daquilo de que falamos.

Logicamente que as práticas são condicionadas pela vivência no meio. Não é por acaso que nunca nenhum assaltante de bancos nos Açores ficou por identificar. Não é por acaso que os supostos assaltantes da caixa de multibanco da Horta foram tão rapidamente identificados e levados perante a justiça.

Agir preventivamente consiste em informarmo-nos sobre o que vai acontecendo noutras regiões sem o desvalorizar por ser algo que nunca aconteceu por cá. Agir preventivamente é, perante o conhecimento e estudo científico das problemáticas, desenvolverem-se e implementarem-se medidas para se evitar determinados comportamentos.

O retardamento que existe entre a ocorrência de determinados fenómenos nas demais regiões e a sua chegada aos Açores deve ser entendido como uma vantagem ao nível da prevenção. Para isto é fundamental que se ouça e se envolva todos quantos podem dar um contributo à segurança. Ninguém pode ficar à margem. Ninguém é tão insignificante que possa ser ignorado, nem ninguém é tão conhecedor dos modos e formas de intervenção que possa dispensar os pareceres e as opiniões dos demais. Ou melhor, poder até pode! Mas não deve se está verdadeiramente interessado na segurança dos demais.

Para finalizar apenas posso chamar a atenção para a forma como a criminalidade violenta está a coexistir entre nós com outras formas de criminalidade mais tradicionais sem que se tenha pensado num verdadeiro plano de intervenção para a erradicar…

NADA DE NOVO…

Decorreu recentemente em Lisboa mais um congresso de investigação criminal. Em bom rigor não trouxe muito de novo para além de um ou outro palestrante. Independentemente das abordagens mais ou menos ricas, mais ou menos mobilizadoras das consciências, em síntese, após o referido evento, tal como tem acontecido nos eventos anteriores, muito pouco, para não dizer nada, mudará(!).

Já nem falo de alguns dos interlocutores do costume, entre os quais o actual Ministro da Justiça, que se esforçam por demonstrar o que só eles vêem.

Com tantos ataques à última reforma penal, passando pela acusação de muitas das alterações legislativas terem ido a reboque das directrizes da comunicação social, Alberto Costa, fazendo finca-pé lá reiterou que as reformas têm sido as adequadas e o resultado de muita ponderação! (Grande treta…O Procurador-Geral da República já por várias vezes afirmou que não foi ouvido, os juízes a mesma coisa e já para não falar nos demais operadores da justiça entre os quais as Forças e Serviços de Segurança…enfim, conversa para entreter apenas quem tem andado distraído!!)

As questões em torno do crime económico voltaram a ser rainhas e a estar no centro de debates acalorados. Sem qualquer margem para dúvidas que esse é o principal combate que está por fazer, sendo amplamente consensual que a reforma penal trouxe ainda mais dificuldades à investigação criminal.

Já por diversas vezes nos pronunciámos sobre o assunto, mas infelizmente continuamos a ter motivos para relembrar que não é possível qualquer combate sério à corrupção e a toda a criminalidade económico-financeira sem se inverter o ónus da prova. Digam o que quiserem, argumentem com o que quiserem, mas voltaremos sempre ao ponto de partida.

Não há combate à fuga e evasão fiscal susceptível de dar resultados sem que os contribuintes tenham que justificar a posse de bens para além dos rendimentos e bens declarados. Não há combate ao crime organizado ligado ao tráfico internacional de armas, droga, de seres humanos e exploração sexual sem que os detentores dos lucros sejam obrigados a demonstrar a proveniência lícita dos seus rendimentos.

Em nome da seriedade e em nome da transparência, quem detém sinais de riqueza tem de ser obrigado a justificar a sua posse. Não conseguindo justificar deve perdê-los a favor do Estado e ser condenado por práticas ilícitas. Perdoem-me a frontalidade, mas quem defende o contrário, não está verdadeiramente interessado no bem comum e muito provavelmente tem algo a esconder!!

BRONCAS!

Confesso que esta vontade voraz de «malhar» na Ministra da Educação, a que por aí se tem assistido, deixou de mexer com a adrenalina, porque, já há algum tempo, a mulher «politicamente está moribunda» e apenas se mantém no cargo por uma conveniente e teimosa solidariedade por parte de José Sócrates.

Toda a gente já se apercebeu do facto, até a própria, daí que esteja a evitar ao máximo a exposição pública, remetendo para um tal Pedreira a defesa de uma putativa réstia de honra, através de uma argumentaria por vezes a roçar o ridículo, dado o esforço titânico de demonstração de sobre quem pairou em exclusividade a última réstia de inteligência.

É difícil aceitar-se tantas incongruências sobretudo quando se quis dar uma imagem de rigor, exigência e responsabilidade. Neste âmbito, durante a semana que agora finda, o episódio que envolve o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna e o Ministério da Educação é por demais elucidativo.

No ano lectivo de 2007-2008, ainda durante o primeiro período lectivo, a titular da pasta da Educação e o titular da pasta da Administração Pública juntaram-se numa conferência de imprensa para apresentarem os dados estatísticos relativos à segurança nas escolas no ano lectivo 2006-2007. Tendo-se, pela primeira vez, sem se perceber porquê(?), juntado os dados estatísticos sobre ocorrências dentro e fora das escolas, permitiu àqueles titulares conquistarem umas quantas primeiras páginas onde se lia «Ocorrências em meios escolares diminuíram 30%».

Quase no fim do segundo período lectivo, sem que exista uma explicação racional, os dados do ano lectivo 2007-2008 ainda não foram tornados públicos e o Ministério de Educação nem se deu ao trabalho de os enviar para que constem, como de costume, no Relatório Anual de Segurança Interna, pelo que o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna desistiu de os incluir no referido relatório por estar cansado de esperar.

Ironia das ironias, se calhar estamos quase todos cansados, por isso «soma e segue»…

O VAZIO DO RELATÓRIO DE SEGURANÇA INTERNA…

Foram tornados públicos os dados de mais um relatório anual de segurança interna (RASI).

Sem dar grande enfoque à forma discutível como mais uma vez foram tornados públicos os respectivos dados, é certo que o interesse que aquele relatório desperta já nada tem a ver com o interesse que despertou no passado em conformidade com as restrições de acesso que então eram impostas. Recordo que o primeiro relatório integral do género a que tive acesso, apesar das inúmeras dificuldades institucionais colocadas, por ironia do destino, foi conseguido através de uma pessoa ligada à comunicação social (talvez uma das razões da minha gratidão!).

O relatório de 2008, antes de ser publicado, já tinha sido esvaziado pelo relatório da autoria da Procuradoria–Geral Distrital de Lisboa, através do qual tinha sido dado conhecimento do número de processos crime entrados nos tribunais portugueses, em 2008, independentemente da fonte de proveniência.

Atendendo à forma demagógica com que têm sido utilizados os dados estatísticos em Portugal, nos últimos anos, o facto de terem sido registados pelas Polícias em 421 037 crimes, em 2008, quando em 2007 tinham sido registados 391 611 crimes, representando um aumento de 7,5%, ou seja, mais 24 426 crimes, pouco importa em termos de acção por parte do Estado no controlo da criminalidade.

O que o RASI deveria conter era a análise de indicadores de produtividade e eficácia de todo o sistema de segurança e da justiça portuguesa. Tudo poderia ser conseguido através do cruzamento dos dados dos inquéritos de vitimização (que, depois do inquérito de 1991, só agora está a ser novamente realizado), dos dados dos Serviços Prisionais, do Instituto de Reinserção Social e dos dados da actividade dos Tribunais.

O que o RASI não diz é que, tendo aumentado a criminalidade geral 7,5% e a criminalidade violenta 10,7%, em 2008, a população prisional diminuiu 7,2% e o número de presos preventivos diminuíram 24,7% em relação a 2007 enquanto a utilização de pulseiras electrónicas ficou muito aquém das metas traçadas pelo governo.

O que o RASI não diz é que dos 1154 crimes que ocorreram por dia, em 2008, cerca de 800 processos criminais por dia foram arquivados pelo Ministério Público (MP) por falta de prova ou indícios que pudessem sustentar uma acusação.

O que o RASI não diz é que dos cerca de 350 arguidos acusados, por dia, pelo MP, apenas 140 foram condenados a uma qualquer pena.

O que o RASI não diz é que dos 1154 crimes registados apenas em 140 processos o nosso sistema de segurança e justiça conseguiu identificar, acusar e responsabilizar criminalmente os autores.

O que nenhum relatório diz, nem nenhum daqueles que foram responsáveis por toda a reestruturação penal e securitária é que estamos perante um fracasso em toda a linha e até a população prisional, que diminuiu 14,4%, em 2008, em relação à população prisional de 2006, já em 2009, vai voltar a crescer pelo facto de ter aumentado a média das penas dos arguidos nas prisões portuguesas em consequência do aumento das taxas de reincidência!

MÚSICA PARA COMBATER O CRIME…

Segundo Montesquieu, na obra «O Espírito das Leis», de 1748, p. 543, invocando Aristóteles e Platão, «a música torna suaves os costumes». Um pouco mais adiante acrescenta: «a música, que atinge o espírito através dos órgãos do corpo é muito apropriada para a doçura, a piedade, a ternura e para o doce prazer».

Ao reler Montesquieu, recordei a questão dos afectos como um dos mais importantes factores que pode influenciar a propensão para os comportamentos criminais.

Articulando a ideia com o pensamento de outro dos clássicos, nomeadamente Durkheim, que apontou a coesão social como a melhor forma de combater a propensão para os comportamentos criminais, resulta uma proposta de intervenção nos espaços públicos com maior probabilidade de ocorrência de crimes.

Assim, em conformidade com as representações sociais de segurança nos espaços públicos e fazendo jus aos referidos clássicos, ocorre-me que seria interessante o desenvolvimento de um projecto que permitisse a colocação de pequenas colunas de som que reproduzissem de forma contínua música calma, de preferência as chamadas baladas, em determinadas ruas da cidade de Ponta Delgada.

O registo de ocorrências durante o desenvolvimento da iniciativa permitiria recolher dados estatísticos cuja comparação com os dados estatísticos registados antes do projecto iria demonstrar se a teoria de Montesquieu é ou não demonstrável.

A intuição diz-me que sim. Sendo um projecto em termos de custos pouco dispendioso, penso que vale a pena experimentar. Embora se saiba que em matéria de comportamentos humanos e sociais, o somatório de dois mais dois não é necessariamente igual a quatro, em nome da necessidade de melhoria do sentimento de segurança, o projecto é perfeitamente concretizável.

Como alguém disse, «já está tudo inventado», por isso fica aqui uma ideia de revisitação dos clássicos para minimização de um problema antigo!

QUEM DEVERIA PAGAR?

No Verão quente de 2006, a ainda Ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues emitiu um despacho em que exonerou a Directora Regional Adjunta da Educação do Algarve, Isabel Bispo. Sem mais, a fundamentação para tal decisão prendia-se com o «desajustamento do perfil profissional detido face às exigências de especialização requeridas».

Para quem já não se lembra da situação, na altura, houve uma enorme polémica relacionada com a exoneração da Directora Adjunta, que, segundo alegações divulgadas através da comunicação social, se ficou a dever a motivações políticas com o ensejo de nomear para o cargo alguém do partido do poder.

Não sabemos qual a verdadeira motivação, apenas conhecemos o resultado da decisão bem como a versão oficial que serviu de base à fundamentação da decisão, ou seja, o perfil profissional de Isabel Bispo era desajustado face às exigências do cargo!

Por não conformação da exonerada, o caso foi parar a tribunal, tendo recentemente sido dada razão a Isabel Bispo por falta de prova da fundamentação invocada. O mesmo tribunal obrigou o Ministério da Educação a anular a exoneração e a pagar à lesada a diferença dos vencimentos auferidos e aqueles que deveria auferir caso se tivesse mantido no cargo até final da comissão.

Exortada a comentar a decisão do tribunal, Maria de Lurdes Rodrigues recusou-se a fazê-lo, mas, ao que se apurou, deu instruções para que o seu Ministério recorresse da decisão.

Seja qual for o desfecho do recurso e o resultado das próximas eleições legislativas, quando a decisão judicial se tornar definitiva, a titular da pasta, com toda a certeza, não estará no cargo, e o Estado, ou seja, todos nós, mais uma vez, seremos obrigados a pagar os montantes devidos a Isabel Bispo.

Será isto justo?

Lembram-se de uma crónica que escrevi sobre a obrigatoriedade de os magistrados terem passado a ser obrigados a reparar os lesados por erros grosseiros cometidos na apreciação dos processos judiciais que os levou a fazerem seguros de responsabilidade civil, no qual defendi que os políticos deveriam também ser obrigados a tais normativos? Então agora já sabem a resposta…Uma coisa é certa, o dinheiro dos contribuintes em circunstância alguma deveria servir para pagar indemnizações por erros e disparates de terceiros!

Por estas e por outras é que muita gente não tem emenda!

MAIS UMA VEZ!

Um estudo da Polícia Judiciária sobre os homicídios praticados em Portugal, entre 2000 e 2004, demonstrou que 40,5% de um total de 132 homicídios ocorridos na área de Lisboa foram praticados por cidadãos estrangeiros.

Ocorre-me à memória, a propósito da criminalidade praticada por estrangeiros, uma frase escrita na introdução de um livro que publiquei sobre o tema: «numa lógica estatística, basta que um imigrante cometa um crime, para se afirmar que os imigrantes contribuíram para o aumento da criminalidade em Portugal! Quer isto dizer que pretender afirmar o contrário é negar uma evidência.»

Se este fosse o problema, o assunto estava resolvido por si, todavia tudo não passa de falsas evidências, apenas se podendo lamentar que mais uma vez não se tenha sido rigoroso na arte de informar, dado que a divulgação estratégica de tais dados levanta inúmeras questões deontológicas, além de revelar a profunda ignorância que por aí grassa sobre as conclusões dos mais importantes estudos realizados em Portugal sobre o assunto.

É pena que assim seja e que mais uma vez se tenha procurado apontar o estrangeiro, sem mais, como o grande responsável pela prática da violência e em particular pelo aumento da criminalidade violenta registada em Portugal, esquecendo-se questões de rigor conceptual, esquecendo-se as fragilidades das conclusões obtidas através da análise estatística de espaços curtos, esquecendo-se que determinados espaços geográficos possuem concentrações populacionais que enviesam análises e permitem conclusões precipitadas.

É pena que se continue a ignorar o que a Escola de Chicago, com destaque para Znaniecki, demonstrou há quase cem anos em relação à propensão criminal dos imigrantes, estigmatizando o «outro» que conforme as demonstrações científicas até possui menos de metade da propensão para a prática de crimes do que os portugueses em geral!

É pena que alguma comunicação social, como de costume, tenha dado amplo destaque às conclusões do estudo da PJ citado, tendo ficado a dúvida se o interesse foi o de informar ou se foi outra qualquer coisa que por uma questão de princípio me recuso a qualificar!

CRISE EM TEMPO DE CRIME!

Inúmeras têm sido as associações abusivas da prática criminal às crises económicas. Numa lógica de raciocínio simples, pensar-se em crise económica é pensar-se em dificuldades e sem que se perceba muito bem porquê, estabelecendo-se uma correlação, acredita-se que, como forma de ultrapassar tais dificuldades, os indivíduos têm maior propensão para a prática criminal.

A associação da crise ao aumento da prática da criminalidade não passa de uma conclusão simplista, tão simplista como aquela de que a simples presença de polícias na rua faz diminuir a criminalidade.

Se assim fosse, Portugal, enquanto país da cauda da Europa, cuja situação económica se tem caracterizado praticamente ao longo das últimas décadas por ser de crises atrás de crises, com problemas graves ao nível da pobreza e de atraso nos índices de desenvolvimento humano, deveria destacar-se com taxas de criminalidade acima da média europeia. Sendo precisamente o inverso que se tem registado, países como a Alemanha e a Inglaterra, apesar de bastante mais ricos e menos vulneráveis às crises económicas, têm apresentado taxas de criminalidade muito superiores às portuguesas.

Estudiosos como James Wilson, Julien Dray, Sebastián Roché, entre tantos tantos outros, têm demonstrado que não existe uma correlação entre crises económicas e a prática da criminalidade.

Também Alain Peyrefite, em 1977, num relatório elaborado a pedido do então presidente francês Giscard d’Estaing, pôs a nu a falsa evidência de que as crises económicas provocam um aumento da prática da criminalidade, ao constatar que, apesar dos excepcionais indicadores económicos e da abundância de emprego em França, no início da década de 70 do século passado, a criminalidade apresentou taxas de crescimento bastante significativas.

Outra das demonstrações de que não existe uma correlação entre crises economias, desemprego e a prática da criminalidade são os dados estatísticos referentes aos Açores. Apesar de aqui se ter vivido, na última década, anos seguidos de pleno emprego, com taxas de desemprego residuais e crescimento económico assinalável, as taxas de criminalidade têm apresentado de forma consecutiva índices de crescimento.
Se dúvidas existissem, aqui está mais uma demonstração de que as motivações da prática criminal, de tão complexas, qualquer tentativa de explicação linear e simplista está ferida de morte!